Esse mapeamento da evolução da diversidade de gênero no mercado brasileiro retrata uma realidade que já passou da hora de ser transformada.
Segundo o “Mulheres em Ação”, “de cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 61 não têm mulheres em cargos de diretoria estatutária, e 37 não têm participação feminina no conselho de administração, embora seja possível observar um aumento da presença de mulheres nos CAs no último ano.”
A pesquisa Women in Business, da auditoria Grant Thornton, ouviu cerca de 5 mil executivos e executivas em 28 países e os dados não são positivos. As mulheres em cargos no alto escalão em empresas brasileiras médias eram 38% em 2022, no ano seguinte esse índice passou para 39%, só um ponto percentual a mais de um ano para o outro. O estudo registrou a queda da participação de mulheres em cargos importantes no Brasil, era 35% em 2022, e em 2023 eram apenas 31% em postos de CEO.
Neste cenário do mundo corporativo, que já é desalentador, quando fazemos o recorte de gênero e raça a desigualdade é gritante. Identificar a sub-presença histórica em espaços de poder e decisão, é revelar um gargalo injusto na prática, apesar das mudanças de discurso e da própria agenda ESG ter avançado como tema urgente nas últimas décadas.
Esse alerta está dado e a situação precisa ser encarada de frente por setores do mercado e da sociedade que têm compromisso com o combate à desigualdade de gênero e raça, além da promoção da diversidade.
Em março de 2023, o Women On Board (WOB) – que certifica empresas que possuem pelo menos duas mulheres em conselhos; e o Conselheira 101 – programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração – manifestaram-se sobre resultado de estudo realizado pelo ACI Institute, núcleo de pesquisas em governança corporativa da KPMG.
Nessa pesquisa, a presença de mulheres negras correspondia a um traço percentual em conselhos de administração de empresas abertas brasileiras. A contundência desse resultado é reafirmada publicamente pelo WOB e Conselheira 101: “Traço. Não é 1%. Não é 2%. Não é 3%. É traço. Em um país em que 25% da força de trabalho é formada por mulheres negras.”
Gargalo
O absurdo concreto desse gargalo é ressaltado pela fundadora do Conselheira 101, Jandaraci Araújo. “Correspondemos a 28% da população brasileira, somos a maioria da maioria, visto que mulheres são 52% da população. No entanto, não estamos representadas nos espaços de liderança de forma equânime, seja nas organizações privadas ou públicas”, destacou ela em março de 2023, em declaração veiculada no jornal O Globo.
É fundamental ressaltar que existem mulheres negras prontas e capacitadas para ocuparem esses espaços, sem desculpas para a argumentações que se refiram a não haver o perfil no mercado. E essa busca por qualificação faz parte de ações individuais e coletivas, como o próprio Conselheira 101, responsável pela formação de dezenas de mulheres negras para atuarem em conselhos, desde 2020, ao ser criado por um coletivo de mulheres. Apoiado pela KPMG e Women Corporate Directors Foundation, o programa já formou 67 executivas, e destas quase a metade já está atuando em conselhos de administração, consultivos e comitês.
Quem perde quando as mulheres negras chegam aos espaços de poder?
O status quo que valida a supremacia do homem branco e sua forma de estar e agir. Dito isso, precisamos também reafirmar que a diversidade não é uma concessão e, sim, um grande fator de contribuições, além de promoção da igualdade. Um conselho de administração que tenha representações de diversos segmentos da sociedade é um espaço potente para geração de riquezas econômicas, financeiras e sociais, exatamente por colocar na mesma mesa – em contraposição, confronto ou convergência – diferentes visões de mundo, do mercado e da sociedade.
Esse diferencial é confirmado por uma mulher experiente nesses espaços, a Liliane Rocha, CEO e Fundadora da Gestão Kairós. Atualmente, ela é uma das poucas mulheres negras que contrariam as estatísticas que apresentamos, pois atua como conselheira deliberativa do Instituto Tomie Ohtake, conselheira consultiva de diversidade da Ambev e do Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Foto: Myla Dutra
Liliane Rocha afirma, em artigo publicado no Universa Uol (novembro de 2023), que “cada mulher negra em conselho revoluciona o topo da tomada de decisão. Além de serem profissionais, intelectuais e especialistas gabaritadas para ali estarem, levam consigo percepção e vivência social que por muitos anos não existiam nas reuniões e conversas dos conselhos, uma vez que a perspectiva de diversidade e inclusão, ESG, igualdade e equidade são inerentes às suas vivências em sociedade”.
Quem ganha com as mulheres negras nesse espaço é toda a sociedade. Ao estar nesses lugares, sua presença é um fator poderoso para minar o pacto da branquitude, como nos alerta Cida Bento: “A branquitude se expressa em uma repetição ao longo da história, de lugares de privilégio assegurados para as pessoas brancas, mantidos e transmitidos para as novas gerações”.
As mulheres negras são as propulsoras da mudança, ao avançar, elas são capazes de mudar as estruturas, em março e o ano inteiro. Estamos com elas!