Por Marta Nogueira e Fabio Teixeira
OIAPOQUE, Amapá (Reuters) – A Petrobras vem enfrentando uma resistência crescente de grupos indígenas e agências governamentais contra seu principal projeto de exploração, que visa abrir uma nova fronteira na parte mais promissora para petróleo da costa norte do Brasil.
O órgão ambiental federal Ibama negou à Petrobras uma licença para perfuração em águas ultraprofundas da Bacia da Foz do Rio Amazonas, no litoral do Amapá, no ano passado, citando possíveis impactos sobre os grupos indígenas e o sensível bioma costeiro. Mas um apelo da Petrobras para que o Ibama reverta sua decisão atraiu um poderoso apoio político.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em setembro que o Brasil deveria ser capaz de “pesquisar” os recursos potenciais da região, dado o interesse nacional. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse na semana passada a jornalistas que o “Brasil tem o direito de conhecer estas potencialidades”.
Essas posições reforçaram a retórica otimista da Petrobras sobre suas chances de obter uma licença para perfurar os blocos no litoral do Amapá.
“Prepara Amapá, que nós estamos chegando”, disse o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, a políticos locais e executivos do petróleo em um evento no mês passado que promoveu a exploração marítima ao longo da costa norte do país, em uma área conhecida como Margem Equatorial. Ele a chamou de “talvez a última fronteira da era do petróleo para o Brasil”.
Ele havia dito anteriormente que esperava começar a perfurar no segundo semestre deste ano ou antes nos blocos da Foz do Amazonas, considerados os mais promissores da Margem Equatorial, em blocos que ficam a centenas de quilômetros de onde deságua o importante rio amazônico. A região onde a Petrobras quer perfurar compartilha geologia semelhante com a costa da vizinha Guiana, onde a Exxon está desenvolvendo enormes campos.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse em novembro que uma decisão seria tomada no início de 2024, embora disputas trabalhistas na agência tenham desacelerado o ritmo do licenciamento ambiental desde então.
Visitas a quatro aldeias indígenas, entrevistas com mais de uma dúzia de líderes locais e documentos anteriormente não divulgados mostram uma oposição organizada crescente contra a tentativa da Petrobras de reverter a negativa do Ibama para a perfuração exploratória sem que os povos indígenas sejam ouvidos.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) solicitou em dezembro ao Ibama que realizassem vários outros estudos para avaliar os impactos, de acordo com documento de 11 de dezembro da Funai enviado ao Ibama e obtido por meio em um pedido via Lei de Acesso à Informação. Os estudos propostos teriam que ser feitos antes que o Ibama pudesse decidir se aceita o pedido de reconsideração da Petrobras.
Em julho de 2022, o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), um grupo que representa mais de 60 aldeias indígenas de Oiapoque, solicitou o envolvimento do Ministério Público Federal (MPF), denunciando uma suposta violação de seus direitos.
Os procuradores têm o mandato de proteger os povos indígenas, e muitas vezes tomam o seu lado em disputas com empresas ou governos. Em setembro de 2022, recomendaram que o Ibama não emitisse a licença antes de uma consulta formal às comunidades locais.
Os registros de investigação preliminar dos promotores, vistos pela Reuters, mostram que, em dezembro de 2023, o CCPIO pediu-lhes que acompanhassem uma consulta formal de 13 meses com a Petrobras sobre as visões indígenas sobre o projeto.
O processo de consulta, juntamente com os estudos propostos pela Funai, levaria uma decisão sobre a perfuração para 2025, quando o Brasil sediará a cúpula sobre mudanças climáticas COP30 na cidade amazônica de Belém, no Pará, o que poderia tornar mais politicamente difícil a aprovação da perfuração, disse uma pessoa próxima ao CCPIO à Reuters.
A ata de uma reunião de junho de 2023 entre Petrobras, líderes do CCPIO e promotores mostra que a empresa se ofereceu para consultar as comunidades locais sobre uma eventual produção comercial de petróleo na área, se o Ibama solicitar, mas não se comprometeu com uma consulta antes de perfurar poços exploratórios.
Questionada sobre os apelos dos líderes indígenas para uma consulta imediata, a Petrobras disse à Reuters em comunicado que o tempo para tal pedido já passou.
“A definição quanto a necessidade ou não da consulta aos povos indígenas e/ou comunidades tradicionais se dá no momento inicial do processo de licenciamento ambiental”, disse a Petrobras.
O Ibama ainda não respondeu à recomendação da Funai feita no final do ano passado para mais avaliações dos efeitos dos planos de exploração da Petrobras, de acordo com um documento da Funai de 3 de abril visto pela Reuters.
Ambas as agências não responderam aos pedidos de comentários da Reuters. A CCPIO e o MPF disseram que uma consulta deve ser feita antes que o Ibama emita uma licença para perfurar.
EQUILÍBRIO DE PROMESSAS
A questão da perfuração criou um impasse no governo Lula, que busca equilibrar suas promessas de proteger a Amazônia e os seus povos indígenas com os interesses da Petrobras e de aliados políticos que poderão colher os benefícios de uma nova região produtora de petróleo.
Silveira, o ministro de Minas e Energia, disse que um único bloco da Foz do Amazonas poderia conter mais de 5,6 bilhões de barris de petróleo, o que seria a maior descoberta da empresa em mais de uma década.
No pedido de reconsideração ao Ibama, a empresa afirmou que a exploração não terá impacto negativo nas comunidades locais.
“Ratificamos o entendimento de que não há impacto direto da atividade temporária de perfuração de um poço a 175 km da costa sobre as comunidades indígenas”, disse a Petrobras.
A população local e alguns ambientalistas alertam que a perfuração pode ameaçar manguezais costeiros e as vastas zonas ricas em peixes e plantas, ao mesmo tempo que perturba a vida dos 8.000 indígenas em Oiapoque, no extremo norte da costa do Brasil.
O CCPIO, a mais alta autoridade indígena do Oiapoque, é composto por mais de 60 caciques, representando mais de 8.000 pessoas. Eles não se opõem à busca de petróleo em si, mas invocam o que dizem ser um direito de serem consultados pela Petrobras, com a fiscalização do Ministério Público Federal e da Funai.
A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, diz que os governos devem consultar os povos indígenas e tribais por meio de suas instituições representativas, sempre que considerarem medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente.
MUDANÇA EM ANDAMENTO
Os planos de perfuração já estão mudando a cidade de Oiapoque. Ondas de trabalhadores migrantes chegaram à procura de emprego para uma indústria petrolífera que ainda não existe, disse o deputado estadual Inácio Monteiro (PDT).
Monteiro disse que se reúne frequentemente com indígenas, conversando com eles sobre os benefícios que a Petrobras poderia trazer ao Oiapoque, incluindo empregos, receitas de impostos e programas sociais.
No entanto, o CCPIO e os seus aliados têm manifestado cada vez mais a sua resistência, enquanto a Petrobras obtém apoio de atores políticos em seu pedido de reconsideração da decisão do Ibama.
Na conferência climática COP28, em dezembro, Luene Karipuna disse em um painel que a Petrobras e os políticos locais tentaram silenciar o seu povo.
“Estrategicamente a consulta prévia é a nossa única segurança até agora”, disse Karipuna, de 25 anos, que estuda para ser professora, ao receber a Reuters perto de sua casa, na aldeia de Santa Izabel, onde áreas de floresta e pântanos ficam cheios de água do mar em certas épocas do ano.
Quando os rios ficam baixos, as marés trazem peixes de água salgada que os moradores comem, mas alguns entrevistados pela Reuters temem que isso possa também trazer eventuais derramamentos de óleo.
PRESSÃO POLÍTICA
Líderes indígenas disseram que um forte apoio de políticos locais à Petrobras foi demonstrado em uma audiência pública realizada em maio de 2023 que Monteiro, o parlamentar estadual, convocou poucos dias depois de a licença da Petrobras ter sido negada.
Os poderosos políticos do Amapá, incluindo importantes aliados de Lula, reuniram-se em poucos dias na Câmara Municipal de Oiapoque para a audiência para promover os planos de perfuração da Petrobras.
No evento, um homem de camisa pólo branca e cocar de penas, Ramon Karipuna, disse à multidão que os indígenas eram a favor da perfuração, segundo a ata da reunião vista pela Reuters.
Karipuna disse ter falado em nome do coordenador do conselho de caciques do CCPIO, ausente por “motivos de saúde”.
Posteriormente, a Petrobras citou o apoio de Karipuna em seu apelo à licença de perfuração e o descreveu como um “representante do CCPIO”.
No entanto, o coordenador do CCPIO, Cacique Edmilson Oliveira, disse à Reuters que não estava doente naquele dia. O CCPIO recusou-se a participar do evento convocado às pressas, de acordo com uma carta de 18 de maio enviada em resposta ao convite de Monteiro para a audiência e vista pela Reuters.
“Essa é uma preocupação muito grande, por isso que a gente está falando que a gente já se sente ameaçado, aliciado, por essa situação”, disse Oliveira, acusando a Petrobras de distorcer a visão das lideranças indígenas. “A gente nunca se sentou e entrou em acordo para alguma aprovação.”
Em entrevista por telefone, Karipuna confirmou que trabalhava na prefeitura e que não é membro do CCPIO — embora a Petrobras tenha usado suas palavras como principal argumento ao Ibama de que os representantes indígenas apoiavam a perfuração. Ele também recuou em seus comentários a favor da perfuração.
“Até hoje, sobre o negócio de Petrobras, muita gente tem dúvida”, disse.
Questionada sobre Karipuna não ser um representante do CCPIO, a Petrobras citou a ata da reunião de maio de 2023, sem dar mais detalhes.
(Reportagem de Marta Nogueira, no Oiapoque, e Fabio Teixeira, no Rio de Janeiro)
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