Um dia, investidores aplaudem executivos austeros por pagarem dividendos polpudos e cortarem custos. No outro, exigem que especialistas no negócio assumam o controle para compensar a inovação perdida. Cuidado para que não mudem de ideia de novo!

Foi o que aconteceu no início de dezembro, quando Pat Gelsinger se aposentou inesperadamente como CEO da Intel. O engenheiro nascido na Pensilvânia, que ajudou a criar as portas USB e o Wi-Fi, assumiu em 13 de janeiro de 2021 para tentar recuperar o terreno tecnológico perdido para a TSMC e a AMD. Neste dia, as ações da tradicional fabricante de chips americana subiram quase 7% com essa notícia.

No dia em que Gelsinger deixou o cargo, elas fecharam praticamente estáveis. Os investidores não ficaram tristes ao vê-lo partir. 

Kelly Ortberg, hoje o homem-forte da Boeing, precisa se atentar: no início de 2024, ele assumiu o comando da fabricante de aviões, o outro grande “anjo caído” da indústria americana.

Obviamente, os problemas da Boeing não têm exatamente a mesma origem. A empresa acertou na maior parte das vezes, desenvolvendo o leve 787 Dreamliner quando a Airbus ainda estava envolvida na fabricação do superjumbo A380. Mas terceirizou grande parte de suas operações e economizou no controle de qualidade. O resultado foi desastroso.

Por outro lado, a Intel manteve o modelo verticalmente integrado de design e fabricação de chips. Seus erros foram relacionados ao produto e à produção: os executivos primeiro perderam o barco do iPhone da Apple e depois das unidades de processamento gráfico que se tornaram a base da revolução da inteligência artificial. A Intel também não fez a transição com rapidez suficiente para os semicondutores menores.

No entanto, há uma coincidência: desde os anos 2000, ambas as empresas se concentraram muito na lucratividade presente, apesar de operarem em setores nos quais grandes gastos são essenciais para manter uma vantagem competitiva décadas depois. Os pagamentos de dividendos e as recompras de ações aumentaram e a cultura das empresas se afastou do talento técnico, preferindo recompensar os gerentes com base em métricas financeiras.

Os investidores acabaram percebendo a loucura dessa abordagem. Em uma reunião virtual, todos os membros do conselho da Intel assumiram a visão de longo prazo de Gelsinger, incluindo uma aposta ousada e cara na construção de novas instalações de fabricação de chips sob contrato para outras empresas, além de se tornar uma peça central da política industrial do governo Biden. 

No entanto, depois que a empresa reportou sua maior perda para um trimestre de sua história, em outubro de 2024, o conselho expulsou Gelsinger, embora o novo processo de produção que ele estava liderando, chamado Intel 18A, só provará seu valor no decorrer deste ano. Agora, a direção estratégica da Intel é desconhecida, e Wall Street voltou a se concentrar em possíveis soluções de curto prazo, como a possibilidade de vender partes da empresa sem abrir mão dos US$ 8 bilhões em doações da Lei de Chips americana de 2022.

Pat Gelsinger, ex-CEO da Intel
Pat Gelsinger, ex-CEO da Intel (Bloomberg)

Trazer um executivo especialista funcionou no passado. Em 1987, Andy Grove desencadeou a era “Intel Inside”, saindo de chips de memória para os microprocessadores. Em outras empresas, Alan Mulally deixou de liderar o programa 777 extremamente bem-sucedido da Boeing para trazer a Ford de volta ao jogo em 2006.

Porém, também é comum que os planos focados na inovação de um novo CEO sejam interrompidos. Isso aconteceu com Robert Stempel na General Motors na década de 1990 e, sem dúvida, até mesmo com Léo Apotheker na Hewlett-Packard (HP) em 2010: ele tomou algumas decisões muito ruins durante seus poucos meses como CEO, mas sua visão de desmembrar o negócio de computadores pessoais para se concentrar em software e computação em nuvem foi justificada quando a Hewlett-Packard se dividiu em duas em 2015. 

Na Boeing, Ortberg foi elogiado como a escolha certa depois que Dave Calhoun, um executivo sem formação em engenharia, não conseguiu estabilizar a empresa. Até agora, garantiu o encerramento de uma prejudicial greve de funcionários, mas em breve precisará cumprir metas de curto prazo para cobrir a hemorragia da posição de caixa da empresa.

Seu verdadeiro teste virá em alguns anos, quando um substituto para o 737 MAX começar a ser desenvolvido. Quase duas décadas terão se passado desde o primeiro voo do último modelo da Boeing, o 787. Contudo, sem uma tentativa ousada e cara de impulsionar a fabricação de aeronaves, o risco de que as companhias aéreas comprem jatos de próxima geração na Airbus será maior do que nunca. Porém, com grande parte do antigo talento de engenharia da Boeing desaparecido e os investidores famintos por recuperar algumas de suas perdas, a tentação de apostar em algo seguro será forte.

Kelly Ortberg, CEO da Boeing
Kelly Ortberg, CEO da Boeing (Divulgação)

Embora Ortberg tenha prometido retornar ao “foco e à cultura certos”, o desastre da Intel ressalta a importância de obter adesão constante dos escalões mais baixos e superiores. É também um alerta para investidores e formuladores de políticas: enquanto o mercado atual segue entusiasticamente as ambições das gigantes do software, a paciência é muito menor para indústrias maduras baseadas em hardware.

Desde a saída de Gelsinger, as ações da Intel caíram mais 18%. O aspecto mais perigoso de chamar o especialista é o risco de ele ser demitido enquanto as coisas ainda não estão prontas.

Escreva para Jon Sindreu em [email protected]

Traduzido do inglês por InvestNews

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