A presença feminina em cargos de diretoria estatutária e em conselhos de administração ainda está abaixo do desejável na maioria das empresas brasileiras. Ilustrando esse fato, temos o estudo “Mulheres em Ações”, publicado em dezembro de 2022 pela B3, que se baseou em informações públicas prestadas pelas companhias em documentos regulatórios.
Esse mapeamento da evolução da diversidade de gênero no mercado brasileiro retrata uma realidade que já passou da hora de ser transformada.
Segundo o “Mulheres em Ação”, “de cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 61 não têm mulheres em cargos de diretoria estatutária, e 37 não têm participação feminina no conselho de administração, embora seja possível observar um aumento da presença de mulheres nos CAs no último ano.”
A pesquisa Women in Business, da auditoria Grant Thornton, ouviu cerca de 5 mil executivos e executivas em 28 países e os dados não são positivos. As mulheres em cargos no alto escalão em empresas brasileiras médias eram 38% em 2022, no ano seguinte esse índice passou para 39%, só um ponto percentual a mais de um ano para o outro. O estudo registrou a queda da participação de mulheres em cargos importantes no Brasil, era 35% em 2022, e em 2023 eram apenas 31% em postos de CEO.
Neste cenário do mundo corporativo, que já é desalentador, quando fazemos o recorte de gênero e raça a desigualdade é gritante. Identificar a sub-presença histórica em espaços de poder e decisão, é revelar um gargalo injusto na prática, apesar das mudanças de discurso e da própria agenda ESG ter avançado como tema urgente nas últimas décadas.
Esse alerta está dado e a situação precisa ser encarada de frente por setores do mercado e da sociedade que têm compromisso com o combate à desigualdade de gênero e raça, além da promoção da diversidade.
Em março de 2023, o Women On Board (WOB) – que certifica empresas que possuem pelo menos duas mulheres em conselhos; e o Conselheira 101 – programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração – manifestaram-se sobre resultado de estudo realizado pelo ACI Institute, núcleo de pesquisas em governança corporativa da KPMG.
Nessa pesquisa, a presença de mulheres negras correspondia a um traço percentual em conselhos de administração de empresas abertas brasileiras. A contundência desse resultado é reafirmada publicamente pelo WOB e Conselheira 101: “Traço. Não é 1%. Não é 2%. Não é 3%. É traço. Em um país em que 25% da força de trabalho é formada por mulheres negras.”
Gargalo
O absurdo concreto desse gargalo é ressaltado pela fundadora do Conselheira 101, Jandaraci Araújo. “Correspondemos a 28% da população brasileira, somos a maioria da maioria, visto que mulheres são 52% da população. No entanto, não estamos representadas nos espaços de liderança de forma equânime, seja nas organizações privadas ou públicas”, destacou ela em março de 2023, em declaração veiculada no jornal O Globo.
É fundamental ressaltar que existem mulheres negras prontas e capacitadas para ocuparem esses espaços, sem desculpas para a argumentações que se refiram a não haver o perfil no mercado. E essa busca por qualificação faz parte de ações individuais e coletivas, como o próprio Conselheira 101, responsável pela formação de dezenas de mulheres negras para atuarem em conselhos, desde 2020, ao ser criado por um coletivo de mulheres. Apoiado pela KPMG e Women Corporate Directors Foundation, o programa já formou 67 executivas, e destas quase a metade já está atuando em conselhos de administração, consultivos e comitês.
Quem perde quando as mulheres negras chegam aos espaços de poder?
O status quo que valida a supremacia do homem branco e sua forma de estar e agir. Dito isso, precisamos também reafirmar que a diversidade não é uma concessão e, sim, um grande fator de contribuições, além de promoção da igualdade. Um conselho de administração que tenha representações de diversos segmentos da sociedade é um espaço potente para geração de riquezas econômicas, financeiras e sociais, exatamente por colocar na mesma mesa – em contraposição, confronto ou convergência – diferentes visões de mundo, do mercado e da sociedade.
Esse diferencial é confirmado por uma mulher experiente nesses espaços, a Liliane Rocha, CEO e Fundadora da Gestão Kairós. Atualmente, ela é uma das poucas mulheres negras que contrariam as estatísticas que apresentamos, pois atua como conselheira deliberativa do Instituto Tomie Ohtake, conselheira consultiva de diversidade da Ambev e do Pacto de Promoção da Equidade Racial.
Liliane Rocha afirma, em artigo publicado no Universa Uol (novembro de 2023), que “cada mulher negra em conselho revoluciona o topo da tomada de decisão. Além de serem profissionais, intelectuais e especialistas gabaritadas para ali estarem, levam consigo percepção e vivência social que por muitos anos não existiam nas reuniões e conversas dos conselhos, uma vez que a perspectiva de diversidade e inclusão, ESG, igualdade e equidade são inerentes às suas vivências em sociedade”.
Quem ganha com as mulheres negras nesse espaço é toda a sociedade. Ao estar nesses lugares, sua presença é um fator poderoso para minar o pacto da branquitude, como nos alerta Cida Bento: “A branquitude se expressa em uma repetição ao longo da história, de lugares de privilégio assegurados para as pessoas brancas, mantidos e transmitidos para as novas gerações”.
As mulheres negras são as propulsoras da mudança, ao avançar, elas são capazes de mudar as estruturas, em março e o ano inteiro. Estamos com elas!
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