Em junho, a Casas Bahia passou a ter um dono de novo, que nada tinha a ver com os Klein, a família fundadora, ou com o GPA, o grupo do qual a empresa já fez parte. Naquele mês, a empresa informou que tinha conseguido um acordo para conversão de debêntures do Banco do Brasil e do Bradesco em ações, reduzindo em 40% uma dívida que consumia qualquer melhoria operacional. 

A solução, desenhada um ano antes pela gestão executiva e pelo conselho no plano de recuperação extrajudicial, prolongou prazos e permitiu à empresa colocar o nariz para fora da água. As debêntures da série 1 tiveram vencimentos estendidos até novembro de 2027. A série 2 passou a ser conversível em ações. E a série 3, mais pulverizada, passou a ter um custo de CDI + 1,0% e vencimento em novembro de 2030.

E em agosto foi revelado o investidor que passou a deter 85% da companhia: a Mapa Capital, nascida de uma cisão da Mauá. Ela tinha comprado as debêntures do Bradesco e do BB, converteu em ações, e assumiu o controle da varejista. Foi o maior passo já dado por essa gestora de pouco mais de 10 anos, mas, até então, uma quase desconhecida. Agora ela está definitivamente sob os holofotes – e as dúvidas – do mercado. 

Para pessoas que acompanham de perto o negócio, o desafio da Mapa não é nada trivial, uma vez que a dívida ainda é alta. “A série convertida tinha juros baixos. A economia aí é de R$ 230 milhões ao ano, o que não resolve o problema ainda”, diz um gestor familiarizado com a empresa. Zerado o passivo da série 2, a dívida bruta ainda é de R$ 5,4 bilhões.

A aproximação com a Mapa começou bem antes de ela ser anunciada como a nova acionista majoritária. Os sócios da gestora começaram a se relacionar com executivos da alta gestão ainda no começo de 2025, apurou o InvestNews – o que ajuda a explicar a antecipação na conversão da dívida, que estava prevista para outubro deste ano.

Diferentemente dos casos mais tradicionais, em que os bancos costumam procurar um investidor, na Casas Bahia foi a Mapa quem estudou a operação e procurou os bancos com uma proposta para comprar a dívida. “O ganho para a gestora, nesse tipo de operação, está na eficiência que ela consegue gerar. O lucro vem da diferença entre o valor da dívida que ela assume com os bancos e o resultado que ela passa a gerar dentro da empresa reestruturada”, diz uma pessoa que acompanhou as negociações. Os detalhes sobre a remuneração aos bancos não são públicos.  

Quem é a Mapa Capital

Um dos sócios-fundadores da Mapa, Fernando Beda tocava a área de capital solutions da Mauá, a Mauá Participações – daí o nome Mapa –, quando se juntou a velhos conhecidos, André Helmeister e Paulo Silvestri, para comprar o negócio em 2013. Os três se conheciam da época em que eram trainees do antigo Banco Francês e brasileiro (BFB). Mais tarde, Helmeister e Beda tiveram longas passagens pelo Itaú BBA; Silvestrini, na Daimler (da Mercedes Benz). 

Com a fundação da Mapa Capital, a ideia era juntar a experiência do trio no setor financeiro para assessorar empresas financeiramente e na reestruturação de dívidas, além de comprar participação em negócios que precisavam de um trabalho intenso de reorganização. O portfólio, porém, não era necessariamente recheado de grandes negócios. Entre as assessoradas estão a Sky, de TV a cabo, a Alubar Energia e a Agaxtur, rede de agências de turismo. Já entre as investidas, o caso mais célebre é a plataforma de finanças pessoais Guiabolso, na qual investiram em 2013 e saíram em 2021, sem grandes ganhos após a venda ao Picpay.

O negócio de equity da Mapa já é bem maior que o de assessoria. Movimentou R$ 3 bilhões, só que mais da metade (R$ 1,6 bilhão) é justamente na operação de Casas Bahia. As operações da Mapa são viabilizadas com caixa próprio e recursos captados junto a investidores institucionais em uma estrutura de club deal, quando um pequeno grupo se junta num fundo para participar de uma operação específica.

A Mapa tem em seu portfólio outras duas empresas abertas, bem menores do que a Casas Bahia: a Veste, dona das marcas Le Lis, Dudalina e John John, e a Plascar, produtora de peças automotivas de plástico.

Tese de continuidade

Quando Renato Franklin e Élcio Ito, CEO e CFO, respectivamente, chegaram à Casas Bahia em 2023, a empresa vivia um momento ainda mais complexo. A varejista não crescia sua receita e o lucro tinha virado um prejuízo quase bilionário. O primeiro ato da nova gestão foi pensar um plano de transformação, reduzindo estoques de forma significativa, saindo de várias categorias, enxugando a operação online e fechando até 100 lojas.

Muito do operacional avançou e o fluxo de caixa livre passou de R$ 665 milhões anualizados para R$ 910 milhões. Mas a última linha do balanço continuou apontando um prejuízo de R$ 963 milhões no primeiro semestre de 2025. 

“Quando eles chegaram, o projeto que tinham era considerando uma Selic a 8% ou 9%, que eram as projeções de mercado. Mas isso não aconteceu”, diz uma pessoa próxima aos executivos. E aí, num ambiente de juros básicos nos patamares atuais, de 15%, a varejista teria que ser muito eficiente ou ter um endividamento bem mais baixo. 

Ainda assim, a avaliação, segundo pessoas ouvidas pelo InvestNews, é de que os sócios da Mapa aprovam a execução dos planos de Franklin e Ito, bem como a atuação do conselho. “A avaliação é mesmo de continuidade. Não tem um choque em relação à governança. E mesmo que existam os lock-ups, a mensagem que deixaram é de que não queriam mesmo sair vendendo.” O sistema de lock-up impede a venda imediata de toda a fatia. As ações serão liberadas de forma escalonada ao longo de 16 meses: 10% no primeiro trimestre após a conversão, mais 15% no segundo, 20% no terceiro, 30% no quarto e, por fim, os 10% restantes no 16º mês. 

E, apesar de deter 85% do capital, a Mapa propôs apenas a ampliação do conselho de administração de cinco para sete integrantes. Na sexta-feira, dois nomes propostos pelos novos controladores foram aprovados: o sócio da Mapa, André Helmeister, e Jackson Schneider, ex-CEO de Defesa da Embraer. A única mudança de cadeira foi de Fernando Beda, que substituiu André Coji, nome ligado a Michael Klein, filho do fundador Samuel Klein e ex-CEO. 

A visão, porém, contraria a avaliação de Michael Klein. No começo deste ano, o empresário aumentou sua participação na varejista para tentar ganhar mais espaço nas decisões da empresa. Sua fatia chegou a 10% e ele apresentou um pedido para destituir o conselho, a começar pelo chairman, Renato Carvalho. Ele desistiu de mudar o conselho, o que incluía a retirada de Raphael Klein, seu filho, de quem é afastado há anos, mas continuou insatisfeito com os rumos do negócio.

“Ele entendia que o Renato tinha que ser demitido e chegou a falar isso para o Beda em um almoço entre os três após a entrada da Mapa.” Naquele almoço, o empresário, que declarava por aí o interesse em voltar a aumentar sua participação (com a conversão, a fatia de Klein foi diluída de 10% para algo em torno de 2%) estava ansioso para saber os planos do time de Beda. Mas, segundo apurou o InvestNews, saiu frustrado. A interlocutores, reclamou que o sócio da gestora mais perguntava do que falava o que pretendia na varejista. 

O desafio na Casas Bahia

Ainda com as sequelas do episódio Americanas no mercado e seu próprio perfil de crédito prejudicado, a varejista se viu sem muitas alternativas. Para manter a operação rodando, passou a financiar-se com dinheiro de custo bem mais salgado. 

Exemplo: a linha de crédito risco sacado (financiamento em que o fornecedor recebe à vista de um banco, mas o risco e o pagamento ficam com a varejista) aumentou em R$ 573 milhões do segundo trimestre de 2024 para o segundo trimestre de 2025. Esse dinheiro costuma ter custo mais alto do que outras linhas de crédito, como o de seguradoras. Só o montante pago em juros para risco sacado cresceu 80% de um ano para outro. 

E esse é um dos desafios que a Mapa precisará resolver, mas que ainda não deve acontecer no curto prazo. Com a Black Friday se aproximando, a expectativa é de que essa linha ainda fique maior no terceiro trimestre, trazendo mais custos para os balanços já combalidos da Casas Bahia.

A felicidade do crediário

E a empresa ainda tem de lidar com outro custo elevado: o crédito do icônico “crediário da Casas Bahia”. O plano de Franklin e Ito era converter toda a captação de recursos para o carnê a um FIDC, o que reduziria significativamente o risco e os custos para a empresa impulsionar o crediário, mas o planejamento foi adiado justamente pela pressão financeira da varejista e a necessidade de renegociação das suas dívidas com os bancos. 

Passado o acordo firmado na recuperação extrajudicial, finalmente, a Casas Bahia deu início ao FDIC, em fevereiro de 2025, com uma captação inicial de R$ 300 milhões, e uma meta de chegar a R$ 500 milhões nos próximos meses. Ainda assim, o custo da varejista com a linha de crédito em que capta recursos com bancos para oferecer crédito ao cliente final cresceu 31,4%.

Não é mero detalhe. O crediário da Casas Bahia, eternizado na música do Mamonas Assassinas, é uma das principais ferramentas de venda da companhia, mas precisou ter sua expansão contida diante da pressão financeira. A carteira ativa passou de R$ 5,3 bilhões no segundo trimestre de 2023 para R$ 6,2 bilhões ao fim do segundo trimestre de 2025, num avanço mais moderado, diante de uma visão mais conservadora na concessão de crédito pela companhia – principal alvo das críticas de Klein à gestão.

De acordo com pessoas próximas ao empresário, a avaliação dele é de que o ritmo de crescimento do crediário precisava ser mais acelerado, o que estimularia a expansão das vendas. “Se a Mapa vender ações nas janelas de lock-up, ele só investe se houver aumento da carteira do crediário”, diz uma das pessoas próximas ao empresário. Atualmente, ao menos 22,5% das vendas das lojas físicas são feitas via crediário. 

Enquanto se apega à experiência financeira dos sócios da Mapa para ampliar seu acesso a crédito mais barato, a gestão da Casas Bahia mapeia outras fontes de recursos para o caixa. Uma opção que está na mesa é a venda da Mega Loja na marginal Tietê, que passaria a ser alugada pela varejista. A companhia havia recebido uma proposta de R$ 90 milhões, mas avalia a loja de 9 mil metros quadrados em até R$ 200 milhões, de acordo com pessoas ouvidas pelo InvestNews.

A operação do banQI, sua financeira, também é um ativo que pode ser avaliado para venda. Outro caminho é seguir com a monetização de créditos fiscais, que desde 2023 renderam R$ 2,7 bilhões à companhia.

Procurada, a Mapa Capital não quis comentar. A Casas Bahia não respondeu até a publicação desta reportagem.