O grupo Votorantim completou 107 anos em janeiro e pouco lembra o conglomerado industrial que tinha seus resultados financeiros fortemente dependentes de commodities. Ao longo das últimas décadas, o grupo da família Ermírio de Moraes, que já foi sinônimo de cimento, laranja, alumínio e celulose, hoje se posiciona como um investidor estratégico em setores tão diversos quanto energia renovável, saúde e serviços financeiros.

Essa transformação ganhou velocidade nos últimos cinco anos sob o comando de João Schmidt, que em maio chega a seu quinto aniversário ocupando a cadeira de CEO. Nesse período, empresas do grupo, como a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e Auren (joint venture da Votorantim Energia com o fundo canadense CPPIB), fizeram seus IPOs, enquanto a holding adquiriu participações relevantes na CCR e na Hypera.

“Criamos plataformas de negócios que nos deram flexibilidade para diversificar a exposição, inclusive em ativos com características distintas de liquidez, diferentes níveis de participação acionária e associações com parceiros”, diz o executivo, em entrevista ao InvestNews.

O mix de investimentos garantiu mais um ano de geração de receita forte e lucro consistente. No ano passado, a Votorantim registrou R$ 51,8 bilhões em receita, crescimento de 7% em relação a 2023, com o lucro operacional (Ebitda) alcançando R$ 11,9 bilhões, alta de 23% no mesmo comparativo.

Com isso, a última linha do balanço indicou lucro líquido de R$ 830 milhões, uma queda de 53,9% em relação aos R$ 1,8 bilhão do exercício anterior. A piora desse resultado teve a ver com a desvalorização cambial – o dólar subiu 27% para R$ 6,20 em 2024 – e com o acordo de R$ 1,1 bilhão da Votorantim Cimentos com o Cade, explica Sergio Malacrida, CFO do grupo.

Do lado estratégico, o investimento mais importante do grupo Votorantim em 2024 foi a aquisição da AES Brasil pela Auren em um acordo de R$ 7 bilhões que a transformou na terceira maior geradora de energia do Brasil. Outros destaques incluem a venda de ativos da Votorantim Cimentos na Tunísia e no Marrocos e o comprometimento de R$ 1 bilhão pela Altre para investimentos imobiliários nos Estados Unidos.

A Votorantim encerrou 2024 com R$ 6,7 bilhões em caixa e baixa alavancagem, indicando ter musculatura para seguir investindo.

Atualmente, são 12 empresas que compõem o portfólio da Votorantim S.A (VSA): sete delas com controle completo do grupo (Votorantim Cimentos, banco BV, Citrosuco, Acerbrag, Altre, 23S Capital e Reservas Votorantim) e outras cinco listadas na bolsa (CBA, Auren, Nexa, CCR e Hypera). Ao todo, a holding está presente em 22 países e emprega cerca de 20 mil pessoas.

“Esse é um ciclo de diversificação e profissionalização que já dura mais de uma década. Nosso trabalho é formatar um portfólio sólido para o futuro”, prossegue Schmidt, um executivo que adota um perfil discreto e que, antes de assumir o comando da VSA, passou por Citigroup e Goldman Sachs.

Hypera é a bola da vez

Um dos episódios recentes que melhor resume a estratégia da Votorantim como investidor engajado é o da Hypera, investida da VSA desde 2023.

No mês passado, o grupo mais que dobrou sua participação na farmacêutica, saltando de 5,1% para 11%, em meio a uma tentativa de compra hostil pela concorrente EMS. Com a stake, a VSA irá indicar dois conselheiros para a eleição do board da Hypera – o próprio Schmidt e Cláudio Ermírio de Moraes.

O movimento da Votorantim ocorre em um momento em que o fundador da Hypera, João Alves de Queiroz Filho, conhecido como Júnior, vem tentando proteger a Hypera do avanço da EMS. A fabricante de genéricos, controlada por Carlos Sanchez, já havia feito em outubro uma oferta não solicitada de R$ 30 por ação para consolidar a concorrente – proposta rejeitada prontamente pelo conselho da Hypera.

Com a negativa, Sanchez saiu comprando ações da Hypera e hoje tem 6,02% das ações e pede autorização do Cade para comprar mais. Enquanto isso, Júnior articula um bloco de controle que teria cerca de 53% das ações (27,3% de Júnior, 14,7% da gestora mexicana Maiorem e 11% da Votorantim), praticamente fechando as portas para a tentativa de fusão pretendida pela EMS.

O CEO da Votorantim prefere não entrar no mérito da disputa e foca no que a farmacêutica pode agregar ao portfólio da holding. “O setor de saúde de forma ampla é algo que nos interessa do ponto de vista de investimento há bastante tempo”, explica Schmidt. “A Hypera é a única companhia de porte de capital aberto nesse setor, então foi onde havia uma porta de entrada para a gente.”

Família e governança

O grupo Votorantim, que teve sua origem numa fábrica de tecidos criada pelo imigrante português Antônio Pereira Ignácio em 1918, se consolidou como um dos maiores grupos industriais do país no século XX sob o comando de José Ermírio de Moraes, seu genro. Mas foi Antônio Ermírio de Moraes, segundo filho de José e neto de Antônio, que se tornou o rosto mais conhecido do grupo que presidiu de 1973 até 2001.

Após Antônio, outros membros da família comandaram o conglomerado até 2014, quando optou-se por uma profissionalização completa. A estratégia começou com a condução do executivo Raul Calfat à presidência do conselho de administração da holding. Com a ascensão de Calfat, a escolha de profissionais de mercado para postos-chave na empresa ganhou ainda mais força.

O grupo implementou uma descentralização que deu maior autonomia às empresas, com conselhos de administração formados por uma combinação de membros da família, executivos e membros independentes. Hoje, apenas três representantes da família Ermírio de Moraes têm presença no conselho de administração da Votorantim S.A.: José Roberto Filho, Cláudio Ermírio e André Macedo.

Outro exemplo dessa governança é a estrutura da Hejoassu, uma outra holding que cuida dos interesses da família e está acima do conselho da Votorantim S.A. São 12 membros, incluindo seis integrantes da quinta geração da família, que definem “contornos, aspirações financeiras e parâmetros de retorno e risco para os negócios”.

“Os acionistas são muito presentes na governança, nos guiando na estratégia e na alocação de capital”, conclui Schmidt.