Um tipo específico de teste está sendo usado não só para deduzir os movimentos finais de uma vítima de assassinato encontrada sob um viaduto, mas também para traçar o aumento e a diminuição da temperatura da Terra nos períodos antes da invenção dos termômetros.
Agora, empresas como Shein e Patagonia utilizam esta verificação para afastar o algodão colhido com trabalho forçado de suas meias e camisetas.
Pressionadas a impedirem que produtos ligados ao abuso de direitos humanos e infrações ambientais sejam usados em suas cadeias de suprimentos, as empresas começam a recorrer a testes isotópicos, método científico que lhes permite examinar a composição atômica dos materiais de seus produtos.
Ao extrair uma digital isotópica, estas empresas esperam determinar se os fornecedores não mentiram sobre a origem dos materiais. A principal preocupação é se seus produtos podem ter sido produzidos com o trabalho forçado do povo uigur da China, grupo étnico minoritário muçulmano.
O teste isotópico examina assinaturas químicas únicas — conhecidas como proporções de isótopos — de certos materiais, que variam conforme os fatores ambientais, incluindo chuvas ou o solo de cultivo.
Comercialmente, esses métodos forenses têm sido usados principalmente para verificar a autenticidade de alimentos como o xarope de bordo. Agora, em todo o mundo, a crescente atenção dos reguladores ao fluxo de mercadorias, desde matérias-primas até produtos acabados, faz com que empresas e governos busquem maneiras cada vez mais sofisticadas de usar a ciência para iluminar os cantos escuros das cadeias de suprimentos globais.
Na União Europeia, as regulamentações que miram no desmatamento eventualmente irão exigir que as empresas certifiquem a origem de produtos como café e madeira. E desde 2021, uma lei dos EUA que proíbe produtos da região de Xinjiang, na China, despertou um interesse crescente nos testes que podem ajudar as empresas a verificarem a origem do algodão que utilizam.
Empresas como a Shein, e-commerce de fast fashion, gastaram milhões nos testes para eliminar o algodão de Xinjiang.
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A demanda criou uma indústria cada vez maior de fornecedores de química forense, incluindo a Oritain, que trabalha com a Shein. A empresa sediada na Nova Zelândia diz que pode ajudar outras a “provar” a origem dos materiais de seus produtos.
Alguns cientistas especializados na área são céticos em relação a tais alegações. “Nunca vi um caso irrefutável utilizando isótopos como prova de acusação”, disse Leonard Wassenaar, diretor de um laboratório de análise isotópica da Universidade de Ottawa.
Detetive químico
Nos EUA, o professor de biologia da Universidade de Utah, Jim Ehleringer, é frequentemente creditado como um dos pioneiros nas aplicações forenses de testes isotópicos.
No início de sua carreira, Ehleringer usou isótopos estáveis para estudar diferenças fisiológicas em plantas do deserto. Seu trabalho chamou a atenção do governo dos EUA, que o recrutou na década de 1990 para ajudar a identificar dinheiro falsificado e a rastrear a origem de cocaína.
A pesquisa demonstrou como a ciência poderia distinguir entre produtos autênticos, como mel e suco de laranja, de produtos visualmente idênticos, mas adulterados com açúcar e outros aditivos. Determinar a origem de um material como a cocaína era mais complicado e exigia um banco de dados de amostras que documentasse a digital química da droga nas várias regiões onde é produzida.
Nos últimos anos, cientistas usaram outras análises químicas e aprendizado de máquina para produzir digitais de alta resolução e realizar análises mais sofisticadas.
“É como um cadeado com combinação”, disse Wassenaar. “Quanto mais você adiciona, mais única a combinação se torna.”
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Em 2003, a pesquisa estava ajudando a polícia a analisar componentes de explosivos e a identificar restos de corpos humanos.
Nem todas as utilizações envolviam situações de vida ou morte. Um dos colegas de Ehlingerer usou isótopos estáveis para mostrar que o vencedor de um torneio de pesca trapaceou ao trazer um peixe de outro lago.
Combatendo o trabalho forçado
Hoje, algumas empresas forenses tentam trazer técnicas desenvolvidas por Ehleringer e outros cientistas para o mundo dos negócios. Até o momento, a Lei de Prevenção do Trabalho Forçado Uigur dos EUA forneceu o que muitos consideram o caso mais atraente.
Antes de uma peça de roupa chegar a uma loja, o algodão que compõe a peça viaja por uma extensa rede de fábricas de tratamento. Ao longo desse processo, o algodão de uma região pode ser misturado ao de outra.
Para garantir que os fornecedores não usem materiais proibidos, as empresas têm basicamente a seu alcance a verificação de documentação, que é suscetível a fraudes e imprecisões. “É tão confiável quanto a pessoa que preencheu o documento naquele dia”, disse Matt Dwyer, vice-presidente de pegada global de produtos da Patagonia.
A empresa de roupas para atividades ao ar livre lançou um programa piloto com a Oritain em 2021 e, desde então, expandiu seu uso de testes isotópicos. Os testes não encontraram nenhum algodão de Xinjiang, mas forneceram à Patagonia uma visão mais profunda de onde seus fornecedores estavam adquirindo produtos, de acordo com Dwyer.
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“Ser capaz de estatisticamente dizer onde algo foi cultivado no mundo é incrivelmente poderoso”, afirmou ele.
A fornecedora de fast-fashion Shein iniciou sua parceria com a Oritain em 2022 e, desde então, realizou milhares de testes forenses. Cerca de 2% desses testes iniciais foram positivos para o algodão de Xinjiang, de acordo com pessoas próximas à empresa. Depois de tomar medidas contra os fornecedores, a taxa caiu para 1,7% no ano passado.
Limitações da ciência
Os cientistas dizem que os testes isotópicos podem ter valor para as empresas, mas alertam contra um overfitting dos resultados, observando que esses testes forenses só podem determinar se a digital de um pedaço de algodão é consistente com uma referência regional.
Frequentemente, a digital química do algodão de uma área do mundo pode ser idêntica à digital do algodão de outra, exigindo mais testes.
As regulamentações do trabalho forçado acabaram sendo uma dádiva para a Oritain, que está expandindo seus laboratórios globalmente e procurando maneiras de acelerar os testes. Atualmente, leva cerca de duas semanas desde o recebimento de uma amostra até que os resultados estejam prontos, disse a empresa.
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Apesar das limitações, Dwyer afirmou estar animado com o potencial de uso desses testes e como eles podem ser aplicados a outros materiais que a Patagonia utiliza.
“Seja confirmando que a lã Merino é da Nova Zelândia ou que o cânhamo é do Kentucky ou que as plumas são da Polônia”, disse ele. “Se eu pudesse ter outra coisa à mão que verificasse as origens, estaria nas nuvens.”
Escreva para Dylan Tokar em [email protected]
Traduzido do inglês por InvestNews
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