Durante o primeiro mandato, o presidente dos EUA Donald Trump desmantelou o engajamento de décadas dos Estados Unidos com a China. Agora, ele está prestes a reatar com Pequim, adotando a estratégia de seus antecessores, de Bill Clinton a Barack Obama. Mas nos termos de Trump.

Os principais negociadores comerciais dos EUA e da China, ao concluírem dois dias de tensas negociações em Kuala Lumpur, na Malásia, disseram ter chegado a um acordo que prepara o terreno para que Trump e o líder chinês Xi Jinping cheguem a um acordo importante quando se encontrarem nesta quinta-feira (30), na Coreia do Sul.

O acordo em si parece ser uma trégua transacional, que pode envolver a retomada, pela China, das compras de soja dos EUA e o adiamento de novos controles sobre minerais de terras raras. Para os EUA, está em discussão o arquivamento de novas tarifas, a revogação da taxa de 20% sobre a China por seu papel na crise do fentanil nos EUA e, potencialmente, a abstenção de novas medidas políticas contra a China.

Mas o acordo vai além de um simples cessar-fogo temporário. É o primeiro passo em um diálogo de alto nível recém-estruturado, com o objetivo de consolidar um ano inteiro de diplomacia.

O cronograma é ambicioso: espera-se que Trump viaje a Pequim no início do próximo ano, seguido por uma visita recíproca de Xi ainda naquele ano.

Para Trump, é uma reviravolta impressionante.

“O primeiro mandato de Trump colocou os EUA e a China em um caminho rumo a uma competição inquestionável e de longo prazo, senão a um confronto”, disse Evan Medeiros, ex-alto funcionário de segurança nacional do governo Obama e atualmente professor da Universidade de Georgetown. “Agora parece que Trump está mudando completamente sua estratégia em relação à China, iniciando uma nova fase de maior engajamento e em um nível mais elevado.”

Além da diplomacia de alto nível, a trégua prepara o terreno para uma estabilização tática da relação ao longo do próximo ano.

Trump é negociador central com a China

Essa distensão recoloca Trump em seu papel preferido como negociador central, garantindo alívio econômico de curto prazo — como a retomada das compras de soja — que agrada aos estados com votação republicana.

Este novo calendário diplomático, altamente estruturado, contrasta fortemente com a abordagem de seu primeiro mandato.

Embora Trump tenha se reunido com Xi durante a primeira presidência, esse encontro era frequentemente improvisado e ofuscado pela escalada das disputas tarifárias, carecendo do agendamento formal e recíproco que agora está sendo proposto.

É também uma dinâmica que, segundo analistas, proporciona vantagens a Pequim.

O pensamento nos círculos de formulação de políticas de Pequim, de acordo com pessoas que consultam autoridades chinesas, é que Xi está se aproximando de seu objetivo de curto prazo: um “impasse estratégico” — um equilíbrio duradouro em que a pressão americana se torna administrável e a China ganha tempo para alcançar os EUA.

Ainda assim, essa mudança para o reengajamento não marca um retorno ao passado.

O antigo engajamento, defendido por décadas de formuladores de políticas dos EUA, foi construído sobre uma esperança liberal e ambiciosa: que a integração econômica inevitavelmente levaria a uma China mais aberta e politicamente reformada.

Mesmo a estratégia de “guinada para a Ásia” de Obama foi baseada no engajamento com Pequim, apoiada por um fortalecimento militar na região.

A versão Trump 2.0, por outro lado, parece ter nascido da necessidade.

Essa nova estrutura não se baseia em parceria, cooperação ou valores compartilhados. Em vez disso, alguns analistas dizem que é um reconhecimento frio de que o confronto aberto se tornou muito custoso e que os interesses dos EUA — desde a gestão do domínio da China sobre os minerais de terras raras até o controle do fluxo de fentanil — exigem um diálogo transacional.

É uma tentativa de estabelecer regras para uma rivalidade entre superpotências administrada e de longo prazo, dizem esses analistas.

Essa distensão é construída sobre terreno frágil. Os pontos de tensão fundamentais no relacionamento — do futuro de Taiwan e manobras militares no Mar da China Meridional à corrida pela supremacia em inteligência artificial e computação quântica — permanecem sem solução e voláteis.

Xi Jinping e Donald Trum sorriem e olham para a mesma direção
Foto: Getty Images

Trégua entre os países

E, para uma administração que prospera na imprevisibilidade, esse novo roteiro pode estar a apenas uma provocação geopolítica, ou uma única postagem presidencial nas redes sociais, de ser completamente revertido.

“Uma trégua comercial não mudará o rumo da competição entre os EUA e a China nem aumentará a confiança entre os dois países”, disse Daniel Bahar, ex-representante comercial adjunto dos EUA que participou das negociações durante a guerra comercial do primeiro mandato de Trump com a China.

“Mas dará tempo para que cada lado continue a reduzir os riscos em relação ao outro, como a China buscando a autossuficiência no setor de semicondutores e os EUA correndo para construir cadeias de suprimentos alternativas de terras raras”, disse Bahar, agora diretor administrativo da Rock Creek Global Advisors em Washington. “Cada lado usará a trégua para estar mais bem preparado para a próxima batalha comercial.”

O que Xi mais precisa é de tempo. Com a economia chinesa enfrentando uma desaceleração persistente, essa estrutura proporciona uma janela crucial de estabilidade.

Ela suspende a guerra comercial, elimina ameaças econômicas imediatas e permite que Pequim se concentre em suas fragilidades internas.

Ao final de uma reunião de alto nível do Partido Comunista na semana passada, Pequim deixou claro o que pretende fazer com esse tempo: intensificar uma estratégia de crescimento de cinco anos focada em grandes investimentos estatais em manufatura e tecnologia.

Fundamentalmente, as concessões de Pequim esta semana são táticas, não estruturais. Qualquer acordo para comprar soja dos EUA seria um retorno ao status quo, não uma reforma fundamental.

Os compromissos refletem uma nova estratégia que Xi elaborou para o Trump 2.0, que envolve fazer concessões calculadas para apaziguar o presidente, mantendo-se firme em questões de interesse central para Pequim.

A trégua não aborda as questões centrais que iniciaram o confronto durante o primeiro mandato de Trump — os enormes subsídios estatais da China, o roubo de propriedade intelectual e a busca estatal pela dominância tecnológica.

A trégua também oferece um simbolismo valioso tanto para Xi quanto para Trump.

Para Trump, isso proporciona uma plataforma para o presidente dos EUA projetar sua imagem como um mestre negociador que dialoga com um de seus principais rivais, demonstrando que sua postura firme em relação à China trouxe Pequim de volta às negociações, tudo em seus próprios termos.

Para Xi, a perspectiva de uma visita de Estado a Washington — um prêmio que ele não desfruta desde que Obama o recebeu em 2015 — é uma ferramenta poderosa para reforçar sua imagem no cenário mundial.

Pequim, por sua vez, tem buscado uma visita de Trump. Se isso acontecer, Xi, que em setembro realizou um extravagante desfile militar em Pequim, onde foi cercado pelo presidente russo Vladimir Putin e pelo líder norte-coreano Kim Jong Un, poderá mostrar ao seu povo que até mesmo o presidente americano quer visitar a China.

Num momento de persistente incerteza econômica interna, essa demonstração de força representaria um profundo presente político. Permitiria a Xi Jinping consolidar sua imagem de estadista global, sinalizando ao público chinês e ao mundo que a China superou com sucesso a tempestade da confrontação com os Estados Unidos e forçou Washington a retornar à mesa de negociações.

Traduzido do inglês por InvestNews

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