A influência da Arábia Saudita sobre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) por muito tempo significou o domínio inquestionável do mercado global de petróleo. Esses dias acabaram, pelo menos por enquanto.
O reino está tendo dificuldade para garantir seus planos de manter os preços elevados. Preços mais altos ajudariam a pagar gastança da Arábia Saudita em obras de infraestrutura, incluindo US$ 1 trilhão em projetos que buscam superar rapidamente a economia do petróleo. Também fariam os motoristas sofrerem na hora de abastecer e contribuiria para as pressões inflacionárias globais.
Mas os membros cada vez mais ativos do cartel estão pressionando para extrair mais e maximizar os lucros de curto prazo, em parte devido à expectativa de crescente concorrência dos perfuradores de xisto dos EUA, encorajados pela reeleição do ex-presidente Donald Trump.
“Temos mais ouro líquido do que qualquer país do mundo”, disse Trump em seu discurso de vitória no dia 6 de novembro. “Mais do que a Arábia Saudita. Temos mais do que a Rússia.”
Antes da reunião da OPEP+ agendada para esta quinta-feira (5), isso cria um dilema para a liderança do grupo em Riad: continuar defendendo o preço do petróleo ou lutar para recuperar a participação de mercado.
Parece que os sauditas não estão buscando outra guerra de preços.
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Autoridades sauditas dizem que o reino provavelmente manterá as torneiras controladas em sua própria produção, adiando ainda mais os planos de abri-las — planos que já foram adiados duas vezes.
“Eles não conseguirão colocar o petróleo de volta em operação no ano que vem”, disse uma autoridade saudita.
Outro grande produtor, os Emirados Árabes Unidos, foi autorizado a adicionar mais barris ao mercado a partir de janeiro. E o Iraque e o Cazaquistão também estão pressionando o cartel para aumentar sua produção própria, o que ampliaria ainda mais a oferta e provavelmente reduziria os preços.
A OPEP+ é composta pelo principal cartel liderado pela Arábia Saudita, além de um grupo de outros grandes aliados produtores de petróleo, incluindo a Rússia.
Os sauditas tentaram combater o xisto dos EUA travando uma guerra de preços em 2014 e em 2020, mas acabaram não conseguindo conter a crescente produção americana.
Desta vez, as autoridades do reino estão cautelosas em fazer uma jogada ousada antes que Trump sinalize onde gostaria que os preços estivessem, disseram eles. Embora o presidente eleito tenha dito anteriormente que queria diminuir o preço para os consumidores, sua campanha foi financiada por petroleiros que também se beneficiam dos preços mais altos.
A produção de petróleo nas Américas já ajudou a reduzir a fatia da oferta global da OPEP+ para um de seus níveis mais baixos desde a fundação do grupo em 2016.
Os cortes de produção da OPEP+, impulsionados pela Arábia Saudita, tornaram isso ainda mais desconfortável para outros membros.
“É muito fácil fazer parte de um cartel quando um mercado está crescendo”, disse Jorge León, analista da Rystad Energy que trabalhou anteriormente para a Opep. “Ninguém quer estar em um cartel onde estão cortando a produção.”
O resultado é que a OPEP+ perdeu parte de seu peso geopolítico em Washington. O secretário adjunto para Recursos Energéticos dos EUA, Geoffrey Pyatt, disse que o poder de mercado do cartel atualmente é “menor do que você imagina”, já que os produtores de petróleo em outros lugares — Brasil, Canadá e Guiana — extraem muito petróleo bruto.
“No mundo em que vivo, o desafio quando pensamos em estratégia é: como os Estados Unidos pensam sobre seu status de superpotência energética?”, disse ele. “Não precisamos ficar tão preocupados com o que a Opep ou qualquer outro está fazendo, porque podemos nos concentrar em nossa própria história.”
Observadores da Opep dizem que a mudança de poder minou a capacidade da Arábia Saudita de pressionar os membros do cartel ou atrair novos participantes.
Essa tensão se espalhou para a opinião pública na semana passada, quando um delegado iraniano da OPEP+ publicou um comentário na agência de notícias estatal argumentando que a política liderada pela Arábia Saudita de manter os preços elevados foi basicamente um fracasso, em parte porque motivou os EUA e outros produtores a extrair mais. O delegado observou que Angola já saiu do cartel e especulou que outros países poderiam fazer o mesmo em breve como resultado da política.
A situação marca uma reviravolta em relação à realidade de dois anos atrás: quando o petróleo era negociado a mais de US$ 100 o barril, o presidente Biden implorou aos sauditas que abrissem as torneiras e alguns investidores de Wall Street projetaram uma longa alta nos preços semelhante ao boom de commodities impulsionado pela China nos anos 2000.
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Agora, com os preços globais oscilando abaixo de US$ 75 o barril, a OPEP+ precisa lidar com uma economia chinesa que cresce mais lentamente do que o esperado e que se torna cada vez mais eficiente em termos de combustível. Em vez de bombear mais petróleo a partir de janeiro, como planejado anteriormente, “pode ser mais sensato esperar o final do primeiro trimestre e a maior demanda chinesa para aumentar a produção”, disse um delegado da Opep.
Os analistas internos do cartel, supervisionados por uma autoridade saudita, reduziram por quatro meses consecutivos a expectativa de crescimento da demanda para este ano e o próximo. Essas expectativas fracas contribuíram para a perda de credibilidade do grupo — entre traders, autoridades dos EUA e até mesmo alguns delegados — nas previsões precisas do mercado.
A Agência Internacional de Energia estima que a oferta global vai superar a demanda em mais de um milhão de barris por dia no ano que vem se o grupo não cortar a produção.
“A indústria está investindo demais”, disse Torbjörn Törnqvist, presidente do Gunvor Group, uma das maiores tradings do mundo, a repórteres nos bastidores de uma conferência de petróleo em Abu Dhabi. “Há um excedente [de petróleo] se acumulando agora.”
Nos últimos meses, esses fatores levaram Wall Street a apostar em preços fracos à frente, contribuindo para o primeiro posicionamento de baixa já registrado dos fundos de hedge nos futuros do petróleo Brent em setembro.
Alguns na OPEP+ temem que a promessa de Trump de ampliar o número de poços de petróleo – com o afrouxamento da regulamentação e arrendamento acelerado de terras federais – possa aumentar a pressão para baixo sobre os preços. Ao mesmo tempo, executivos e analistas de petróleo dos EUA estão cautelosos em aumentar muito rapidamente a produção, tal qual prometeu Trump.
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Autoridades federais projetam que a produção dos EUA será em média de 13,2 milhões de barris por dia este ano — 47% maior do que a produção saudita de outubro — aumentando para 13,5 milhões de barris por dia em 2025. Um condado no Novo México agora bombeia mais petróleo do que os seis menores dos 12 membros da Opep.
O ministro do Petróleo saudita, Abdulaziz bin Salman, às vezes parece abertamente frustrado com a diminuição da influência do reino.
Sob sua supervisão, as reuniões da Opep eram frequentemente canceladas ou adiadas no último minuto, e muitas vezes on-line para evitar vazamentos. Em setembro, ele alertou que os preços poderiam cair para até US$ 50 por barril se os chamados trapaceiros dentro da OPEP+ não cumprissem os limites de produção acordados, informou o Wall Street Journal anteriormente.
Para alguns analistas, a estratégia da Arábia Saudita de continuar defendendo o preço do petróleo equivale a uma aposta de longo prazo na espera pelo pico projetado do xisto americano nos próximos anos.
Enquanto isso, manter a OPEP+ unida será crucial “para se sustentar durante o que pode ser um período de preços baixos”, disse Karen Young, pesquisadora sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia.
Escreva para Summer Said em [email protected], David Uberti em [email protected] e Benoit Faucon em [email protected]
Traduzido do inglês por InvestNews
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