“Casquinha feita com biscoito Oreo”. Esse anúncio, feito pelo McDonald’s no final de 2020, levou a empresa a ser alvo de reclamação do consumidor de que a casquinha do sorvete não era, de fato, feita com Oreo. A história se assemelha ao caso recente do McPicanha que, na verdade, não continha picanha, o que fez com que as reclamações sobre propaganda enganosa disparassem em abril e levantou uma discussão sobre os impactos que a recorrência de casos assim pode ter sobre a credibilidade das marcas com os consumidores.
Especialistas ouvidos pelo InvestNews chamam a atenção para a possibilidade do surgimento de cada vez mais casos como esses – especialmente com o alcance das redes sociais. Com isso, marcas que podem nem ter relação direta com uma reclamação original podem virar alvo também – como aconteceu com o Burger King e seu Wooper Costela que não continha costela após o caso do McPicanha.
Com a grande repercussão desses casos recentes, as reclamações de consumidores por propaganda enganosa contra redes de fast food explodiram em abril. Segundo levantamento do site Reclame Aqui, foram 3.197 nos primeiros quatro meses de 2022 – quase metade de todo o total de 2021, com 6.060. Somente em abril, foram 766 queixas em 2022, contra 372 no mesmo mês do ano anterior.
“Pode criar uma onda de busca de produtos que sofrem do ‘mesmo mal’, digamos assim, que foi o que aconteceu com Burger King. Acabou entrando na onda. As marcas precisam ficar atentas”, comenta Thiago Costa, coordenador da pós-graduação em marketing digital do Centro Universitário FAAP, sobre a “crise de imagem” que as empresas podem sofrer em episódios como esse.
Daise Alves, gerente de planejamento da Doc.Sync, agência de publicidade especializada em inteligência de vendas, acrescenta que os danos devem ser piores para empresas de menor porte.
“Obviamente o impacto é negativo porque, de certa forma, o consumidor foi enganado, mas a gente está falando de Burger King (BKBR3) e McDonald ‘s (MCDC34). São duas grandes redes. É o famoso ‘vai passar rápido’, as pessoas vão esquecer. Até porque foram bem ágeis na resolução do problema. Se fossem marcas menores, talvez o impacto fosse mais de longo prazo”, afirma ela. “Uma marca com reputação mais positiva é mais fácil driblar a crise.”
Antes de ‘picanha x costela’
Cerca de um ano antes de o McPicanha sem picanha virar alvo de comentários, o caso da “Casquinha de Oreo” do McDonald’s foi parar no Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Em maio de 2021, o conselho julgou a reclamação de um consumidor que dizia que o anúncio no site do McDonald’s levava a crer que a casquinha de sorvete seria feita com biscoito Oreo, o que não corresponderia à verdade.
Na ocasião, a empresa argumentou que “Casquinha” é o nome do produto e que periodicamente realiza edições com parceiros comerciais. A explicação foi rejeitada por unanimidade e o Conar orientou pela alteração da propaganda.
Entre as empresas grandes do setor alimentício, o McDonald ‘s não foi o único a receber queixas como essa nos últimos anos. Em 2017, a BR Foods (BRFS3) também foi parar no Conar por causa de um produto da Seara, o “nhoque de batata recheado com presunto”.
Um consumidor de São Paulo entrou com a reclamação de que o recheio de presunto não era de presunto. A alegação foi de que o próprio rótulo informa que, ao invés de presunto, a massa contém “mistura láctea cremosa sabor presunto”.
Na época, a defesa da BRF disse que considerava a apresentação verdadeira e alegou que a descrição do produto era precisa quanto a ingredientes e composição, em alinhamento com as recomendações das autoridades sanitárias.
O relator do Conar não aceitou os argumentos e considerou que mais correto seria definir o produto como nhoque recheado com apresuntado. Por isso, ele propôs a alteração da embalagem, voto acompanhado por maioria.
Por que não tem o ingrediente ‘prometido’?
Assim que começou a crise envolvendo McPicanha e Wooper Costela, as duas empresas envolvidas se pronunciaram de forma considerada rápida pelos especialistas. Antes de tirar o sanduíche do cardápio, o McDonald’s explicou que a carne em questão tinha um molho “sabor picanha”. Já o Burger King disse que o lanche (que depois mudou de nome para “Whopper Paleta Suína”) não é feito de costela suína, mas sim à base de paleta de porco “com aroma de costela”. As duas empresas pediram desculpas.
Na indústria de alimentos, é comum que não haja o ingrediente “principal” na composição dos produtos (como biscoitos, iogurtes ou bolos com sabor de determinada fruta, por exemplo). O professor Thiago Costa afirma que isso é até esperado pelo consumidor, mas, em sua opinião, não se aplica aos casos de McDonald’s e Burguer King.
“Ainda que a gente saiba que McDonald’s é um produto pré-pronto, há uma diferença do produto industrializado. Se eu vou comprar um salgadinho ‘sabor cebola’, é diferente de um sanduíche que chama ‘picanha’ e que tem um hambúrguer. O entendimento do consumidor é muito direto nesse caso: está comendo hambúrguer de picanha. É muito diferente um produto preparado de produto industrializado”, explica ele.
Daise Alves, da Doc.Sync, concorda. “Tem essa expectativa e a consciência do consumidor. Todo mundo sabe que um salgadinho é um produto industrializado, que não é um produto ‘100% cebola’, por exemplo. Mas no caso dos lanches foi vendido como se a carne fosse realmente aquilo.”
“Uma bolacha de morango é uma coisa que está nas entrelinhas e ainda não foi propagada”, continua ela. “É mais uma questão de campanha. A partir do momento que essa história é contada com mais ênfase e o consumidor percebe isso, ele coloca a voz pra dizer que está errado. No caso de McDonald’s e Burger King, foram informações muito explícitas no nome do produto.”
Sobre os riscos de alegações de propaganda enganosa para a reputação das empresas, Costacomenta que a grande questão é que “as marcas foram percebendo que uma história ajuda a vender melhor, e uma boa história aumenta o valor agregado do produto. Muitas foram procurar boas histórias, mas nem sempre elas eram verdadeiras.”
O especialista acrescenta que isso pode acontecer mesmo que uma “história falsa” nem tenha relação direta com o produto. “Teve o caso do Suco do Bem, que falava que vinha de uma fazenda escondida, ou a Diletto que falava que vinha do sorvete do vô, e não tinha vô nenhum. (…) Hoje é muito difícil as coisas permanecerem escondidas qdo elas têm contato direto com o consumidor.”
“Para uma história, você pode melhorar o jeito de contar. Mas você não pode contar uma história que não é real. Não pode associar o produto a algo que não é verdadeiro. Alguém vai descobrir”.
Thiago Costa
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