O Brasil reduziu drasticamente sua dependência das importações de biocombustíveis dos EUA ao investir bilhões de dólares em etanol de milho, criando uma indústria nacional que posteriormente o Brasil passou a proteger por meio de tarifas. A iniciativa começou em 2017, liderada pelo Summit Agricultural Group, com sede em Iowa, cuja unidade chamada FS instalou a primeira usina de etanol de milho do Brasil.
As barreiras ao etanol americano estão no centro da investigação que o governo Trump implementou sobre as práticas comerciais do Brasil, tornada pública na terça-feira (15).
Na semana passada, o presidente prometeu impor tarifas de 50% em remessas do Brasil partir de 1º de agosto, ameaçando os consumidores dos EUA com preços potencialmente mais altos para tudo, de café a carne bovina e papel higiênico.
O Brasil deve produzir 10 bilhões de litros de etanol de milho este ano, segundo a consultoria Datagro, com a unidade FS da Summit entre os principais fornecedores. A FS, que agora opera três unidades de moagem de milho, produz 2,3 bilhões de litros do biocombustível anualmente, segundo dados da empresa.
“O etanol de milho trouxe uma oferta adicional suficiente para cobrir a demanda”, diz Ana Zancaner, analista da Czapp, empresa de propriedade da trader de commodities Czarnikow Group.
A crescente produção de etanol de milho no Brasil significa que as importações não são atrativas na maior parte do tempo.
“Mesmo que as tarifas fossem zero, seria difícil viabilizar a importação de etanol americano”, disse Plínio Nastari, presidente da Datagro.
É um debate crucial para a relação comercial do Brasil com seu segundo maior parceiro comercial. O Brasil implementou tarifas em 2017, após os EUA terem inundado o mercado com etanol, pressionando os preços. Ao anunciar sua investigação, o escritório da Representação Comercial dos EUA acusou o Brasil de reverter sua posição anterior sobre a isenção de impostos, impondo taxas significativamente mais altas ao combustível americano.
“Há quase uma década que dedicamos tempo e recursos preciosos para lutar contra um regime tarifário injusto e injustificado”, afirmou Geoff Cooper, presidente-executivo da Associação de Combustíveis Renováveis, grupo comercial de etanol. “Essas barreiras tarifárias foram erguidas contra as importações de etanol dos EUA, enquanto nosso país aceitou abertamente — e até mesmo encorajou e incentivou — as importações de etanol do Brasil.”
Ainda assim, embora o Brasil imponha tarifas de 18% sobre o biocombustível importado, a medida veio acompanhada de uma crescente produção doméstica que teve os investidores americanos como principais protagonistas. Cargill, a maior empresa privada dos EUA, também é produtora de etanol de milho no Brasil.
Etanol de milho era inexistente
“O etanol de milho era praticamente inexistente, e agora essa é uma produção que é feita até com a participação de empresas norte-americanas”, disse Nastari.
A diretoria da Summit não quis comentar e a da Cargill não respondeu a um pedido de comentário.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol e um grande consumidor de biocombustíveis. Embora a maior parte da produção do país venha da cana-de-açúcar, o combustível do milho está rapidamente ganhando participação.
Tudo começou com a FS, que inaugurou a primeira usina de etanol de milho do Brasil, no estado do Mato Grosso, há oito anos. Muitas outras se seguiram. A Unem, associação industrial que inclui a Cargill e a FS, contabiliza um total de 24 usinas em operação e outras 16 a serem construídas.
O Brasil exporta algum etanol para os EUA, com incentivos na Califórnia para combustíveis de baixo carbono ajudando a impulsionar as remessas de etanol para cerca de 300 milhões de litros no ano passado.
“A ameaça de Trump de uma tarifa de 50% sobre o Brasil tem pouco impacto sobre os produtores brasileiros de biocombustíveis”, disse Willian Hernandes, sócio executivo da consultoria FG/A. Com apenas 5% do etanol brasileiro sendo exportado, o mercado interno é visto como muito mais relevante para os produtores brasileiros, acrescentou.