Na primavera de 2021, o bilionário mexicano Ricardo Salinas Pliego queria apostar alto em bitcoin.
Para financiar as compras, ele planejou pegar emprestado US$ 400 milhões de bancos. Como garantia, entregaria mais de US$ 1 bilhão em ações que possuía de um grupo varejista.
Três dos empréstimos vieram de bancos internacionais com os quais ele já havia feito negócios. O quarto credor era um novato — mas com uma linhagem aparentemente impecável.
Ou assim pensava Salinas Pliego.
Por recomendação de um consultor suíço, Salinas Pliego entrou em contato com o Astor Capital Fund, representado por um homem chamado Gregory Mitchell, que afirmava ter vínculos com a ilustre família Astor.
John Jacob Astor, comerciante de peles nascido na Alemanha, foi o homem mais rico dos EUA ao morrer em 1848, e deixou o legado que se tornaria a Biblioteca Pública de Nova York. Sua família dominou a sociedade da Era Dourada e dá nome aos hotéis Waldorf Astoria.
Para discutir o acordo, a equipe de Salinas Pliego fez uma videoconferência com um homem que se apresentou como Thomas Astor Mellon, CEO da Astor Capital e descendente da famosa família. Ele falava com sotaque americano e entrou na chamada de um iate.
Depois de negociar os termos com Mitchell para um empréstimo de US$ 115 milhões, respaldado por US$ 400 milhões em ações, Salinas Pliego assinou um contrato selado com o brasão da Astor: um leão régio.
Demorou três anos para Salinas Pliego perceber que esses “Astors” — e o contrato de empréstimo — não eram o que pareciam. Antes que notasse, suas ações haviam sido liquidadas, e Mellon e Mitchell desapareceram.
Logo ele descobriu que uma dúzia de outros tomadores também tiveram suas ações vendidas pelo homem que se fazia passar por Mitchell [o golpe consistia em obter acesso às ações, como parte do acordo de garantia, vender os papéis para “emprestar” o combinado e fugir com o resto].
Seu nome verdadeiro: Val Sklarov, um americano nascido na Ucrânia e condenado por fraude, que décadas atrás cumpriu pena por um golpe de US$ 18 milhões contra o Medicare e mais tarde construiu um império imobiliário no meio-oeste dos EUA — que ruiu em meio a uma onda de litígios.
Mellon, associado ocasional de Sklarov, era na verdade um morador da Geórgia chamado Alexey Skachkov, com antecedentes criminais por falsificação de receitas médicas e roubo de anel de diamante.
No ano passado, Salinas Pliego obteve uma ordem judicial para congelar US$ 400 milhões na corte comercial de Londres, e entrou com pedido na justiça federal de Nova York para acessar registros bancários dos EUA e rastrear o dinheiro das vendas de ações.
“Me sinto um completo idiota. Como pude cair nessa?”, disse Salinas Pliego em entrevista.
Acontece que até os super-ricos são suscetíveis ao engano. Em poucos anos, Sklarov tomou controle de cerca de US$ 750 milhões em ações de tomadores como Salinas Pliego — fundador da TV Azteca, uma das maiores produtoras de televisão em espanhol no mundo — e outros executivos ricos nos EUA, Reino Unido e Ásia.
Sklarov nega qualquer fraude, e no caso de Salinas Pliego disse que esperava que o Astor lucasse ao emprestar as ações para outra empresa — chamada Cornelius Vanderbilt Capital Management — e depois as recebesse de volta.
Em respostas por e-mail ao Wall Street Journal, Sklarov disse que nenhuma pessoa razoável assumiria que a família Astor estava envolvida e que ele nunca “disse ou insinuou” tal coisa. Afirmou à corte de Londres que usava pseudônimos para evitar discriminação por soar russo. Skachkov não foi localizado e seu advogado não respondeu.
Os advogados de Salinas Pliego rastrearam Sklarov até a Grécia, onde ele possui imóveis e um iate, e vive com a família.
Ele disse à corte que atua em um nicho mais arriscado do mercado tradicional de empréstimos garantidos por ações, que permite que fundadores desbloqueiem o valor de seus papéis sem vendê-los. Esse mercado, dominado por bancos suíços e americanos, é chamado de “empréstimos Lombard” e movimenta cerca de US$ 4,3 trilhões, segundo a Deloitte.
Adversários de Sklarov alegam que sua versão desse tipo de empréstimo é uma fraude disfarçada: o dinheiro vem da venda das ações. Ele usaria cláusulas padrão nos contratos para eliminar proteções aos tomadores, dificultando sua recuperação judicial — inclusive registrando empresas com nomes iguais em vários países e exigindo arbitragem em paraísos financeiros como Jamaica e Nevis.
Ele atraía clientes usando nomes de magnatas históricos: Cornelius Vanderbilt Capital Management, Shearson Lehman e Bentley Rothschild, reforçando a imagem de nobreza com sites e comunicados de imprensa. Mitchell não era seu único pseudônimo: em outros momentos, se passava por Mark Simon Bentley.
Um ponto-chave, segundo seus críticos, é que suas empresas não tinham licenças financeiras nem supervisão regulatória, deixando os tomadores desprotegidos. Autoridades americanas alertaram sobre o risco de entregar ações a empresas não regulamentadas.
Sobre o processo, Salinas Pliego disse: “Por um lado, pareço um idiota. Por outro, sinto que algo precisa ser feito.”
A reportagem se baseia em entrevistas com tomadores de empréstimo, corretores e pessoas que trabalharam com Sklarov, além de registros judiciais nos EUA, Reino Unido, Hong Kong, Singapura, Nevis e Jamaica. Muitos dos sites dele ainda estão no ar.
O forasteiro
Quem conheceu Sklarov o descreve como carismático e fluente no jargão de Wall Street. Registros mostram que ele ou sua família compraram um château na Normandia, além dos imóveis na Grécia e um iate recentemente renomeado para Enchantment.
A vida nem sempre foi assim. Sklarov imigrou ainda criança para os EUA e cresceu em Chicago. Segundo ele, sofreu discriminação. “O fato de meu nome ser Vladimir tornava minha vida difícil”, disse em um depoimento de 2024.
Estudou negócios sem concluir a faculdade e vendeu seguros e suprimentos médicos. Em 1994, foi citado no Wall Street Journal ajudando uma rede canadense de cafés a abrir franquias nos EUA.
Nesse mesmo ano, promotores o acusaram de liderar uma fraude de US$ 18 milhões no Medicare, com empresas que cobravam curativos não cobertos.
Depois, com sua então esposa, comprou imóveis comerciais e residenciais no meio-oeste, ganhando o suficiente para dirigir Bentleys e colocar os quatro filhos em escolas de elite. Ele afirma já ter possuído diversos Rolls-Royces, Ferraris, Lamborghinis, Porsches, Aston Martins e Cadillacs.
Em 2006, mudou legalmente seu nome para Val, para soar menos russo.
Quando o mercado imobiliário virou, enfrentou processos de bancos e cidades. Em 2015, em Toledo (Ohio), declarou em audiência que não era responsável por um prédio condenado — pois o dono era um truste em nome dos filhos. O casal se divorciou em 2014 e Sklarov colocou um anúncio de emprego na revista Crain’s Detroit Business:
“Transformei US$ 1 milhão em US$ 60 milhões em 10 anos com imóveis, mas o divórcio me arruinou. Posso fazer o mesmo por você.”
Sua ex-esposa não quis comentar.
Sklarov se reorganizou na Ucrânia, casou de novo, teve mais três filhos e se mudou para perto de Atlanta, com um novo nome: Mark Simon Bentley.
Ele alegou em um tribunal local que mudou de nome para evitar discriminação. “Também gosto do carro”, disse.
Em 2018, Brent Satterfield, fundador de uma empresa de diagnósticos de Utah, conheceu Sklarov por meio de um corretor. Para obter um empréstimo de US$ 3,5 milhões, entregou US$ 7 milhões em ações restritas. Recebeu só US$ 66 mil antes de Sklarov declarar inadimplência e vender US$ 1,1 milhão em ações.
Satterfield venceu processos em Nova York e em arbitragem, que considerou o contrato fraudulento — pois não exigia que nenhum empréstimo fosse feito nem a devolução das ações.
“Não devemos nada ao tomador,” declarou Sklarov.
Ele adiou a devolução das ações e a Suprema Corte do Estado de NY emitiu um mandado civil de prisão. Sklarov alegou estar ajudando familiares a fugir da Ucrânia, depois disse que estava em abrigos antiaéreos. Quando o juiz pediu localização, ele respondeu que estava nas Maldivas.
Satterfield e seu advogado não comentaram devido ao litígio em curso.
O bilionário
Salinas Pliego é figura controversa no México, envolvido em disputas fiscais bilionárias e defensor fervoroso do bitcoin.
Em 2021, queria ampliar sua posição em cripto, oferecendo ações da Elektra como garantia — grupo varejista e financeiro fundado por seu pai. Havia acabado de comprar o iate “Lady Moura” por US$ 125 milhões.
Seu braço-direito, Eduardo González Salceda Sánchez, foi indicado a um contato suíço, que ouviu de um corretor em Londres que os Astor estariam emprestando dinheiro.
O contato suíço garantiu que faria a devida diligência, “mesmo com boa imagem do credor”.
Após a videoconferência com Thomas Astor Mellon, a Astor ofereceu condições atrativas: juros de 1,15%. Afirmava ser subsidiária de um antigo banco da família Astor — extinto há um século.
O site do Astor mostrava um vídeo profissional e usava frases como: “Construímos nossa firma com os princípios de John Jacob Astor.”
Em julho, Salinas Pliego abriu conta e depositou US$ 416 milhões em ações da Elektra na custódia da Weiser, nas Bahamas. O contrato proibia venda ou venda a descoberto. Ele disse que o contrato parecia com os que recebia de bancos.
Salceda Sánchez não mandou os advogados revisarem. As assinaturas vinham com o selo do leão alado da Astor.
O primeiro sinal de alerta veio no fim de 2021, quando Salceda notou movimentações estranhas nas ações da Elektra.
Em outubro, a Weiser recebeu ordem da Astor para movimentar as ações. Depois, a custódia passou para a corretora Tavira, em Mônaco.
Ao perceber que Tavira dizia manter as ações, mas os papéis continuavam sendo vendidos, Salceda pediu uma reunião com a Astor — que só ocorreu em 2023, após o fim das restrições de Covid.
Eles visitaram um escritório com placas e recepcionista. Ganharam canecas e canetas da empresa. Mas Sklarov — ou Mitchell — não apareceu, alegando Covid.
Em 2024, Salceda pediu à Tavira comprovação independente de que as ações estavam lá. A Astor respondeu que isso violava o contrato, e que tinha “direito irrestrito” de dispor das ações.
Um corretor perguntou a Mitchell se a Astor vendia as ações. “Qualquer um pode emprestar ações. É assim que o mercado funciona”, respondeu.
Salinas ofereceu quitar o empréstimo. Três semanas depois, recebeu notificação de inadimplência por 11 motivos — incluindo a tentativa de verificar as ações.
“Agora percebi que roubaram a garantia. Eles não têm mais as ações para devolver.”
Investigadores descobriram o histórico criminal de Sklarov e ações judiciais contra ele por uso indevido das marcas Rothschild e Barclays. Ele até tentou registrar a Shearson Lehman Brothers no Nepal.
Salinas conseguiu congelar US$ 400 milhões na Tavira. Os registros mostram que as ações foram transferidas para a Cornelius Vanderbilt Capital Management, que vendeu lotes diários desde 2021.
Sklarov alegou que tudo era permitido e que estruturava os contratos para ter liberdade total. Disse que a Astor só prometeu não vender em bolsas públicas — mas poderia repassar os papéis a terceiros.
Em documentos, disse ter recebido US$ 9,1 milhões via contas de um advogado em NY. Cerca de US$ 300 milhões teriam circulado por essas contas e voltado à Tavira — sem explicar por quê. Esse é o valor agora congelado.
O advogado recebeu US$ 4,5 milhões; o corretor, US$ 4,9 milhões.
Os advogados da Tavira e da Weiser disseram que o processo não trata de fraude, mas de devolução de propriedade, e que cumpriram suas obrigações.
Sklarov entrou com ação contra Salinas, dizendo que ele sempre soube do empréstimo das ações e mentiu sobre suas finanças.
“As empresas com que trabalho oferecem empréstimos de alto risco para tomadores de alto risco,” disse ele. “90% saem satisfeitos.”
Traduzido do inglês por InvestNews
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