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‘Onde vai passar o jogo?’: a disputa entre Faria Lima, Globo e YouTube pelo futebol brasileiro

Disputas entre grupos de comunicação e empresas do mercado financeiro moldam o novo futebol brasileiro

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Ilustração: João Brito

Não vai ser simples assistir aos jogos do seu time no Campeonato Brasileiro de 2025. No de 2024, agora, ele sempre está em algum canal da Globo – ou no da TV aberta, ou no Sportv ou no Premiere. No ano que vem, o leque amplia. Alguns jogos vão estar na Record. Para ver outros, será necessário ir ao YouTube e acessar a CazéTV. Para mais outros, só no streaming da Amazon Prime Video mesmo. Ou ainda na Globo, no Sportv, no Premiere.

Essa multiplicação de transmissões é reflexo de grandes mudanças na política interna dos times brasileiros – e também no mercado de mídia do país.

Nas últimas décadas, foram poucas as vezes em que a Globo viu ameaçado o seu domínio nas transmissões esportivas – se é que isso de fato chegou a acontecer. Houve derrotas pontuais, como quando a Record transmitiu com exclusividade os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, mas o combo TV Globo+canais Sportv+Premiere sempre foi difícil de bater.

Os times preferiam a Globo, os anunciantes também. E o torcedor se acostumou a sintonizar no plim-plim na hora de ver os jogos – e também a resmungar quando a emissora não exibia a partida do seu time.

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Mas o mundo mudou, e o futebol brasileiro rachou. As duas ligas que congregam os principais clubes do Brasil, Libra e LFU, dizem trabalhar pela criação de um único bloco de times, mas o momento é de consolidação em torno dos dois pólos que elas representam – uma divisão fortalecida pela disputa comercial entre grupos de mídia e pela influência crescente do mercado financeiro no futebol do Brasil.

Libra e LFU são resultado direto da Lei do Mandante, aprovada em 2021, no governo Bolsonaro. A legislação mudou a lógica dos direitos de transmissão ao estabelecer que só o clube mandante, o que tem os chamados “direitos de arena”, pode negociar a veiculação de uma partida. Antes da Lei do Mandante, a negociação precisava envolver também o time visitante.

Isso criava um nó. A emissora acertava os direitos de transmissão com os times grandes. Para os pequenos, era pegar ou largar. Ou aceitavam qualquer valor, ou o jogo não seria transmitido e eles não receberiam nada.

A nova regra “empoderou” o mandante – mesmo se o time fosse pequeno, a negociação toda teria de ser feita com ele. Isso abriu o mercado. Obrigou as grandes empresas de mídia a se preocuparem com as demandas dos times menores se quisessem garantir pacotes de jogos com valor comercial. Na prática, desafiou o controle que a Globo exerceu por décadas na transmissão de jogos dos times brasileiros.

A Lei do Mandante também foi aprovada em meio a uma grande revisão de gastos do Grupo Globo. Os investimentos no streaming Globoplay drenaram parte dos recursos que iriam para a TV, os valores dos direitos de transmissão inflacionaram na década anterior por conta do aumento da concorrência – RecordTV e Esporte Interativo, que tinha sido comprados pela Turner, entraram nas disputas.

A Globo foi obrigada a escolher melhor o que comprar.

Libra, a aliada da Globo

Para usar a linguagem da política, dá para dizer que a Liga do Futebol Brasileiro, a Libra, é a situação, o lado conservador.

Ela é formada por 12 clubes das séries A, B e C. Dos dez times de maior torcida do país, seis estão na Libra: Flamengo, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Atlético-MG e Santos. Ou seja: dos dez times de maior torcida do país, sete estão na Libra (os primeiros desta lista) – e isso não é coincidência.

Em linhas gerais, a Libra é formada basicamente por times que estavam contentes antes de a Lei do Mandante entrar em vigor. São os times que escolheram ficar com a Globo.

Na proposta da emissora, afinal, a remuneração pelos direitos de transmissão passa por uma fórmula que dá mais peso – isto é, mais dinheiro – às equipes cujas partidas atraem mais audiência.

O acordo entre a Libra e o Grupo Globo inclui os direitos de transmissão do Brasileirão entre 2025 e 2029. Envolve a exclusividade na transmissão dos jogos cujos times da Libra forem mandantes, seja na TV aberta, na TV fechada, no streaming e/ou no pay-per-view.

Por este pacote, a Globo deverá pagar R$ 1,17 bilhão, 11% a menos do que o previsto quando o Corinthians estava na Libra – em julho, o alvinegro “virou a casaca” e fechou com a LFU.

Segundo o jornal Lance!, o acordo da Globo com a Libra segue os seguintes termos:

  • 40% distribuídos igualmente entre os times;
  • 30% pagos conforme o desempenho da equipe no Brasileirão;
  • 30% pagos conforme a audiência dos jogos.

As equipes da Libra ainda deverão receber 40% do faturamento com o pay-per-view, o que deve significar por volta de R$ 200 milhões ao ano para os times da Libra.

Antes de acertar com a Globo, a Libra sentou para conversar também com representantes da Mubadala Capital, gestora que representa os interesses de um fundo soberano homônimo dos Emirados Árabes. A Mubadala queria ser dona dos direitos de transmissão dos clubes da Libra pelo período de 25 anos, uma abordagem em linha com perfil agressivo da gestora.

As negociações com os árabes não avançaram, mas mostram como o mercado financeiro está de olho nos clubes de futebol do Brasil e para além dos investimentos feitos nos times que aderiram ao modelo da Sociedade Anônima de Futebol (SAF).

Ilustração: João Brito

LFU, a desafiante

De volta à metáfora da política institucional, a Liga Forte União (LFU) pode ser vista como a oposição. Nascida da junção de duas associações, a LFU congrega os descontentes do futebol brasileiro, times cujos presidentes argumentam que a divisão do bolo dos direitos de transmissão nos moldes do que a Globo vem fazendo aprofunda a desigualdade entre os clubes do país.

E não é pouco descontentamento. A LFU é composta por 32 clubes brasileiros das séries A, B e C do Campeonato Brasileiro. Entre eles, Vasco, Fluminense, Botafogo, Cruzeiro, Fortaleza, Sport e o já citado Corinthians.

A insatisfação desses clubes foi mais facilmente canalizada para a liga desafiante depois que a Faria Lima entrou na história. A XP Investimentos viu no racha entre as equipes uma oportunidade para aumentar sua influência no mercado de futebol do Brasil.

A XP tornou-se quase uma organizadora da LFU, atuando como consultora financeira e ajudando a financiar os clubes por meio da criação de um fundo voltado para a gestão dos direitos de transmissão, em parceria com a gestora Life Capital Partners (LCP).

Foi justamente a possibilidade de dinheiro extra que fez o Corinthians trocar a Libra pela LFU. Apesar de ter a segunda maior torcida do Brasil e estar baseado no maior mercado publicitário do país, o time passa por uma grave crise financeira e foi seduzido pela antecipação de R$ 150 milhões por meio de um empréstimo concedido pela XP.

Ao todo, até 2029, o Corinthians pode receber R$ 1,6 bilhão por fazer parte de LFU.

Entre 2025 e 2027, os times da LFU terão seus jogos do Campeonato Brasileiro transmitidos pela Record na TV aberta, pela Amazon Prime Video no streaming e pela CazéTV no YouTube – a plataforma do Google comprou os direitos de transmissão e os fará valer no canal de Casimiro Miguel porque tem uma parceria com a LiveMode, uma das donas da CazéTV.

Esse bloco de mídia encarna o desafio à hegemonia da Globo nas transmissões do futebol brasileiro. Essas empresas poderão transmitir um jogo por rodada. Record e CazéTV passarão o mesmo jogo; a Amazon, outro. A preferência de escolha será revezada entre elas. Tipo: se “na vez delas” Record e CazéTV decidirem por uma partida do Corinthians, a Amazon terá de transmitir outro jogo; e vice-versa.

Também existe a possibilidade, ainda em negociação, de os times dessa liga terem jogos transmitidos pelo Premiere – o pay-per-view da Globo.

Em relação ao dinheiro, a divisão na LFU se dará da seguinte forma:

  • 45% distribuídos igualmente entre os times;
  • 30% pagos conforme o desempenho da equipe;
  • 25% pagos conforme a audiência dos jogos.

LiveMode, Record, YouTube e Amazon não revelam os valores envolvidos nas negociações dos direitos de transmissão.

Faria Lima entra em campo

A presença de XP e Mubadala nas negociações que envolvem os direitos são mostra do interesse da Faria Lima no futebol brasileiro. A própria XP tem um fundo de private equity que investe na LiveMode.

Além da parceria com o YouTube que vai permitir a transmissão dos jogos pela CazéTV, aliás, a LiveMode também representa os interesses dos times da LFU na venda dos direitos de transmissão em diferentes campeonatos.

Outra empresa do mercado financeiro que investiu na LiveMode é a General Atlantic, que tem atuação global e administra US$ 83 bilhões em ativos (R$ 470 bilhões).

Recentemente, BTG Pactual, Itaú e outras gestoras engrossaram a lista de faria limers simpáticos às chuteiras.

O BTG estruturou um financiamento de R$ 165 milhões para o Vasco que, no limite, poderá fazer do banco de investimentos o controlador da SAF do time carioca. O Itaú anunciou a criação de uma estrutura para investimentos em esportes a ser comandada por Guilherme Ávila, que foi responsável por essa área na XP Investimentos.

As gestoras Outfield e Galápagos Capital criaram um fundo de investimento em direitos creditórios (FIDIC) de R$ 240 milhões para o São Paulo Futebol Clube, como parte da estratégia do time para reestruturação de sua dívida bancária.

A força da grana entrou em campo. Agora é ver se o jogo flui.

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