O presidente Javier Milei disse que o presidente eleito Donald Trump ajudará a impulsionar sua reforma de livre-mercado na Argentina, agora que esta grande nação sul-americana, que há muito mantinha os EUA à distância, se aproxima de Washington. 

Em entrevista exclusiva ao Wall Street Journal, o presidente de 54 anos disse que está apostando que Trump provavelmente defenderá a tentativa da Argentina de obter bilhões de dólares em novos financiamentos do Fundo Monetário Internacional. Milei também disse esperar que Trump tenha interesse em negociar um acordo de livre-comércio com a Argentina, mesmo que o novo presidente americano prometa impor tarifas à China, ao Canadá e ao México. 

“Acho que é altamente provável porque os Estados Unidos descobriram que somos um parceiro confiável”, disse Milei nesta terça-feira (17) na Casa Rosada, sede do Executivo argentino e palácio presidencial. 

“Somos um aliado estratégico”, acrescentou Milei, que se encontrou com Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, em novembro e planeja participar, nos EUA, da posse em 20 de janeiro.

Embora Trump tenha dito recentemente que Milei era “uma pessoa MAGA”, o presidente-eleito tem planos protecionistas para os EUA e não ofereceu publicamente apoio a um acordo comercial. Um porta-voz de Trump não pôde ser contatado imediatamente para comentar.

Milei, autodeclarado anarcocapitalista e com costeletas parecidas com as do Wolverine, está encerrando um forte primeiro ano no cargo, após impor cortes de gastos dolorosos para reduzir a maior taxa de inflação do mundo. 

Os resultados surpreenderam economistas, incluindo o próprio presidente argentino, ex-professor de economia que durante a campanha brandiu uma motosserra para simbolizar o modo em que cortaria os gastos e regulamentações do governo. 

Um entregador da Pedidos Ya exibe os pesos argentinos ganhos durante a entrega de alimentos em Buenos Aires, Argentina, na segunda-feira, 16 de dezembro de 2024. A Argentina saiu de uma recessão brutal no terceiro trimestre, aumentando as chances de que o presidente Javier Milei chegue às eleições de meio de mandato do próximo ano com o crescimento em recuperação e a inflação em baixa. Fotógrafo: Tomas Cuesta/Bloomberg

“A inflação caiu muito mais rápido do que esperávamos”, disse Milei em seu escritório, onde tinha uma réplica de uma motosserra em uma mesa. “Tudo indica que no ano que vem teremos menos inflação, maior PIB per capita, salários mais altos e menos pobreza.” 

Essa é uma notícia bem-vinda para os 47 milhões de habitantes deste país, que foram atingidos por anos de turbulência econômica que provocaram uma reação contra o establishment político e levaram o outsider Milei ao poder com promessas de destruir a burocracia estatal. 

Os trabalhadores perderam um terço de seu poder de compra durante o governo peronista de esquerda anterior, que levou a inflação aos três dígitos ao aumentar a impressão de dinheiro para cobrir o déficit. O país está essencialmente bloqueado dos mercados internacionais desde 2018, quando recebeu um resgate de mais de US$ 40 bilhões do FMI, o maior da história do fundo.

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Milei está buscando um novo programa do FMI, que permitiria a seu governo suspender os controles cambiais que herdou e que estrangulam os negócios. Embora os economistas digam que suspender os controles é crucial para atrair investimentos necessários para impulsionar o crescimento e criar empregos, isso também pode fazer com que o peso enfraqueça, trazendo de volta a inflação. 

“Nossa ideia é eliminar (os controles) em 2025”, afirmou Milei.

Milei tirou a nação da beira da hiperinflação e do colapso econômico ao adotar a terapia de choque, alertando que ela doeria antes de as coisas melhorarem.

Agora, as vendas no varejo e os salários estão se recuperando. Hipotecas estão disponíveis pela primeira vez em anos. As exportações estão aumentando. Os mercados de ações e títulos estão crescendo. O risco-país da Argentina está caindo.

Seu governo cortou os gastos públicos reais em 30% ao interromper obras públicas, reduzir os subsídios de serviços públicos que quase todos os argentinos recebiam, cortar a transferência de fundos para as províncias e aumentar as pensões e os salários do Estado abaixo da inflação, atualmente em 166% ao ano. Ele demitiu 33 mil funcionários públicos ao fechar ministérios e agências estatais. 

Manifestantes protestam contra os cortes na educação do presidente Javier Milei, do lado de fora do Congresso Nacional em Buenos Aires, Argentina. Espera-se que Milei vete a legislação aprovada pelo Congresso no mês passado que forneceria financiamento às universidades públicas, justificando seus cortes acusando os professores de esquerda das universidades públicas de “doutrinar” os dois milhões de alunos do sistema. Fotógrafo: Tomas F. Cuesta/Bloomberg

A inflação mensal atingiu 2,4% em novembro, dos quase 26% durante o primeiro mês de Milei no cargo em dezembro de 2023, quando desvalorizou o peso em 50% e suspendeu os controles de preços dos alimentos.

Desde então, o Banco Central desvalorizou o peso em 2% ao mês, uma taxa que pode cair para 1% se a inflação permanecer sob controle, disse Milei. 

A Argentina registrou um raro superávit fiscal durante os primeiros 11 meses deste ano, após décadas de gastos excessivos. Alguns analistas políticos questionam se o governo será capaz de manter sua disciplina fiscal antes das eleições de meio de mandato para o Congresso em outubro, quando os políticos no passado tendiam a aumentar os gastos para conquistar o apoio dos eleitores. 

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Mas Milei diz que um orçamento equilibrado é inegociável, pois pretende continuar cortando gastos públicos, o que lhe permitirá reduzir impostos. 

“A regra é que não haverá mais déficits na Argentina”, disse Milei, que vetou um projeto de lei em setembro de parlamentares da oposição para aumentar os gastos com aposentadorias. 

A melhora das perspectivas econômicas e a confiança dos investidores na Argentina levantam a possibilidade de que o país possa retornar aos mercados internacionais. Milei disse que as necessidades financeiras do próximo ano foram atendidas, e que o novo panorama facilitará a rolagem da dívida no futuro. 

“Estamos fazendo de tudo para retornar em 2026”, disse ele sobre o acesso aos mercados globais em busca de empréstimos. 

Após uma forte contração, a economia cresceu 3,9% no terceiro trimestre em relação aos três meses anteriores, informou a agência de estatísticas na segunda-feira. 

A pobreza continua dolorosamente alta, mas diminuiu para pouco menos de 50%, de acordo com a Universidade Católica da Argentina. Milei tem cerca de 55% de apoio, mostram as pesquisas, desafiando as expectativas de que sua terapia de choque desencadearia uma violenta agitação social.  

O sucesso inicial fez do presidente conhecido como El Loco uma estrela entre uma direita global em ascensão, recebendo elogios de Trump e Elon Musk, que Milei comparou a um Thomas Edison ou Leonardo da Vinci moderno.

Javier Milei, presidente da Argentina, entrega o orçamento de 2025 no Congresso Nacional em Buenos Aires, Argentina. Foto: Tomas F. Cuesta/Bloomberg

“Ele é uma pessoa extraordinária”, disse Milei, que se encontrou com Musk em abril em sua fábrica da Tesla no Texas e novamente no mês passado em Mar-a-Lago após a vitória eleitoral de Trump.

Questionado se Musk planeja investir na Argentina, que possui alguns dos maiores depósitos mundiais de lítio necessário para alimentar veículos elétricos, Milei disse que não sabe.

“Não cabe a mim dizer ao homem mais rico do mundo onde investir”, disse Milei. 

Milei aprofunda os laços com os EUA, mas recuou dos planos anteriores de romper com a China.

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Ele agora espera visitar a China e se encontrar com o presidente Xi Jinping, embora tenha dito que não está claro quando a viagem inicialmente planejada para o início de 2025 poderia acontecer. 

O homem que uma vez descreveu os líderes da China como “assassinos” agora fala sobre possibilidades e descreve as relações com Pequim como “excelentes”.

“É um parceiro comercial que não exige nenhuma condição”, disse ele. “É realmente um grande parceiro comercial.” 

Questionado se buscaria um acordo de livre-comércio com a China, grande importadora agrícola da Argentina, Milei disse que está aberto a acordos comerciais com a maioria das nações. 

“Todos os acordos de livre-comércio que pudermos fazer, faremos”, afirmou ele. “Outros podem fazer o que quiserem, vou continuar buscando o livre-comércio.”

Milei diz que sua ascensão à presidência não mudou seu ódio pelo Estado. Como comentarista de TV antes de ser eleito, ele descrevia os impostos como roubo e uma elite política corrupta como a “casta”. 

“O Estado é o inimigo, eu ainda sou um anarcocapitalista”, disse ele. “Continuo acreditando que o Estado é uma organização criminosa financiada por uma fonte coercitiva chamada imposto, que ninguém paga de bom grado.” 

Milei está apostando que as melhorias econômicas aumentarão o apoio de seu partido no Congresso nas eleições de outubro. Isso facilitará a promoção de reformas para tornar a Argentina “o país mais livre do mundo”, disse ele. Seu partido Libertad Avanza tem cerca de 15% dos assentos na Câmara dos Deputados e menos de 10% no Senado. 

“Não tenha dúvidas”, disse ele, “não vou parar”.

Escreva para Ryan Dubé em [email protected]

Traduzido do inglês por InvestNews

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