O presidente da Câmara, Hugo Motta, estava cercado por jornalistas. Luzes, microfones, perguntas sobre o ajuste fiscal, o impasse do IOF — Brasília em chamas. No meio do tumulto, Motta parou — como se não se importasse com dezenas de repórteres se acotovelando por uma declaração — e foi abraçar um homem de suéter amarelo que observava a cena em silêncio.

Era José Seripieri Filho — ou Júnior, como é conhecido no mercado, dono da Amil. Discreto e sem comitiva, circulava tranquilamente pelo fórum do grupo Esfera Brasil, evento que reuniu a nata do empresariado e da política no Guarujá, no litoral paulista, no início deste mês.

Minutos depois, Wesley Batista, acionista da J&F — o maior grupo empresarial do país —, que evitava imprensa e muitos convidados no evento, chamou Júnior para posar a seu lado em algumas fotos. 

As duas cenas foram breves, mas eloquentes: num ambiente onde a reputação se mede por acenos, Júnior não falou em público, mas mostrou que é ouvido. O empresário, que no fim de 2023 protagonizou a maior aquisição já feita por uma pessoa física no Brasil, voltou ao centro dos holofotes do mercado após alguns anos de discrição.

Ele fechou um acordo de R$ 11 bilhões com a americana UnitedHealth para comprar a Amil — R$ 2 bilhões pagos em dinheiro e o restante em dívidas e obrigações financeiras da operadora. Para levar a empresa, precisou desbancar outro peso-pesado do PIB: Nelson Tanure.

Fundada em 1978 pelo médico Edson de Godoy Bueno, a Amil cresceu a partir de Duque de Caxias (RJ) para se tornar uma das maiores operadoras de planos de saúde do Brasil. Em 2012, foi vendida para a United por cerca de R$ 10 bilhões. A companhia atualmente atende mais de 5 milhões de beneficiários, somando planos médicos e odontológicos.

E o primeiro ano da Amil sob a gestão de Júnior trouxe um resultado raro para empresas em reestruturação: a companhia saiu de um prejuízo de R$ 4 bilhões em 2023 para um lucro líquido de R$ 619,8 milhões no ano seguinte. O desempenho foi turbinado por uma mudança regulatória que permitiu reverter R$ 1,2 bilhão em provisões técnicas, apurou o InvestNews, que se debruçou sobre as demonstrações financeiras da operadora.

Graças a esse lucro, a Amil vai repassar R$ 588 milhões em dividendos para Júnior ao longo deste ano — o equivalente a mais de um quarto do que ele desembolsou na aquisição da operadora. Só que as alavancas que garantiram o bom resultado em 2024 não poderão ser repetidas daqui pra frente.

Boa parte do lucro veio da reversão de uma provisão técnica chamada Provisão para Insuficiência de Contraprestações (PIC) — um tipo de colchão contábil exigido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quando os prêmios dos planos de saúde não cobrem os custos projetados. 

A flexibilização dessa regra, feita em outubro de 2024, permitiu à Amil reduzir sua PIC de R$ 1,8 bilhão para R$ 580 milhões. O novo patamar equivale a 1,5% da receita com prêmios, proporção semelhante à da líder Bradesco Saúde, que mantém 1,8%.

Agora, a Amil, uma das cinco maiores operadoras de saúde o país, tem o desafio de gerar lucro de forma recorrente, sustentada pela operação. E isso significa equilibrar três frentes delicadas no setor de saúde suplementar: sinistralidade, eficiência administrativa e crescimento da base de clientes com rentabilidade.

O jogo de Júnior

Para liderar a empresa, Júnior contratou Renato Manso, executivo que trabalhou diretamente com Edson de Godoy Bueno. Manso, que também passou pela Assim Saúde, assumiu com a missão de resgatar a cultura operacional da Amil antes da United, cortando custos e restaurando disciplina financeira. Júnior também trouxe dois executivos de confiança de seus tempos de Qualicorp: Alberto Bulus na diretoria comercial e Grace Tourinho na financeira.

Em um ambiente regulatório cada vez mais pressionado — com aumento de queixas na ANS e investigações sobre cancelamentos unilaterais de contratos —, a nova Amil sob Júnior reforçou sua política de reajustes de preços e revisão de rede credenciada. 

Estimativas feitas com base nos dados enviados pela Amil à ANS indicam que o índice de sinistralidade – o percentual das receitas usado para pagar despesas médicas – ficou em torno de 79% no primeiro trimestre de 2025. O patamar está em linha com a média do setor, que registrou sinistralidade consolidada de 79,2% no período — a menor desde 2018, segundo a agência reguladora.

Os dados financeiros de 2024 mostram um volume expressivo de sinistros retidos — quase R$ 38 bilhões — e um resultado operacional antes das reversões técnicas já em terreno positivo. O desafio agora é transformar essa eficiência em geração de caixa recorrente, sem depender de efeitos extraordinários.

No endividamento, a empresa também melhorou.

Quando assumiu a Amil, Júnior herdou cerca de R$ 9 bilhões em obrigações financeiras. Um ano depois, esse montante foi reduzido para R$ 6,4 bilhões, segundo dados de balanço, sendo R$ 5,8 bilhões de compromissos com desembolso efetivo e o restante em provisões. A reestruturação do passivo traz algum alívio, mas ainda exige disciplina — especialmente num negócio de capital intensivo.

Os números do primeiro trimestre de 2025, já enviados à ANS, mostram que a Amil continua no azul mesmo sem repetir os ajustes contábeis do ano anterior. O lucro líquido no período foi de R$ 179 milhões, mais que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado.

Imagem que mostra a fachada de um prédio da Amil na Av. Brasil.
Unidade de atendimento da Amil (Divulgação)

Embora o balanço explique parte do desempenho, ele não revela tudo. Nos bastidores, a nova gestão da Amil também operou movimentos relevantes para reforçar sua posição no setor. Um deles foi o acordo firmado com a Dasa, da família fundadora da Amil, no segundo semestre de 2024 para a criação de uma joint venture que unificou ativos hospitalares das duas companhias. 

A operação, aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em dezembro, resultou na Ímpar Serviços Hospitalares, uma empresa com 25 hospitais e mais de 4 mil leitos, incluindo bandeiras conhecidas como Santa Paula, Leforte e 9 de Julho, em São Paulo.

O acordo melhorou a sinergia operacional e permitiu redirecionar recursos, ao mesmo tempo em que manteve a Amil com participação relevante no novo grupo, mesmo não sendo a controladora.

Júnior no jogo

José Seripieri Filho é uma figura pouco conhecida do grande público, mas muito influente nos bastidores. O empresário começou a carreira como vendedor de planos da Golden Cross, ainda nos anos 1990, superando até a gagueira numa rotina de vendas porta a porta. A experiência moldou seu tino comercial.

Em 1997, fundou a Qualicorp com um modelo até então pouco explorado no Brasil: os planos coletivos por adesão. A inovação permitiu que profissionais liberais ou autônomos — que normalmente contratariam planos individuais caros — tivessem acesso a planos empresariais com preços mais baixos por meio de entidades de classe. Com isso, Júnior criou um negócio de escala com baixa inadimplência e alto poder de barganha com as operadoras.

O modelo foi um sucesso. A empresa atraiu investidores como as gestoras americanas General Atlantic e Carlyle, e abriu capital em 2011, tornando Júnior bilionário. Elogiado por amigos como um trabalhador incansável e com faro aguçado para os meandros regulatórios e financeiros do setor saúde, ele se consolidou como um dos estrategistas mais respeitados do mercado.

Sua saída da Qualicorp foi em 2019, quando vendeu sua participação remanescente à Rede D’Or por cerca de R$ 500 milhões e, como parte do acordo, recebeu R$ 150 milhões da própria empresa em uma cláusula de non-compete

No ano seguinte, foi preso em um dos desdobramentos da Operação Lava Jato, acusado de caixa dois na campanha de José Serra ao Senado em 2014. Fechou acordo de colaboração e pagou mais de R$ 200 milhões em multas. Tentou uma volta ao setor com a QSaúde, ainda em 2020, operadora voltada para o público premium. O projeto enfrentou dificuldades e acabou vendido à healthtech Alice em 2023.

Nas eleições de 2022, José Seripieri Filho foi um dos maiores doadores individuais do país. Doou R$ 500 mil à campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva e outros R$ 300 mil para Thainara Faria, eleita deputada estadual pelo PT em São Paulo. Foi um dos poucos empresários presentes no casamento do presidente Lula com a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja.

Os gestos, somados ao fato de ter cedido seu jatinho particular para a viagem de Lula à COP27, no Egito, em 2023, ajudaram a cimentar a relação próxima entre os dois — e reforçam a presença de Júnior nos bastidores do poder.

A proximidade com o presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados mostram que, apesar de discreto, Júnior nunca está fora do jogo.

Procurados, Júnior e Amil não atenderam ao pedido de entrevista do InvestNews.