O uso de agentes de inteligência artificial, especialmente na forma de assistentes virtuais, tem ganhado força na construção civil e no mercado imobiliário, com empresas focadas em empreendimentos residenciais promovendo esforços para tornar a tecnologia um dos pilares para ganhos de eficiência.

Agentes de IA são sistemas autônomos capazes de realizar tarefas específicas sem intervenção humana. Na construção civil, a adoção dessa tecnologia no Brasil tem sido mais voltada para áreas como vendas, jurídico e recursos humanos, em vez de diretamente nos canteiros de obra.

A MRV, por exemplo, uma das maiores construtoras de projetos residenciais do país, passou a adotar a IA generativa para treinar seu chatbot de atendimento a clientes, Mia, pelo qual afirma que cerca de 70% das vendas do grupo passam.

“Em 2023 a gente virou a chave, começamos a olhar para a IA generativa um pouco além dessa parte conversacional”, disse o diretor de tecnologia e transformação digital da MRV, Reinaldo Sima.

O número de responsáveis pela recepção dos “leads” – potenciais clientes – na MRV foi reduzido de 100 para 20 com o apoio da Mia, disse o executivo se referindo à equipe que redireciona os possíveis clientes que passam pelo chatbot para os mais de 5 mil corretores da companhia no Brasil.

Com a redução dessa equipe permitida pela ferramenta, a MRV transferiu “essas pessoas para outras atividades que são de maior valor agregado”, afirmou.

Além da Mia, a construtora tem outros agentes de IA, como a assistente virtual Susi, o suporte a corretores Marco e o “Melhor Amigo da Obra”, que apoia no processo construtivo. Todas essas ferramentas são integradas a uma plataforma criada em conjunto com a Adalink, startup brasileira de IA criada em 2024.

Já a Direcional começou a usar a IA de forma mais abrangente em 2024, com aplicações no atendimento a clientes por meio de canais digitais e telefônicos, o que resultou em uma redução média de 25% no tempo de qualificação de um lead.

O grupo também tem usado a tecnologia em processos de recrutamento e seleção e para apoio no departamento jurídico.

De acordo com o superintendente de núcleo digital da Direcional, Eduardo Mocarzel, a automação de processos em diferentes áreas da companhia já devolveu mais de 10 mil horas de trabalho para as equipes mensalmente.

Desde o ano passado o grupo tem adotado a IA como “um dos pilares centrais da sua jornada de transformação digital”, consolidando soluções focadas em eficiência operacional, experiência do cliente e escalabilidade, segundo o executivo.

A construtora Tenda, que tem a assistente virtual Tais desde 2020, começou a trabalhar grandes modelos de linguagem (LLMs) de IA com maior ênfase este ano, com o lançamento de uma plataforma que integra tecnologias como ChatGPT, Claude e Gemini em um ambiente privado da Tenda, também junto à Adalink.

“Faz mais ou menos um ano que a gente está olhando para projetos nesse sentido e faz seis meses que a gente intensificou mais a agenda nas operações corporativas”, disse Igor Gomes, diretor de tecnologia da informação da Tenda.

A Tenda agora trabalha para capacitar suas equipes a criar agentes digitais dentro da plataforma, visando o desenvolvimento de ferramentas automatizadas que solucionem problemas do dia a dia, disse Gomes. O executivo destacou como exemplo o uso de agentes para a interpretação de documentos jurídicos e a compilação de grandes volumes de informações na área de recursos humanos.

Segundo o executivo, a construtora também está desenvolvendo um agente para a área de captação de leads e geração de vendas.

Alto padrão

No segmento de alto e médio padrões, a construtora e incorporadora Eztec lançou em outubro do ano passado a ferramenta conversacional Tec.IA, para apoio a corretores da sua imobiliária Tec Vendas, com cerca de 52% dos empreendimentos do grupo cadastrados na base de dados da plataforma.

A implementação ajudou a Eztec a reduzir pela metade o tempo de conversão em um ciclo de vendas, passando de cerca de um mês para 15 dias, de acordo com o superintendente de incorporação, Tellio Totaro. O próximo passo, segundo ele, é o desenvolvimento de uma aplicação para atendimento ao cliente.

Pássaro em voo diante de prédio em construção com rede de proteção, sob céu azul e nuvens.
Foto: REUTERS/Rahel Patrasso

“Quando (o lead) chegar na mão do corretor, já vai chegar com este pré-atendimento feito e com mais qualidade… É um processo que deve iniciar ainda neste ano”, afirmou Totaro.

Os LLMs usados pela Tec.IA também são da OpenAI (ChatGPT), do Google (Gemini) e da Anthropic (Claude), mas diferentemente de Tenda e MRV, que utilizam uma infraestrutura terceira, o desenvolvimento da plataforma é proprietário da Eztec.

Desafios e futuro da IA

Embora a era dos agentes de IA na construção civil seja uma realidade, ela ainda está em seus estágios iniciais e sua aplicação é limitada, especialmente em construtoras menores, segundo o vice-presidente da comissão de materiais, tecnologia e produtividade da Cbic, entidade do setor, Dionyzio Klavdianos.

“Empresas grandes são as que têm mais condições de investir em pesquisa, tecnologia e avanços como inteligência artificial. O grosso do setor da construção civil não tem essa condição de aplicar por conta própria esses avanços”, disse.

O uso em processos de engenharia e nos canteiros de obras também é mais restrito do que em processos administrativos e gerenciais. “Esses estágios da ponta já estão se desenvolvendo mais rápido do que o ‘core’, que é a construção em si”, afirmou.

“Quando você vai para o canteiro mesmo, aí é outra história. Porque a construção civil ainda não é modularizada, ainda não é montada, ela ainda é construída. E aí atrapalha, dificulta.”

Essa perspectiva é compartilhada por Gomes, da Tenda. No entanto, o executivo afirma que a IA deve mudar esse cenário no futuro. “Se você pensar no longo prazo, você pode pensar num modelo onde IA trabalha em automações dentro do canteiro.”

O executivo cita a expectativa de “robotização” da construção civil, onde máquinas poderiam auxiliar na produção e transporte de estruturas, mas que só deve ser alcançada após longa “jornada de digitalização” no setor, o que “por si só já é um desafio”.

“Se você tiver toda essa cadeia bem estruturada, você pode pensar no futuro (em) uma robotização num nível, talvez, como de um centro de distribuição da Amazon, que é muito automatizado. Hoje, o nível de automatização no canteiro é muito baixo.”