Morreu o Papa Francisco, que buscou reorientar a Igreja Católica na promoção da justiça social e econômica em lugar dos ensinamentos morais tradicionais, que presidiu as crescentes divisões na Igreja e que lutou contra o persistente escândalo de abuso sexual clerical. Ele tinha 88 anos.
A morte do papa, anunciada pelo Vaticano, ocorreu após o pontífice ter passado semanas no hospital no início deste ano para tratamento de uma grave pneumonia. Mesmo voltando para a residência no Vaticano, sua saúde permaneceu frágil.
Jorge Mario Bergoglio foi um papa de inovações. Foi o primeiro papa das Américas, o primeiro da ordem jesuíta e o primeiro a tomar o nome de Francisco. Foi também o primeiro em quase seis séculos a assumir o posto depois que seu antecessor renunciou.
Francisco deu ao papado uma imagem menos formal e mais acessível ao rejeitar trajes majestosos, ao andar em carros compactos e a fazer comentários contundentes em coletivas de imprensa.
Ele foi abertamente político, pedindo a ativistas em todo o mundo que tentassem diminuir a distância entre ricos e pobres, ao mesmo tempo em que pedia aos países mais ricos que protegessem melhor o meio ambiente. Enquanto os políticos ocidentais decidiam fechar suas fronteiras aos refugiados, Francisco defendia estes últimos e outros migrantes. Em fevereiro, criticou o plano de Trump envolvendo deportações em massa.
Manteve uma postura neutra sobre a guerra na Ucrânia, deplorando o sofrimento dos ucranianos, mas evitando condenar diretamente a Rússia e sugerindo que o Ocidente provocou o conflito.
A política de Francisco de minimizar os ensinamentos tradicionais da Igreja sobre casamento e homossexualidade — sua observação mais famosa foi uma pergunta retórica sobre padres gays: “Quem sou eu para julgar?” — foi aplaudida por progressistas ao mesmo tempo em que incomodou os católicos conservadores, incluindo muitos bispos nos EUA.
Mas ele não chegou a relaxar as regras sobre o celibato para padres católicos, decepcionando bispos progressistas na América Latina e em outros lugares, que argumentavam que isso seria uma solução para a escassez de religiosos.
Francisco endossou a tolerância zero para padres que abusam sexualmente de crianças, mas as vítimas e seus apoiadores disseram que ele não fez o suficiente para resolver o problema. No maior escândalo de seu pontificado, um ex-diplomata do Vaticano o acusou publicamente de fechar os olhos à má conduta sexual de um cardeal dos EUA e pediu que ele renunciasse.
As decisões de Francisco sobre quem seria nomeado cardeal — os homens que elegerão seu sucessor — foram notavelmente estratégicas. Ele ignorou bispos conservadores proeminentes nomeados por seu antecessor, o papa Bento 16, em dioceses como Los Angeles e Veneza, e nomeou outros de lugares como Tonga e Laos, longe dos principais centros da Igreja. Cerca de dois terços dos cardeais eleitores foram nomeados por ele. É necessária uma maioria de dois terços para a escolha do próximo papa.
Quer o próximo papa dê continuidade ou não à agenda de Francisco, as tensões e a polarização que cresceram sob sua administração provavelmente persistirão em toda a Igreja.
Ele nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, o primeiro de cinco filhos de pai imigrante italiano e uma argentina de origem italiana. Estudou em uma escola secundária vocacional com foco em química e trabalhou ocasionalmente como porteiro em bares locais, onde era conhecido como um competente dançarino de tango.
Pouco antes de seu aniversário de 17 anos, sentiu vontade de entrar em uma igreja e confessar seus pecados. Mais tarde, quando decidiu se tornar padre, sua mãe se opôs, dizendo que esperava que ele seguisse a carreira médica. Ele disse a ela que estudaria a “medicina da alma”.
Depois de se juntar aos jesuítas, ordem que enfatizava a justiça social, o futuro papa se ofereceu para o trabalho missionário no Japão, mas foi recusado, contou ele mais tarde, porque havia perdido parte de seu pulmão direito devido a uma pneumonia aos 20 anos. Foi ordenado sacerdote em 1969 e quatro anos depois foi nomeado provincial, ou líder, dos jesuítas argentinos com a idade extraordinariamente jovem de 36 anos.
Bergoglio ainda tinha esse papel quando uma ditadura militar tomou a Argentina em 1976. Seu histórico naquele período pesaria sobre ele nos próximos anos. Alguns o acusaram de ter colaborado com a “guerra suja” da ditadura contra seus oponentes políticos, incluindo dois jesuítas que foram sequestrados e torturados por vários meses.
O ganhador do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, ex-prisioneiro político da ditadura, mais tarde exonerou Francisco de cumplicidade com o regime e creditou-lhe uma diplomacia silenciosa em nome das vítimas.
O próprio papa reconheceu as críticas ao seu histórico, mencionando sua tendência de tomar decisões rápidas. Depois de fazer inimigos dentro da ordem jesuíta (ele culpou seu próprio jeito autoritário), foi transferido para a cidade de Córdoba, a mais de 400 quilômetros da capital Buenos Aires, onde passou dois anos. Mais tarde, descreveu o momento como uma “grande crise interior”.
O exílio terminou em 1992, quando seu amigo cardeal Antonio Quarracino convenceu o papa João Paulo II a nomeá-lo como um dos bispos auxiliares de Buenos Aires. Quando o cardeal morreu no início de 1998, Bergoglio o sucedeu como líder dos católicos da cidade, e se tornou cardeal em 2001.
Nos anos que se seguiram, Bergoglio ficou conhecido por viver uma vida modesta e a atuar nas favelas de Buenos Aires. Ele rejeitou o palácio do arcebispo em favor de um apartamento simples onde preparava suas próprias refeições e andava de ônibus e metrô em vez de usar um carro com motorista.
Quando João Paulo morreu em 2005, Bergoglio surgiu como o principal candidato progressista para sucedê-lo. João Paulo II reverteu grande parte do ímpeto progressista que se seguiu ao Concílio Vaticano II, que visava reequilibrar o relacionamento da Igreja com o mundo moderno durante a década de 1960. Mas o conclave elegeu Bento XVI, que continuou a linha conservadora do papa anterior.
Então, em fevereiro de 2013, Bento XVI chocou a igreja ao renunciar, alegando a debilidade da velhice.
Bergoglio, então com 76 anos, não estava nas listas de possíveis sucessores. No entanto, silenciosamente, um pequeno grupo de cardeais progressistas fez lobby por sua candidatura. O cardeal também impressionou seus colegas pouco antes da votação com um discurso que disse que a Igreja deve se tornar menos focada em si mesma e direcionar sua energia para a evangelização do mundo em geral. Muitos observadores interpretaram isso como uma resposta implícita à previsão de Bento XVI de que a Igreja no Ocidente estava sendo reduzida a um núcleo fiel.
Apenas na quinta votação, em 13 de março, os cardeais escolheram Bergoglio como o 265º sucessor de São Pedro. Pedro. Quando saiu à varanda da Basílica de São Pedro, estava sem a capa formal que outros papas usaram e cumprimentou a multidão abaixo com um simples “boa noite” antes de pedir que o abençoassem.
Nos dias seguintes, ficou claro que Francisco seria um tipo diferente de pontífice. Ele andava em um Ford Focus e morava em uma suíte de dois quartos na casa de hóspedes do Vaticano, em vez de se mudar para o Palácio Apostólico, onde os papas costumavam dormir.
Criou órgãos para reformar as finanças do Vaticano e sua burocracia na busca de “uma igreja pobre para os pobres”. Isso refletiu a escolha de seu nome papal, em homenagem a São Francisco de Assis, reformador da igreja medieval que abandonou uma vida de riqueza para viver na extrema pobreza.
Continuou os esforços iniciados sob Bento XVI para evitar a lavagem de dinheiro no banco do Vaticano, com vários casos de escândalo, e a instituição foi vista como tendo se endireitado. Centralizou os investimentos do Vaticano e os colocou sob a supervisão de um painel de especialistas externos. Ele elogiou um julgamento no Vaticano de dez pessoas, incluindo um cardeal outrora poderoso, como evidência de maior transparência e responsabilização em relação a esses investimentos. O cardeal está apelando contra sua condenação por prevaricação financeira.
O papa criticou o capitalismo global e muitas vezes chamou a atenção para a situação dos migrantes, como quando rezou na fronteira mexicana por aqueles que morreram tentando chegar aos EUA. Em sua encíclica ecológica de 2015, Laudato Si’, o papa pediu aos líderes políticos que reduzam as emissões de carbono para combater as mudanças climáticas.
Francisco também priorizou melhorar os laços com o mundo islâmico, lavando os pés dos muçulmanos na Quinta-feira Santa, visitando nove países de maioria muçulmana e insistindo que o Islã é, como o cristianismo, uma nação de paz. Também tentou melhorar as relações do Vaticano com a China, dando permissão ao governo comunista de Pequim de opinar sobre a nomeação de bispos lá, embora alguns católicos chineses o acusassem de abandonar a igreja “clandestina” do país, que rejeita o controle do governo.
Se Francisco tinha um sinônimo para seu papado, seria “misericórdia”, a qual foi transformada no tema de um ano especial do jubileu a partir de 2015. Ele costumava falar em colocar o perdão à frente da censura e do julgamento e afrouxou a proibição tradicional da Comunhão para católicos divorciados que se casam novamente sem que seus primeiros casamentos sejam anulados. Ele se encontrou com um casal gay e um homem transgênero, sugeriu que os católicos seguissem sua consciência no uso de métodos contraceptivos para prevenir doenças, apoiou uniões civis para casais do mesmo sexo e pediu o fim das leis anti-homossexualidade.
Os conservadores, incluindo alguns cardeais e bispos, reclamaram que o papa estava extrapolando as linhas da doutrina e até mesmo tentando mudá-la. Temiam também que ele afrouxasse a exigência tradicional de celibato para padres católicos, embora em 2020 ele tenha surpreendido a maioria dos observadores ao decidir não o fazer.
Durante sua gestão, os bispos da Alemanha atuaram como a vanguarda progressista da Igreja, realizando uma série de reuniões nas quais pediram mudanças, incluindo a ordenação de mulheres, as bênçãos para relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, um papel maior para os leigos no governo da Igreja e relaxamento da exigência de celibato para os padres. Embora Francisco tenha expressado algum desconforto com a iniciativa dos alemães e os tenha alertado para não se afastarem muito do resto da Igreja, convocou também um sínodo global, que culminou em reuniões no Vaticano no final de 2024. As conclusões decepcionaram os progressistas que esperavam mudanças dramáticas.
No entanto, nenhuma controvérsia durante seu papado rivalizou com o impacto dos escândalos sobre o abuso sexual de crianças por padres.
Francisco quase não mencionou o assunto no seu primeiro ano. Quando criou um órgão consultivo sobre proteção infantil que incluía ex-vítimas de abuso, não agiu de acordo com nenhuma de suas principais recomendações, incluindo a criação de um tribunal especial para julgar bispos que abusaram ou encobriram abusos.
Bispos nos EUA e em alguns outros países pediram que ele adotasse a prática de impedir permanentemente os abusadores de servir como padres em toda a Igreja. Ele preferiu estabelecer um conselho que reduziu as sentenças de alguns abusadores para períodos curtos de três anos, revertendo a política do papa anterior.
Francisco revoltou as vítimas de abuso sexual novamente em 2018 ao dizer repetidamente que um bispo chileno acusado de encobrir abusos era vítima de calúnia. Depois, disse que havia sido mal informado e aceitou as renúncias de vários bispos chilenos implicados em escândalos de abuso.
Mais tarde, no mesmo ano, um ex-enviado do Vaticano aos EUA acusou o papa de ignorar as alegações de má conduta sexual contra o então cardeal Theodore McCarrick, ex-arcebispo de Washington, D.C., nomeando-o conselheiro.
Francisco esperou alguns meses para negar as acusações, quando um tribunal do Vaticano considerou McCarrick, que negou irregularidades, culpado de abuso sexual de menores e má conduta sexual com adultos. Ele foi o primeiro cardeal nos tempos modernos a ser removido do sacerdócio.
Durante 2019, Francisco respondeu às críticas com uma série de iniciativas de destaque contra o abuso sexual. Elas incluíram uma cúpula global de bispos sobre o assunto, normas para facilitar a punição de bispos que abusam ou encobrem abusos e um relaxamento das regras de sigilo de documentos da Igreja relacionados ao tema, facilitando para as autoridades da Igreja cooperar com a polícia e os promotores. No entanto, os defensores das vítimas de abuso criticaram o processo de investigação e punição dos bispos mencionando a falta de transparência.
Mas o maior legado de Francisco para a Igreja pode ser seu foco em questões sociais e econômicas, especialmente no sul global. Uma continuidade dependerá dos votos do próximo conclave papal. Se assim for, seria um legado adequado para um papa que se descreveu como vindo dos “confins da terra”.
Francis X. Rocca é ex-correspondente do Vaticano e de religião do Wall Street Journal. Escreva para [email protected] .
Traduzido do inglês por InvestNews
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