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A crise da dívida dos Estados Unidos está cada vez mais perto

Os orçamentos equilibrados que os EUA tiveram no final do século 20 não voltarão tão cedo

Por William A. Galston The wall street Journal
Publicado em
5 min
traduzido do inglês por investnews

Apesar da crescente polarização nos Estados Unidos, os partidos Republicano e Democrata são semelhantes em um aspecto importante: ambos agem agora como se os déficits orçamentários não importassem. Políticos de direita e esquerda parecem acreditar que é possível aumentar os gastos, cortar impostos indefinidamente e tomar empréstimos para cobrir o déficit, acumulando a dívida pública — tudo isso sem pagar um preço.

Por que não agradar a todos eliminando os impostos de uma vez e tomando empréstimos para tudo? A resposta é óbvia: nenhum credor em potencial acreditaria que seria reembolsado integralmente. Eles exigiriam, portanto, taxas de juros cada vez mais altas sobre a dívida. Eventualmente, esse carrossel pararia, desencadeando uma crise sem precedentes na história dos EUA.

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A trajetória atual — marcada por crescentes despesas com juros e por receitas estagnadas — também pode entornar o caldo, embora de forma mais lenta. Em algum momento, o volume de dívida necessário para financiar nossos déficits excederia a disposição dos credores de emprestar suas reservas de caixa em condições que não arruinariam a economia.

O fato de isso ainda não ter acontecido não é evidência de que não acontecerá. Isso apenas comprova a sabedoria do famoso lembrete de Adam Smith: “há muita ruína em uma nação”. Podemos nos recuperar de insensatezes episódicas, mas se persistirmos nelas, estamos pedindo problemas.

Vamos relembrar a história recente. A última vez que o governo federal dos EUA teve um superávit orçamentário foi em 2001. A dívida federal detida pelo público era de US$ 3,3 trilhões, cerca de 33% do Produto Interno Bruto (PIB), e o governo estava no caminho para quitá-la completamente até o final da década.

Nas duas décadas seguintes, a combinação de cortes de impostos, aumento de gastos, guerras dispendiosas e a pressão fiscal de uma população envelhecida reverteu essa tendência. A dívida nacional detida pelo público agora supera US$ 28 trilhões, representando 99% do PIB. Somente o déficit orçamentário de 2024 será de quase US$ 2 trilhões, o que representa 7% do PIB. A Comissão de Orçamento do Congresso projeta que, até 2035, a dívida detida pelo público ultrapassará US$ 50 trilhões e a dívida total será equivalente a 122% do PIB.

Esses números podem soar abstratos, mas têm consequências reais. Ao longo do último meio século, os pagamentos de juros sobre a dívida federal foram, em média, 2,1% do PIB, em comparação com 3,1% este ano. Se as tendências atuais continuarem, o pagamento anual de juros atingirá US$ 1,7 trilhão — 4,1% do PIB — até 2034.

A Comissão de Orçamento é obrigada a basear suas estimativas na legislação atual, que inclui a extinção planejada já no próximo ano de muitos dos cortes de impostos feitos em 2017. Mas, se os cortes forem prorrogados, isso tornaria as projeções de déficit e dívida ainda piores. O escritório projeta que os gastos com defesa, que foram em média 4,2% do PIB nos últimos 50 anos, encolherão para 2,8% até 2034. O crescente peso dos pagamentos de juros, incluindo aos credores estrangeiros, dificulta a manutenção da segurança nacional de que os EUA precisam.

Talvez porque uma crise da dívida nacional pareça distante e intangível para o americano médio, os eleitores estão focados em questões mais urgentes, como preços elevados, imigração e aborto. Mas é dever dos funcionários públicos — especialmente candidatos a altos cargos — dizer ao povo o que ele precisa saber, não apenas o que quer ouvir. Ignorar questões difíceis pode render ganhos de curto prazo para os políticos, mas as futuras gerações julgarão esse silêncio de forma severa.

Bolha de sabão representando a dívida americana
A dívida pública dos EUA só cresce/ Ilustração João Brito

Os políticos devem começar falando francamente sobre a rede de segurança social.

Donald Trump concorda com Kamala Harris e a maioria dos democratas que a Seguridade Social e o Medicare devem ser preservados para as futuras gerações sem cortes de benefícios. Mas a receita que alimenta esses programas não é suficiente para financiar os benefícios atuais, e ambos estão operando em déficit.

As reservas da Seguridade Social devem se esgotar em 2033, as do Medicare em 2036. Os republicanos que apoiam Trump na Seguridade Social e no Medicare estão tacitamente endossando o aumento de receita para esses programas. Por que não ser transparente com o povo americano sobre a crise que se aproxima e persuadi-los a começar a aumentar gradualmente as receitas fiscais necessárias para evitá-la?

Os orçamentos equilibrados que tivemos no final do século 20 não voltarão tão cedo. Felizmente, a sustentabilidade fiscal não requer isso. Os políticos devem, no mínimo, estabilizar a dívida pública como uma parcela do PIB para que o peso dos pagamentos de juros e do refinanciamento da dívida cresça no mesmo ritmo da economia.

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Se as projeções de crescimento econômico anual de 2% e as taxas de inflação de longo prazo forem precisas, essa meta exigiria um corte de cerca de US$ 9 trilhões, ou 40%, além da dívida projetada para a próxima década. Trazer a Seguridade Social e o Medicare de volta ao equilíbrio seria um grande passo em direção a esse objetivo, mas teríamos que fazer mais para alcançá-lo. Não podemos ignorar o déficit e a dívida indefinidamente, mesmo que gostemos de fingir que podemos.

traduzido do inglês por investnews