A China deverá demandar mais mercadorias do agronegócio brasileiro, como soja, milho, algodão e carnes, já que aplicou tarifas retaliatórias aos Estados Unidos sobre esses produtos, o que também pode impactar preços das matérias-primas e custos para as indústrias frigoríficas e compradoras de grãos.
O gigante asiático irá impor uma tarifa adicional de 15% sobre carne de frango, trigo, milho e algodão dos Estados Unidos, e uma taxa extra de 10% sobre soja, sorgo, carne suína e carne bovina, entre outros produtos agropecuários norte-americanos, a partir de 10 de março.
O Brasil é o maior exportador global de soja, algodão e carnes bovina e de frango, com a China respondendo por grande parte das exportações brasileiras.
“As crescentes tensões entre os EUA e a China provavelmente levarão a China a obter mais grãos e proteínas do Brasil, potencialmente reduzindo a demanda por commodities (dos EUA) e os preços nos EUA, ao mesmo tempo em que aumentam a demanda e os preços no Brasil”, afirmou o banco Santander em relatório.
Se preços em mercados de referência para grãos, como a bolsa de Chicago, podem ser pressionados para baixo, os prêmios sobre essas cotações desses produtos no Brasil podem fortalecer os valores.
“No primeiro momento, é possível achar que as medidas terão um ótimo impacto… já que a China vai se fixar ainda mais como um parceiro comercial estratégico da América do Sul. Mas só teremos certeza da situação com o passar do tempo”, afirmou Sergio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
Produtores brasileiros como a SLC Agrícola e a BrasilAgro provavelmente serão os mais beneficiados, na avaliação do Itaú BBA.
“Semelhante à guerra comercial entre a China e os EUA em 2018, acreditamos que os efeitos positivos para os agentes brasileiros listados podem se concentrar na SLC e na BrasilAgro. Qualquer demanda adicional da China pode resultar em exportações mais fortes do Brasil a preços mais altos”, afirmaram Gustavo Troyano e Bruno Tomazetto em relatório.
Apesar desse potencial, eles ressaltaram que é improvável que os impactos da guerra comercial sino-americana para o Brasil sejam da mesma dimensão daqueles vistos durante a primeira administração Donald Trump, já que atualmente as exportações brasileiras de soja para a China representam cerca de 70% do total, em comparação com 53% em 2017.
Desde a guerra comercial anterior, em 2018, produtos brasileiros como algodão e carne bovina também avançaram nas exportações para a China, respondendo no ano passado por aproximadamente 35% e 50% do total que o Brasil exportou, respectivamente.
Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirmou que as mudanças têm sido “relevantes”. Mas a entidade que representa tradings e processadores de soja acrescentou que “ainda é prematuro qualquer avaliação sobre os possíveis impactos das novas medidas tarifárias anunciadas”.
Custo para indústria de carnes
Os analistas do Santander Guilherme Palhares e Ulises Argote citaram que companhias brasileiras com operações nos EUA, como a JBS, poderão ver redução de custos com a ração uma vez que a China importe menos grãos norte-americanos.
De outro lado, as unidades brasileiras poderiam ter que pagar mais pelos insumos, já que a China poderia vir com mais força em busca da soja e do milho brasileiro.
“Vemos a JBS como uma vencedora líquida no cenário de guerra comercial EUA-China. Uma mudança na demanda de importação chinesa de soja e milho pode deprimir os preços das commodities dos EUA, ao mesmo tempo em que eleva os preços brasileiros. Esse cenário deve reduzir os custos das operações de frango e carne suína da JBS nos EUA, que representam 40% do seu Ebitda”, afirmaram.
No entanto, a Seara, unidade de processados e carne de frango e suína da JBS no Brasil, que representa 20% do Ebitda da JBS, pode enfrentar desafios semelhantes aos de sua concorrente, a BRF, com a maior parte de suas operações no Brasil, segundo o Santander.
“Ambas as empresas são compradoras de ração brasileira, que pode ter os preços subindo”.
Vendas maiores de carnes para o país asiático poderiam, assim, compensar apenas parcialmente o impacto de uma eventual inflação de custos para a BRF e a Seara, segundo analistas.
Para o Bradesco BBI, os EUA também desempenham um “papel um tanto limitado nas importações totais de proteína da China”, equivalente a 5% para carne bovina, 10% para carne suína e 11% para aves. “Se outros países, particularmente o Brasil, intervirem para compensar qualquer redução nas exportações dos EUA para a China, acreditamos que os benefícios provavelmente também seriam marginais”, completou.
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, demonstrou mais otimismo. “O Brasil vai acabar se beneficiando, especialmente no efeito preço (da carne) e rentabilidade das empresas”, disse ele à Reuters.
“Pode ter uma mudança de mercado, mas nesta troca vejo o Brasil ganhando”, acrescentou, referindo-se a embarques dos EUA que deverão ir para outros países, em vez da China.
Santin disse acreditar ainda que, em um primeiro momento, os ganhos de exportações adicionais para a China seriam maiores do que qualquer possível custo adicional com a ração. Ele citou as perspectivas de uma “boa de safra” no Brasil.
Carlos Cogo, sócio-diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, destacou que a guerra comercial entre EUA e China reduzirá a competitividade dos produtos norte-americanos em relação aos do Brasil, e acrescentou que maiores prêmios sobre os preços dos grãos brasileiros, que poderiam encarecer os custos de ração, dependeriam da dinâmica entre oferta e demanda.
O Brasil está colhendo uma safra recorde de soja próxima de 170 milhões de toneladas, enquanto a Argentina vem com uma boa produção e pode concorrer com os brasileiros, lembrou Cogo.
No setor de carne bovina, embora os impactos iniciais provavelmente indiquem maior espaço para exportações de unidades brasileiras para a China, analistas do Itaú BBA avaliam que uma maior oferta nos EUA poderia resultar em preços mais fracos lá.
A JBS e Marfrig têm grande parte de suas operações de bovinos nos EUA, que também importam produtos brasileiros.
“Nesse cenário, as recentes mudanças nas exportações brasileiras de carne bovina favorecendo os EUA em detrimento da China devem ser reavaliadas no curto prazo”, afirmou o Itaú BBA.
Depois da China, os EUA são os maiores importadores de carne bovina brasileira.
(Por Roberto Samora, com reportagem adicional de Paula Arend Laier e Gabriel Araujo)