Para levantar um prédio novo nos bairros de luxo de São Paulo, primeiro é preciso derrubar outro — ou convencer muitos herdeiros a vender apartamentos que viraram relíquias (ou problemas) de família. Em alguns casos, a conta para os incorporadores pode chegar a R$ 25 mil por metro quadrado de chão, que depois se convertem em apartamentos lançados a partir de R$ 50 mil por metro quadrado para o consumidor.

A escassez de terrenos transformou cada quarteirão do Itaim Bibi, dos Jardins e da Vila Nova Conceição em peças raras no “Banco Imobiliário” da maior cidade da América Latina: escassas, caríssimas e imprescindíveis para a classe paulistana mais endinheirada. O que faz as incorporadoras disputarem cada palmo de terra.

Essa valorização nos bairros nobres é reflexo de um mercado onde o estoque físico está próximo do limite. Nos últimos anos, os terrenos viraram a principal matéria-prima em falta. Segundo dados mais recentes do FipeZap, bairros como Itaim Bibi, Pinheiros e Jardins acumulam altas acima de 20% desde 2021, com unidades novas sendo lançadas a preços recorde.

Em empreendimentos de alto padrão, o custo do terreno pode representar até 30% do Valor Geral de Vendas (VGV) – indicador equivalente à receita total do projeto. “A escassez é estrutural. O mercado já está adensado. Montar terreno virou um jogo de xadrez, lote a lote”, diz Ariel Frankel, CEO da Vitacon. A incorporadora tem uma vantagem em relação a players maiores: tem mais flexibilidade em relação ao tamanho dos terrenos.

Ariel Frankel, CEO da Vitacon
Ariel Frankel, CEO da Vitacon (Divulgação)

“Existem concorrentes em que só faz sentido terrenos a partir de 2 mil metros quadrados. Para nós, a partir de 1 mil metros quadrados já dá negócio e vamos tentando ampliar. Se não der, vamos em frente”, complementa Frankel.

No centro expandido, a Vitacon vem apostando também em retrofits — como foi a conversão de um prédio de escritórios na Rua Bela Cintra em mais de 200 unidades residenciais. Segundo o empresário, o retrofit se tornou uma forma de driblar a falta de terreno sem sair das áreas mais desejadas.

A Sequóia Properties, outra incorporadora ativa no segmento, conta que passou mais de dois anos negociando um edifício no Itaim — ainda sem sucesso —, por causa de um único apartamento com problema jurídico. “É um trabalho de formiguinha que exige persistência”, afirma Joaquim Rocha Azevedo, CEO da empresa.

Joaquim Rocha Azevedo, CEO da Sequóia Properties
Joaquim Rocha Azevedo, CEO da Sequóia Properties (Divulgação)

A disputa por terrenos para imóveis residenciais também enfrenta a concorrência de projetos comerciais, em especial em bairros como Pinhieros, onde o entorno da Avenida Rebouças se tornou uma das áreas mais buscadas na cidade para a instalação de escritórios.

Plano de jogo

Em regiões antes consideradas saturadas, como no Jardins, parte da renovação do estoque tem ocorrido por meio de demolições. Prédios antigos, muitas vezes comerciais, dão lugar a novos empreendimentos de alto padrão.

A disputa por terrenos é acirrada entre incorporadoras com caixa robusto. Nas negociações, o pagamento à vista tem pesado mais do que permutas ou parcerias — uma mudança que pode ser notada nos balanços de Lavvi e Cyrela, que reportaram aumento na proporção de terrenos comprados com dinheiro vivo.

A Cyrela, por exemplo, chegou a R$ 19,1 bilhões em potencial de lançamentos no primeiro trimestre de 2025 — mais da metade concentrados em São Paulo, com 72% em imóveis de alto padrão. A Lavvi, braço de luxo da empresa, já acumula R$ 8,4 bilhões em terrenos. Boa parte das compras foi feita à vista, como no caso de uma área no Brooklin em que a incorporadora venceu a concorrência pagando 80% do valor em dinheiro.

Empreendimento da Vitacon nos Jardins, em São Paulo
Empreendimento da Vitacon nos Jardins, em São Paulo (Divulgação)

Ainda assim, o apetite por imóveis de alto padrão se mantém aquecido. Mesmo com os preços nas alturas, os lançamentos continuam encontrando compradores.

Segundo relatos de mercado, empreendimentos residenciais no Itaim Bibi e na Vila Nova Conceição costumam atingir altas velocidades de vendas (VSO) logo após o lançamento — sinal de que existe muiot interesse, mesmo com tíquetes acima dos R$ 3 milhões por unidade. “Se você não fizer o terreno girar rápido, o resultado vai embora”, diz Henry Borenstein, CEO da Helbor.

Sem tantas áreas disponíveis nos bairros mais nobres — chamados no mercado de “Z1”, abreviação para as zonas mais valorizadas e consolidadas da cidade —, a estratégia agora se divide: há quem tente consolidar lotes menores para lançar projetos boutique, e há quem busque novas fronteiras.

Preço do metro quadrado em São Paulo

Regiões como Paraíso, Butantã, Água Branca, Chucri Zaidan e os entornos das marginais começam a receber atenção. “Hoje, terreno na Z1 é um ativo raríssimo. Quase não tem. Tem que brigar muito para comprar. Então o que acontece? O empreendedor começa a olhar para regiões limítrofes”, afirma Borenstein.

Num sinal de que nem as “fronteiras” estão baratas, a Cyrela assinou na sexta-feira (27) um memorando para comprar um terreno de 39,4 mil metros quadrados no Jardim das Perdizes, acompanhado de 147 mil Cepacs — títulos que permitem construir acima do limite básico da região.

O valor pode chegar a R$ 510 milhões, empurrando o custo do metro quadrado para perto de R$ 13 mil. Ainda pendente de aprovação do Cade, a operação mostra que, mesmo fora do eixo Itaim-Jardins, o apetite por grandes terrenos segue firme.

A própria Helbor também vem ampliando seu banco de terrenos. A incorporadora encerrou o primeiro trimestre de 2025 com um landbank estimado em R$ 12,1 bilhões em VGV. A maior parte dos ativos está em regiões nobre da cidades, com terrenos de até 6 mil quadrados nos Jardins e na Bela Cintra.

Borenstein também chama atenção para um novo perfil de competidor na formação de landbank: os fundos de investimento imobiliários (FII). “O fundo enxerga potencial de valorização e segura o ativo, mesmo sem intenção de construir”, diz o executivo.

No tabuleiro da cidade, quase todas as casas já têm dono. Para quem quer construir, só resta jogar com o que sobrou — pagando mais caro e esperando a vez.