A cidade de Oak Ridge, que fica no Tennessee, ganhou o apelido de “Cidade Atômica” por ter sido a base do Projeto Manhattan e, mais tarde, por ser o centro do programa de energia nuclear dos EUA. Agora, ela é o lar de um grupo de cientistas da Standard Nuclear que estão tentando — contra todas as adversidades — energizar a próxima era nuclear americana.
Eles estão desenvolvendo combustível resistente a um colapso para um tipo menor e mais seguro de reator nuclear, que se tornou um imperativo para atender às necessidades energéticas modernas, incluindo a independência estratégica e industrial da China e o surgimento da inteligência artificial, faminta por energia.
De tão forte era a convicção no projeto, que mais de 40 funcionários da startup trabalharam por cerca de oito meses com pouco ou nenhum pagamento. Alguns venderam suas casas ou reduziram gastos, fazendo malabarismos com hipotecas e despesas com escola dos filhos, convencidos de que a saída de um único cientista arriscaria sacrificar seu progresso.
A construção de sistemas avançados de inteligência artificial exigirá quantidades de energia imensas. E uma fonte de energia de baixo carbono, como a nuclear, é a escolha preferida. Microsoft, Meta e outros gigantes da tecnologia estão investindo muito dinheiro na revitalização de reatores com décadas de idade e, às vezes, até mesmo alguns que estavam sendo desativados.
Mas o dinheiro da Big Tech e do capital de risco também está sendo direcionado para novos reatores modulares projetados com considerações de segurança baseadas em mais de meio século de acidentes nucleares.
O investidor bilionário Peter Thiel, Sam Altman, líder da OpenAI, e Bill Gates estão entre os titãs da tecnologia que fizeram suas apostas. Desde 2021, os capitalistas de risco investiram US$ 2,5 bilhões em tecnologia nuclear de próxima geração nos EUA, de acordo com a empresa de dados PitchBook. Na maioria dos anos anteriores, o investimento estava perto de zero.
“É a hora da energia nuclear”, disse o presidente Trump no mês passado na Casa Branca, assinando quatro novas ordens executivas destinadas a acelerar sua implantação.
O Departamento de Defesa quer que os pequenos reatores alimentem seus navios e bases e sejam instalados na região do Ártico e em ilhas remotas do Pacífico. A Unidade de Inovação em Defesa do Pentágono anunciou recentemente que oito empresas estavam na fila para trabalhar com o Exército e a Força Aérea instalando microrreatores em bases militares.
Essa retomada nuclear é arriscada — tentativas anteriores terminaram desapontando, com custos excessivos ou desastres ambientais e bilhões de dólares perdidos. O sucesso da Standard Nuclear certamente não está garantido, nem o de dezenas de outras startups que pretendem preencher a cadeia de suprimentos de energia nuclear dos Estados Unidos.
Mas, para muitos, o impulso para construir uma nova era nuclear nos EUA parece irreversível.
“Eu realmente vejo a situação como uma probabilidade muito baixa de que isso vá desaparecer, porque não consigo pensar em uma alternativa”, disse Kurt Terrani, executivo-chefe da Standard Nuclear. “Em algum momento, vamos ficar sem combustível.”
Menos energia nuclear produzida
Os EUA produzem menos energia nuclear do que há uma década.
Os projetos de reatores vêm passando por atrasos, contratempos de fabricação e custos excessivos, fazendo com que as empresas de serviços públicos recuem.
Os esforços dos EUA para minerar e enriquecer urânio, o ingrediente básico do combustível, foram abandonados há muito tempo. O país não tem uma fonte comercial significativa de urânio enriquecido, embora novas startups estejam tentando preencher esse vazio. A Rússia controla quase metade do mercado mundial de urânio enriquecido e cerca de um quarto do mercado americano.
Conforme os EUA foram ficando para trás, a China surgiu como seu maior concorrente, com expectativa de superar os Estados Unidos nos próximos cinco anos. A China tem 31 reatores em construção — metade do total global — e planeja construir mais 40 na próxima década, de acordo com a Associação Nuclear Mundial.
“Não podemos nos permitir perder a corrida armamentista da IA com a China. Mas precisamos de energia”, disse o secretário do Interior, Doug Burgum, a executivos de tecnologia em abril. “Primeiro temos que vencer a corrida pela energia.”
Os projetistas de pequenos reatores modulares — conhecidos como SMRs — basicamente reformularam a tecnologia antiga para projetos menores e mais eficientes, que a maioria das pessoas concorda que são seguros.
A Standard Nuclear disse que é a maior fonte de combustível isotrópico triestrutural — também conhecido como “triso” — fora da China, com base em sua capacidade de produzir combustível.
O combustível triso, em alta demanda para uso em SMRs, é conhecido por sua durabilidade e segurança: são pastilhas de urânio do tamanho de sementes de papoula, revestidas com carbono e carboneto de silício para reter o material nuclear e evitar vazamentos.
A Ultra Safe Nuclear — a precursora da Standard Nuclear — era uma empresa em expansão financiada em grande parte por um único homem, Richard Hollis Helms, ex-agente da Agência Central de Inteligência (CIA). Depois da morte de Helms no ano passado, o financiamento desapareceu imediatamente.
O ex-CEO saiu e Terrani foi colocado no comando, encarregado de demitir quase 300 pessoas. Ele teve o cuidado de reter os cientistas de combustível. Terrani passava atualizações semanais para sua equipe, que eram basicamente: “Não temos fundos; não há dinheiro”.
“Todos os dias, você entra no carro e vai trabalhar sabendo que não será pago”, disse Terrani, de 39 anos.
Um gerente, Dan Billings, vendeu um hectare e meio de mata ao redor de sua casa para poder continuar trabalhando. O comprador começou a desmatar e demoliu a casa na árvore de seus filhos. Os US$ 50 mil da venda ajudaram a manter a conta bancária de Billings.
“Não vou mentir, atualizei meu perfil no LinkedIn porque não sabia para que lado iria”, disse Billings, de 39 anos.
A período do Natal trouxe alívio. Um grupo de capitalistas de risco, liderado por um ex-oficial das Forças Especiais, investiu US$ 42 milhões para reiniciar e renomear a empresa Standard Nuclear.
O acordo marcou uma aposta extraordinária dos capitalistas de risco, que historicamente evitavam empresas fortemente regulamentadas que exigem grandes quantidades de capital inicial. A atração da IA e o aumento da competição com a China mudaram esse cálculo.
“O ambiente de investimento na energia nuclear é muito atraente agora”, disse Tommy Hendrix, que liderou o resgate. Hendrix, capitalista de risco da Decisive Point, reconheceu o risco de sua aposta, mas disse: “Você segue o dinheiro, segue os investimentos do governo”.
O sucesso da Standard Nuclear está ligado a outras empresas que tentam preencher uma cadeia de suprimentos fragmentada amplamente dominada por adversários. O urânio enriquecido da Rússia ficará fora dos limites em 2028, quando uma proibição dos EUA entrar em vigor. A General Matter, com sede em Los Angeles, apoiada por novos US$ 50 milhões do fundo de risco de Thiel, pretende substituir as importações russas.
As potenciais compradoras do combustível da Standard Nuclear têm projetos de SMRs, mas nenhuma concluiu a construção de um deles — a China concluiu. Os críticos dizem que não produzem energia suficiente para justificar suas despesas e que empreendedores e investidores subestimam a complexidade regulatória.
“Não acho que esta seja uma área para os fracos nem para o retorno rápido do dinheiro”, disse Ross Fubini, sócio-gerente da XYZ Venture Capital. Fubini analisou cerca de 15 startups do setor nuclear nos últimos dois anos, e deixou-as de lado. Nenhuma mostrou a promessa de implantar sua tecnologia antes de ficar sem dinheiro.
As ordens executivas de Trump buscam reduzir parte da burocracia e acelerar a implantação, inclusive permitindo reatores em terras federais, o que poderia resultar em contornar a Comissão Reguladora Nuclear (NRC) americana.
A indústria estava exultante. “É um caminho para tudo o que eu e outros na indústria esperamos”, disse Staff Sheehan, químico de urânio que cofundou uma startup do setor nuclear. Os pedidos desencadearam uma onda de compra de combustível — a Standard Nuclear já tem tudo vendido até boa parte de 2027.
Os críticos argumentaram que o esforço do governo sugere menos independência para a NRC e um ambiente mais permissivo para startups sem histórico de segurança.
De volta ao Tennessee, Billings diz que não se arrepende de trabalhar sem remuneração — e até mesmo de perder a casa da árvore das crianças. “Acredito que, se conseguirmos colocar essa tecnologia no mercado, poderemos resolver muitas crises de energia”, disse ele.
Traduzido do inglês por InvestNews
Presented by