Considerada por muitos como a melhor e mais eficiente fabricante de semicondutores do mundo, ela mantém plantas que produzem cerca de 25% dos chips do planeta – usados em praticamente tudo que tem um botão de “liga/desliga”: carros, aviões, celulares, computadores e também torradeiras, rádios a pilha e até lâmpadas.
Este é um mercado também disputado por outras gigantes, como Intel e AMD. Mas é nos chips de altíssima tecnologia e enorme capacidade de processamento que a TSMC nada de braçada: 90% deste mercado é dela. E até agora nenhuma concorrente conseguiu de fato ameaçar a empresa taiwanesa.
Dito de outra forma, ninguém faz o que a TSMC faz e do jeito que faz: desenvolve e produz em larga escala tecnologias avançadas que definirão o futuro de como a humanidade consome, se relaciona e trava guerras.
É sobretudo neste último aspecto que o governo dos Estados Unidos está interessado. Tão importante quanto manter a TSMC como fornecedora de empresas como Apple e Nvidia é evitar que companhias chinesas e Pequim coloquem as mãos em tecnologias que hoje dão à maior economia do mundo vantagem militar.
Foi desta forma que a TSMC se tornou símbolo do que tem sido chamado por especialistas de a “guerra dos chips”, que ganhou as manchetes no fim do ano passado quando o presidente americano, Joe Biden, determinou restrições para evitar que fabricantes de semicondutores sob influência econômica e política de Washington vendessem equipamentos aos chineses.
Como os EUA se tornaram dependentes da TSMC
Sede de empresas globais de tecnologia como Google, Apple e Facebook, o Vale do Silício, na Califórnia, não tem este nome à toa. Silício é o elemento químico mais utilizado para a fabricação dos chips, que determinam como praticamente todo equipamento eletrônico vai funcionar.
O silício é um semicondutor, o que significa que ele está em posição intermediária quanto à condução de energia elétrica. Não é condutor como o cobre, mas também não é isolante como o vidro. Por esta e por outras características, o silício é o material ideal para a fabricação dos chips, essas peças minúsculas, incrivelmente complexas e das quais dependemos enquanto humanos modernos.
As gigantes de tecnologia do Vale do Silício são algumas das companhias especializadas em desenhar chips com alto poder de processamento. A Nvidia viu seu valor de mercado superar o trilhão de dólares depois que os investidores perceberam nos chips da empresa a base da nova economia alimentada por inteligência artificial.
Mas a Nvidia não fabrica seus chips, ela os projeta. E depende da capacidade de produção de fabricantes taiwanesas como a TSMC para manter seu negócio de pé. E não só ela. Estima-se que 90% dos chips demandados por Apple, Amazon, Google, Qualcomm e AMD sejam fabricados na pequena nação insular que fica a só 130 quilômetros da China continental. Esta é outra parte do problema.
No momento, Estados Unidos e as maiores empresas americanas não têm outra opção que não a dependência de Taiwan e de suas fabricantes de semicondutores, especialmente a TSMC. Concorrentes têm investido bilhões de dólares para não ficar para trás na capacidade de produzir os chips mais desenvolvidos do mundo.
A Intel, por exemplo, tem travado uma batalha midiática com a TSMC, fábricas de semicondutores na China estão recebendo atenção, investimentos e muita pressão de Xi Jinping. Nada disso, no entanto, parece ameaçar por agora o reinado da companhia taiwanesa.
Analista de ações e de macroeconomia global da Investing.com, Thomas Monteiro explica que os EUA simplesmente não podem correr o risco de comprometer os negócios das big techs, sob o risco de afetar a própria economia como um todo e de minar a própria influência geopolítica nos próximos anos.
“Se os Estados Unidos abrirem mão da TSMC, vão perder a corrida tecnológica contra a China. Os americanos vão tentar torná-la menos imprescindível ao mesmo tempo em que vão mantê-la por perto”..
Thomas Monteiro, Analista da Investing.com.
Ele argumenta que as recentes regulamentações impostas pelo governo Biden às empresas americanas com o objetivo de levar para os EUA parte da complexa cadeia produtiva de produtos de alta tecnologia passaram a ser burladas pelas próprias companhias. “As empresas se adaptaram para continuar a produzir na Ásia e assim não elevar os custos. A legislação inicial, do ano passado, deixou alguns buracos, e agora estão vindo novas regras para evitar que as empresas contornem a regulamentação”.
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Taiwan x China
O nome oficial de Taiwan é República da China, enquanto a China continental se autodenomina República Popular da China. Ou seja, os dois territórios reivindicam para si o papel de uma “verdadeira China”, divisão que acontece desde a Revolução Cultural Chinesa que colocou Mao Tsé-Tung e o Partido Comunista Chinês (PCC) no poder.
Obviamente, Taiwan e China não se dão muito bem. E o desenvolvimento econômico notável pelo qual passou também Taiwan ao longo das últimas décadas tem muito da influência ocidental, especialmente americana. Já faz décadas que os processadores que são a base da economia tech dos Estados Unidos passaram a ser fabricados na ilha, cujo território é reivindicado pelos comunistas até hoje.
Conforme a temperatura do conflito geopolítico entre EUA e China vai subindo, cresce também o temor de que a disputa envolva confronto bélico, com uma possível invasão chinesa a Taiwan sempre debatida pelos observadores internacionais.
Os americanos têm tratado Taiwan como uma nação aliada estratégica, fazendo de tudo para evitar que a influência de Pequim cresça na ilha. E, embora não reconheçam Taiwan como um estado independente – a Política da China Única, da qual o Brasil também é adepto –, os EUA também têm dado suporte militar aos taiwaneses, doando milhões de dólares e vendendo para Taiwan equipamentos de guerra americanos.
Futuro da TSMC
O historiador econômico americano Chris Miller, autor do livro “A Guerra dos Chips”, tem sustentado em entrevistas que os bloqueios impostos aos chineses pelos Estados Unidos têm sido eficazes em retardar o desenvolvimento de chips na China.
A TSMC também está sob pressão para construir mais fábricas em território americano. Outros países, como o México, aparecem como alternativa para a estruturação de uma indústria de semicondutores menos arriscada geopoliticamente, pelo menos do ponto de vista dos Estados Unidos.
Mas o México ainda é só uma conjectura e uma fábrica da TSMC no Arizona teve inauguração adiada de 2024 para 2025. Das 18 fábricas da empresa, só uma está nos Estados Unidos. Outras duas estão na China e 15 ficam em Taiwan.
Para Thomas Monteiro, os Estados Unidos estão pressionando a TSMC e outras empresas para adotarem o “nearshoring”, quando uma companhia mantém a cadeia produtiva de um bem complexo em uma determinada região do globo para que estejam próximas do mercado consumidor. É o contrário do “offshoring”, estratégia que levou para a Ásia plantas fabris de produtos diversos nas últimas décadas.
“Em dez anos, o mundo estará menos globalizado, as cadeias produtivas estarão mais próximas e também os riscos geopolíticos serão maiores”, sustenta o especialista. “Existe uma necessidade por parte dos Estados Unidos de não se expor tanto a estes riscos”.
THOMAS MONTEIRO, ANALISTA DA INVESTING.COM.
E estes riscos já aparecem em decisões de investimentos. Em maio deste ano, a Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett, zerou sua posição na TSMC depois de investir US$ 4,1 bilhões na empresa apenas sete meses antes. A decisão ocorreu após ele expressar publicamente suas preocupações com a geopolítica da região.
“Não gosto da localização e reavaliei isso. Sinto-me melhor com o capital alocado no Japão do que em Taiwan”, justificou Buffet na ocasião, depois de dizer que a TSMC é “uma das empresas mais bem administradas e importantes do mundo”.
Mas será difícil deixar de depender da TSMC. Monteiro diz não ter dúvidas de que a companhia asiática ainda está muito à frente de suas concorrentes. “Embora os riscos geopolíticos sejam enormes e uma possível invasão da China a Taiwan esteja presente, o mercado de chips tem uma característica de ser dominado pela empresa que desenvolve a melhor tecnologia”, explica.
“É um mercado em que o crescimento tecnológico é exponencial e, portanto, é difícil alcançar quem tem uma vantagem. Mas isso está longe de significar que a TSMC vai dar certo para sempre”, argumenta.
Por ora, os futuros de Estados Unidos, Taiwan e TSMC permanecem atados.