Elon Musk obteve a restauração de seu pacote de remuneração de 2018 como CEO da Tesla depois que a Suprema Corte do Estado americano de Delaware reverteu parte das conclusões de uma juíza que havia dito que o bilionário influenciou indevidamente membros do conselho responsáveis por formular o maior plano de compensação corporativa da história.

Na sexta-feira (19), a corte concluiu que a pessoa mais rica do mundo tem direito a um plano de remuneração em ações hoje avaliado em cerca de US$ 140 bilhões – quase R$ 780 bilhões. Quando os diretores da Tesla autorizaram o pagamento, ele era o maior já concedido a um executivo nos Estados Unidos. Desde então, foi superado por um plano separado que pode valer até mais US$ 1 trilhão para o CEO da Tesla caso ele atinja metas futuras de desempenho.

O plano de 2018 estava suspenso depois que um único investidor — que possuía apenas nove ações — conseguiu barrá-lo na Justiça de Delaware, onde a montadora de veículos elétricos estava incorporada à época. Os investidores da Tesla votaram duas vezes de forma esmagadora a favor do plano, que disparou em valor à medida que a ação saltou de cerca de US$ 20 para perto de US$ 500 nos últimos sete anos.

Em decisão unânime, os cinco juízes do mais alto tribunal de Delaware afirmaram que cancelar totalmente a remuneração do CEO deixou “Musk sem qualquer compensação por seu tempo e esforços ao longo de seis anos”. No entanto, eles mantiveram o entendimento da instância inferior de que o conselho da Tesla estava repleto de conflitos de interesse ao estabelecer o pacote de pagamento para o bilionário cofundador da empresa.

“Embora tenham revertido a decisão sobre os danos, o julgamento ainda serve como um alerta para conselhos de administração: eles precisam ter um processo de remuneração livre do tipo de conflitos que vimos neste caso se quiserem passar pelo crivo judicial”, disse Charles Elson, professor aposentado da Universidade de Delaware e fundador do Weinberg Center for Corporate Governance.

Saída de Delaware

A decisão, muito aguardada, derruba parte das conclusões da juíza-chefe da Corte de Chancelaria, Kathaleen St. J. McCormick. Em janeiro de 2024, ela havia decidido que os diretores da Tesla tinham laços estreitos demais com o CEO — maior acionista da empresa — para definir sua remuneração de forma adequada. A decisão irritou interesses corporativos e o próprio Musk, que acusou os juízes de Delaware de adotarem uma postura antiempresarial e de colocarem injustamente os holofotes sobre acionistas controladores.

Desde então, Musk lançou uma campanha para convencer outras empresas a retirarem suas incorporações de Delaware, estado que abriga juridicamente mais de 60% das companhias da Fortune 500. Ele transferiu a sede legal da Tesla, da SpaceX e de outras empresas para o Texas e Nevada, e continuou a criticar duramente McCormick e outros magistrados, a quem chamou de ativistas.

Isso levou a uma mudança na legislação de Delaware, com apoio do novo governador democrata Matt Meyer, tornando mais difícil processar grandes executivos como Musk, numa tentativa de conter a fuga de empresas do estado. Críticos afirmam que a mudança afrouxou indevidamente os padrões legais para a revisão de negócios com partes relacionadas. Delaware é o principal paraíso de incorporações dos EUA e arrecada mais de US$ 2 bilhões por ano em taxas ligadas a esse status.

Peças armazenadas na fábrica em Tesla em Fremont, na Califórnia (EUA).
Peças armazenadas na fábrica em Tesla em Fremont, na Califórnia (EUA). Foto: Divulgação

Greg Varallo, um dos advogados do acionista da Tesla que contestou o pagamento de Musk, disse que está avaliando quais “próximos passos” seu cliente pode adotar no caso. Advogados da Tesla e de seus diretores não responderam de imediato aos pedidos de comentário.

Em uma postagem na rede social X, Musk escreveu que tenta “não começar brigas, mas sempre as termina”.

Na decisão de 49 páginas, os juízes afirmaram que McCormick errou ao concluir que a solução para os conflitos do conselho deveria ser a anulação completa do acordo de remuneração. Isso deixou Musk sem pagamento por meia dúzia de anos à frente da montadora, que viveu crescimento sem precedentes nesse período. “É incontestável que Musk cumpriu integralmente o acordo de 2018, e que a Tesla e seus acionistas foram recompensados por seu trabalho”, afirmou a corte.

Entre 2018 e 2024, Musk transformou a fabricante de carros elétricos em uma das empresas mais valiosas e conhecidas do mundo. Sua fortuna é estimada em cerca de US$ 643 bilhões, segundo o Bloomberg Billionaires Index. “Arranjos anteriores de remuneração não resolvem o problema de conceder uma solução que o prive” dos benefícios adequados por seus esforços, disseram os juízes.

Eles também afirmaram que, como os advogados de Richard Tornetta — o investidor que moveu a ação — não propuseram uma alternativa para lidar com os conflitos do conselho, ele faria jus apenas a “danos nominais”. O tribunal fixou a indenização em US$ 1 e reduziu os honorários advocatícios concedidos por McCormick em mais de US$ 290 milhões, para no máximo US$ 54,5 milhões. Tornetta ainda pode voltar à juíza para pedir que ela considere outra solução para a violação dos deveres legais do conselho em relação aos acionistas.

O conselho da Tesla tinha preparado um plano alternativo de remuneração para Musk caso o pacote de 2018 fosse rejeitado. Após a mudança da incorporação da empresa para o Texas, os diretores criaram, em agosto, uma compensação provisória avaliada em US$ 30 bilhões em ações, válida apenas se ele perdesse a disputa. Esse plano agora não se aplica mais.

Para criar ainda mais incentivos no futuro, os acionistas aprovaram em 6 de novembro um novo plano em ações que pode tornar Musk o primeiro trilionário da história e elevar sua participação na Tesla para 25% ou mais ao longo da próxima década. Para isso, ele terá de atingir uma série de metas, incluindo vender um milhão de robôs de IA e colocar um milhão de robotáxis autônomos em operação.

A pressão gerada pela saída de empresas de Delaware como sede corporativa “aumentou a pressão política” enfrentada pela Suprema Corte do estado ao analisar o controverso plano de pagamento de Musk, disse Ann Lipton, professora de direito societário da Universidade do Colorado.