A colheita que começa no início de 2026 deve alcançar um recorde de 177,1 milhões de toneladas de soja, segundo informou na quinta-feira (11) a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Embora o número represente um leve corte em relação às estimativas anteriores, ainda significa um crescimento de 3,3% em comparação com o ano passado — cenário que aumenta o temor de um excesso de oferta capaz de pressionar os preços internacionais.
“Estamos crescendo em uma escala maior do que a demanda”, afirmou Thiago Facco, vice-presidente da Aprosoja Tocantins. Segundo ele, a produção deste ano ainda se encaixa bem nas necessidades do mercado, mas “em um futuro muito próximo teremos excedente”.
Risco pode ser maior para o Brasil
A situação tende a intensificar a pressão sobre um mercado já abalado por um ambiente geopolítico instável. Trump vem pressionando Pequim a ampliar as compras de soja americana, mesmo após a China ter direcionado, ao longo dos últimos anos, grande parte de suas aquisições para a América do Sul. Caso o Brasil inunde o mercado com soja ainda mais barata, produtores dos Estados Unidos podem enfrentar uma concorrência ainda mais dura.
O risco maior, porém, é para o próprio Brasil: se a China cumprir a promessa de comprar volumes expressivos da soja americana, os embarques brasileiros podem ficar em segundo plano justamente quando a colheita nacional ganha ritmo. Isso pode levar ao aumento dos estoques internos, como ocorreu recentemente nos EUA, quando produtores enfrentaram excesso de oferta antes de um acordo comercial entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping. O resultado seria mais pressão sobre as margens dos agricultores brasileiros, já afetadas por custos elevados e juros altos.Ris

Maior estoque em nove anos
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estima que os estoques finais de soja do Brasil em 2026 serão os maiores em nove anos, mesmo com o aumento do processamento interno para atender à elevação da mistura obrigatória de biodiesel.
“Em 2025, o Brasil teve uma safra cheia e exportou muito bem por causa da guerra comercial”, disse Daniele Siqueira, analista da AgRural. “Para 2026, não há essa garantia”, afirmou. “O Brasil pode enfrentar um excesso de oferta que pressione os preços.”
Os contratos futuros da soja negociados em Chicago acumulam alta de cerca de 8% no ano, mas recentemente devolveram parte dos ganhos diante do ritmo fraco das compras chinesas de soja americana, que ficaram bem abaixo das 12 milhões de toneladas prometidas até o fim da temporada. Os EUA afirmam ainda que a China se comprometeu a comprar pelo menos 25 milhões de toneladas por ano nos próximos três anos.
“Se o potencial de uma safra recorde na América do Sul se confirmar, podemos ver algum tipo de ajuste de preços em Chicago”, avaliou Francisco Queiroz, analista do banco Itaú BBA.
Desequilíbrio climático pode atrapalhar
A maioria dos analistas concorda que o Brasil caminha para uma safra cheia. A consultoria Agroconsult estima a produção em 178 milhões de toneladas, acima das 175 milhões projetadas pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Caso os números mais elevados se confirmem, o Brasil poderá compensar parcialmente a esperada queda da produção global em relação à temporada anterior, que foi recorde segundo o USDA. Ainda assim, o crescimento da oferta tende a superar o avanço da demanda mundial.
O clima segue como uma incógnita. Chuvas irregulares associadas ao fenômeno La Niña podem prejudicar o desenvolvimento das lavouras no Sul do Brasil e na Argentina. Mas, se não houver quebras significativas e a colheita avançar normalmente a partir de fevereiro, o país deverá lidar com estoques inflados.
As exportações brasileiras de soja dispararam em 2025, impulsionadas pela preferência dos compradores chineses pelo produto nacional em meio às tensões comerciais com os EUA. Até novembro, o Brasil embarcou um recorde de 104,8 milhões de toneladas, sendo 79% destinadas à China. No mesmo período, as vendas totais de soja americana para o país asiático somaram cerca de 3,2 milhões de toneladas desde o acordo preliminar firmado em outubro, segundo o USDA.
Enquanto isso, a área plantada no Brasil continua em expansão. Os produtores devem semear 48,9 milhões de hectares de soja nesta temporada, alta de 3,4% em relação à anterior, de acordo com a Conab, apesar do aumento no custo dos fertilizantes e das taxas de juros elevadas, que deixaram muitos agricultores endividados. Diferentemente dos EUA, onde há alternância entre soja e milho, o clima brasileiro permite o cultivo sucessivo das duas culturas. A soja também vem avançando sobre áreas de pastagem e, em menor escala, sobre o arroz.
Margens mais apertadas
“As margens estão muito apertadas, às vezes até negativas para a soja”, disse Lucas Beber, produtor rural e presidente da entidade de produtores em Mato Grosso, principal estado produtor do país. “A esperança está no milho.”
Embora produtores que já planejaram a abertura de novas áreas dificilmente desistam, a rentabilidade fraca deve desacelerar o ritmo de expansão, avalia Felipe Jordy, gerente de inteligência e consultoria de mercado da Biond Agro.
“Quem já está trabalhando para abrir novas áreas não vai parar, mas vai desacelerar e repensar parte desses projetos”, afirmou.