A prova mais curta e eletrizante da ginástica artística feminina nas Olimpíadas de Paris, o salto sobre a mesa, começa às 11h20 deste sábado (3), pelo horário de Brasília, com mais um duelo entre Rebeca Andrade e a norte-americana Simone Biles. Com duração de menos de dez segundos, o salto exige que a atleta corra o mais rápido possível por uma pista de 25 metros e, com auxílio de um trampolim, tome impulso sobre uma mesa de 1,25 de altura para realizar sua acrobacia.
É também o único aparelho no qual o Brasil tem medalha de ouro (graças à própria Rebeca Andrade em Tóquio-2020), e, nos moldes atuais, o único que surgiu de uma invenção brasileira.
Por trás do brilho de Rebeca no salto está o trabalho de Siegfried Gunther Fischer, um ex-ginasta e engenheiro brasileiro que revolucionou o aparelho preferido da ginasta de Guarulhos.
Foi ele quem projetou a mesa usada no salto desde 2001. O aparelho usado até então era o chamado “cavalo”.
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As origens do salto
A prova de salto existe desde a primeira edição das Olimpíadas, em 1896, na Grécia, e por mais de 100 anos foi chamada de “salto sobre o cavalo”. A prova consistia em a atleta correr em direção a um aparelho semelhante ao cavalo com alças das ginástica masculina – mas sem as alças — colocado na horizontal, como se fosse um cavalo parado. A ginasta pisava no trampolim com molas, colocava as duas mãos na estreita área de 35 centímetros de largura por 1,60 metro de comprimento, impulsionava o corpo para o alto, fazia as acrobacias e tentava cravar os pés adiante. Na prova masculina, o cavalo era posicionado na longitudinal, mais difícil ainda.
O desenvolvimento de novas técnicas de salto exigiam uma base mais segura para a execução das manobras. O japonês Haruhiro Yamashita, na década de 1960, apresentou um salto que permitia um impulso maior no pós voo, depois de empurrar com as mãos, braços e ombros o cavalo. Outro japonês, Mitsuo Tsukahara, apresentou nos anos 1970 um salto original, colocando as mãos de lado no cavalo e dando um mortal para trás — um gesto muito usado até hoje.
No início dos anos 1980, a ginasta soviética Natalia Yurchenko introduziu a entrada em giro, correndo em direção ao aparelho, colocando as mãos no chão para fazer uma rondada e cair com os pés no trampolim de costas, seguindo com um ‘flic flac’, arqueando o corpo para trás para tocar as mãos no cavalo de costar para ele, obtendo maior potência no salto.
Como a ginástica tradicionalmente batiza os novos elementos com o sobrenome do/a atleta que o realiza em uma competição oficial pela primeira vez, o Tsukahara e, principalmente, o Yurchenko, são elementos comumente apresentados nas disputas até hoje.
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Acidentes graves com o cavalo
Mas fazer isso sem olhar para o cavalo de míseros 35 centímetros de largura era quase como saltar às cegas. Não eram raros os acidentes de percurso.
Segundo a Federação Internacional de Ginástica (FIG), entre 1988 e 1998 três atletas ficaram paraplégicas depois de se acidentarem no aparelho (Julissa Gomez, dos EUA, em 1988, Adriana Duffy, de Porto Rico, em 1989, e Sang Lan, da China, em 1998).
Uma das cenas mais famosas de acidentes no aparelho em Olimpíadas foi acompanhada ao vivo em todo o mundo. A imagem da ginasta Kerri Strug, dos Estados Unidos, com o tornozelo machucado, sendo obrigada pelo seu técnico a saltar sobre o cavalo para garantir a medalha de ouro para o seu país em Atlanta, em 1996, entrou para a história. Na aterrissagem, Kerri conseguiu nota para levar a medalha, mas arrebentou de vez o tornozelo e saiu carregada do ginásio. Tudo errado. Era preciso mudar.
A criação da mesa de salto
Siegfried Gunther Fischer nasceu em Ponta Grossa (PR) em 1927. Foi um dos maiores ginastas brasileiros no século passado. Campeão brasileiro em 1965, Fischer participou de Campeonato Universitário e Pan-Americano. Foi membro do Comitê Técnico e vice-presidente da Federação Internacional de Ginástica por 20 anos e, em 1978, foi eleito o primeiro presidente da Confederação Brasileira de Ginástica. É considerado por muitos o “pai” da ginástica artística brasileira.
Com seus conhecimentos em engenharia, sua experiência pessoal como atleta profissional e uma boa dose de empreendedorismo, em 1993 ele esboçou o que seria hoje a mesa do salto: um aparelho com base bem maior que o cavalo, passando de 35 centímetros para 95 centímetros de largura, e reduzindo um pouco o comprimento, de 1,60 para 1,20 metro. Além disso, a mesa fica levemente inclinada para trás e tem uma proteção maior na parte frontal para evitar acidentes.
Segundo a Federação Internacional de Ginástica, “Fischer propôs mudar o cavalo de salto tradicional para um que fosse mais largo, permitindo aos ginastas mais espaço para colocar as mãos, o que também diminuiria a tensão nos pulsos”.
Em parceria com o fabricante alemão Rudolph Spieth e o treinador austríaco Helmut Hoedlmoser, o projeto de Fischer ganhou vida e foram lançados os primeiros protótipo do novo equipamento para salto.
Nas Olimpíadas de Sydney, em 2000, o “cavalo” fez sua última aparição olímpica. Desde 2001, foi oficialmente substituído pela chamada “mesa alemã”, projetada por Fischer e que permite às ginastas alcançarem vôos de até 3,60 metros de altura.
Graças ao novo aparelho, Rebeca Andrade consegue executar saltos como o Yuchenko Triple Twist (YTT), que foi submetido à FIG em Paris e, caso seja apresentado neste sábado, pode receber o nome de “Andrade”.
Siegfried Gunther Fischer morreu em 2003, em Porto Alegre, mas sua criação está mais viva do que nunca nas Olimpíadas de Paris 2024.
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