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Airbags falsificados e mortais estão chegando aos veículos

Reguladores federais aceleram prisões, e empresas de automóveis alertam os revendedores para que fiquem mais vigilantes, pois produtos falsificados estão sendo instalados nos veículos em consertos pós-acidente

Por Ryan Felton The wall street Journal
Publicado em
10 min
traduzido do inglês por investnews

Destiny Byassee poderia ter sobrevivido ao acidente que a matou em junho passado se não fosse o airbag falsificado que explodiu em seu rosto.

A jovem de 22 anos, mãe de dois filhos, não sabia que o dispositivo falso havia sido instalado em seu Chevrolet Malibu antes de comprar o carro usado, de acordo com um processo movido pela família em maio.

Quando o dispositivo explodiu, foi “como uma granada”, espalhando metal e plástico afiados pelo veículo, cortando seu pescoço, de acordo com o processo. Quando os socorristas chegaram, ela foi encontrada desacordada e ofegante, segundo o processo e os registros médicos.

O problema preocupante para as montadoras e a aplicação da lei: esse incidente mortal não é um fato isolado. É um dos pelo menos cinco casos do ano passado, nos quais pessoas morreram ou ficaram gravemente feridas devido a airbags falsificados, um número excepcionalmente alto em tão pouco tempo, de acordo com o Automotive Anti-Counterfeiting Council (Conselho Automotivo Antifalsificação), grupo controlado pela indústria que conta com General Motors, Ford Motor e Volkswagen entre seus membros.

E esses são apenas os casos conhecidos, dizem os especialistas. Muitos não são denunciados porque são difíceis de rastrear, e os criminosos têm conseguido evitar a detecção. “Essa é a parte assustadora”, disse Bob Stewart, presidente do conselho.

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Os reguladores federais têm reprimido a atividade por meio de uma série de prisões e condenações desde meados do ano passado, incluindo uma acusação em maio de dois indivíduos que supostamente venderam milhares de airbags não autorizados — muitos feitos de peças usadas e falsificadas —, oferecidos no eBay como novos.

As montadoras também estão alertando as concessionárias para ficarem mais atentas, com muitos imitadores com logotipos e marcações quase idênticos aos das marcas legítimas. Recentemente, a Mazda descobriu módulos falsos, a peça que contêm o airbag e os sensores que o direcionam quando o uso é necessário, feitos para que se pareçam com os produzidos pela fornecedora de peças automobilísticas Autoliv. Nesse caso, os falsos têm um erro óbvio: a palavra Autoliv está escrita incorretamente no inflador.

A atividade recente está reavivando as preocupações sobre airbags falsificados entrando ilegalmente nos EUA e sendo instalados nos veículos, muitas vezes como reposições usadas em consertos após um acidente. As montadoras alertam os revendedores para ficarem atentos às falsificações durante campanhas de recall — o recall geralmente é realizado pelas concessionárias franqueadas dos fabricantes.

Isso também ocorre no momento em que os reguladores federais estão avaliando uma ordem de recall de cerca de 45 milhões de veículos por causa de infladores de airbag potencialmente perigosos, feitos pela fornecedora de peças ARC Automotive, com sede no Tennessee.

As montadoras temem que uma empreitada tão grande possa resultar em motoristas ansiosos e oficinas recebendo involuntariamente os módulos falsos. A Administração Nacional de Segurança de Tráfego Rodoviário, principal reguladora de segurança automotiva dos EUA, está revisando comentários da ARC e das montadoras sobre a possível ordem de recall e ainda não tomou uma decisão sobre o assunto. A ARC declarou que extensos testes de campo não mostram nenhum defeito, e as rupturas de airbag que ocorreram são poucas e isoladas.

Embora os airbags sejam destinados a salvar vidas — e a maioria funcione de forma eficaz —, eles podem ser letais se não forem feitos corretamente. Uma razão é que um componente conhecido como inflador contém produtos químicos perigosos que se inflamam durante um acidente, enchendo rapidamente a almofada com um gás.

Esses materiais precisam ser manuseados e montados corretamente para que não haja o risco de explodir como uma pequena bomba, destruindo o módulo.

A Takata, ex-fornecedora de autopeças, iniciou um dos maiores recalls da história dos EUA devido a airbags defeituosos ligados a explosões fatais.

Quando um airbag instalado pelo fabricante é acionado em um acidente, uma substituição autêntica e específica do modelo é necessária, dizem montadoras e especialistas. Os airbags falsificados normalmente são introduzidos quando os veículos em tais acidentes são consertados por oficinas independentes que compraram falsificações. Enquanto isso, os falsificadores estão ficando mais sofisticados para driblar as autoridades americanas.

Em vez de enviar módulos totalmente montados para os EUA, eles cada vez mais utilizam pequenos pacotes para enviar as peças piratas individualmente, dificultando a detecção, dizem autoridades do governo e da indústria automobilística. Os dispositivos são então montados e vendidos com grandes descontos por vendedores e associados que trabalham com eles.

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Alguns são vendidos por apenas US$ 100 a US$ 350 a peça, mostram os registros judiciais. Um módulo de airbag autêntico pode custar mais de US$ 1 mil.

Dezenas de milhares de airbags falsificados foram apreendidos por policiais nos últimos anos, segundo autoridades do setor.

“Não sabemos o quanto passa na entrada”, disse Thomas Duffy, agente especial do Departamento de Segurança Interna que liderou algumas investigações de airbags falsificados. Não sabemos quanto está sendo montado aqui.”

O que atrai os falsificadores: airbags são vistos como commodity e, como tal, os componentes necessários para fazê-los são fáceis de copiar e podem levar a um lucro significativo, mesmo que não sejam funcionais.

Duffy disse que muitas vezes os falsificadores encomendam uma placa frontal para um módulo de airbag com o logotipo de uma marca, para que pareça novo, e então conseguem o resto dos componentes necessários em ferros-velhos automotivos. Duffy conta que, em um caso que investigou, o falsificador lucrou cerca de US$ 200 por cada unidade de airbag produzida.

“Por trás, é como um Frankenstein, com diferentes partes, peças usadas incluídas na montagem”, explicou ele.

Peças não autorizadas

O problema está no radar do governo há algum tempo.

No início da década passada, os reguladores de segurança automotiva dos EUA alertaram sobre oficinas independentes que instalavam falsificações, dizendo que cerca de cem modelos estavam em risco, e que as imitações vinham principalmente do exterior.

Durante a crise do airbag da Takata, as montadoras ficaram alarmadas ao descobrir que alguns carros trazidos para reparos de recall haviam em algum momento sido equipados com falsificações, incluindo alguns que eram apenas uma casca vazia, disse Teena Bohi, analista de proteção da marca Toyota.

A indústria fez algum progresso na década passada reprimindo as imitações. Mas a pandemia complicou esses esforços, pois as autoridades federais desviaram sua atenção para impedir outras fraudes, e o aumento nas compras on-line deu aos falsificadores uma base de clientes mais ampla, afirmam especialistas do governo e do setor.

A imitação do airbag do Chevrolet Malibu de Byassee tinha peças vindas de uma empresa chinesa chamada Jilin Province Detiannuo Safety Technology, de acordo com o processo movido por sua família. O site da Jilin diz que foi fundada em 2009 e que fabrica componentes para vários produtos, incluindo infladores de airbag, coletes salva-vidas e extintores automáticos de incêndio.

A General Motors, que ajudou na identificação dos componentes, confirmou que a Jilin não é um fornecedor autorizado de suas próprias peças de reposição de airbag. O proprietário da Jilin, Dong Gang, disse que a empresa não tem clientes nos EUA e não estava envolvida no conserto.

À esquerda, um airbag Honda certificado. À direita, um modelo falsificado e preenchido com espuma colorida. Créditos: Roger Kisby/WSJ

A polícia estima que Byassee trafegava a cerca de 45 quilômetros por hora quando quase bateu na traseira de outro carro e entrou em um poste. A dianteira do sedã estava amassada, mas o restante do veículo estava praticamente intacto.

“Você não precisa ser um especialista em biomecânica ou reconstrutor de acidentes para, como leigo, olhar para aquele veículo e dizer: ‘Sim, essa pessoa deveria ter escapado’”, disse Andrew Parker Felix, advogado que representa a família de Byassee.

O Malibu já havia sido propriedade da empresa de aluguel de carros Enterprise, sendo então vendido em leilão para a loja de carros usados DriveTime. Em algum momento, uma oficina de reparos em Hollywood, na Flórida, substituiu o airbag por um que continha peças falsificadas após um acidente em 2022, de acordo com o processo. Não foi possível determinar como as peças fabricadas pela Jilin foram compradas ou quando exatamente foram instaladas.

A Enterprise declarou que está investigando o incidente e que não esteve envolvida no reparo do Malibu. A DriveTime disse que não estava ciente do acidente anterior e que não compra veículos envolvidos em acidentes nos quais o airbag foi acionado.

A oficina citada no processo, a Jumbo Automotive, não respondeu aos pedidos de comentários.

Quase idêntico

Stewart, o funcionário antifalsificação que também trabalha na GM como gerente de proteção de marca, disse que algumas das falsificações são tão convincentes que é preciso um olho treinado para perceber as diferenças.

Em um escritório da GM ao norte de Detroit, ele exibiu dois airbags — um real e um falso. Eles pareciam idênticos, exceto que o falso não apresentava certos adesivos de verificação de qualidade e tinha um logotipo da Chevrolet que parecia ser um pouco menor que o legítimo.

Em março, a polícia invadiu uma oficina na área de Miami e encontrou quase 300 airbags falsificados, incluindo os que não funcionam, cheios de lixo. O dono da loja foi acusado de várias dezenas de crimes, mostram os registros judiciais. O advogado do proprietário disse que seu cliente não estava em condições de saber se os airbags eram falsos, e que cooperou com a polícia.

Naquele mesmo mês, um mecânico de automóveis aposentado no Tennessee se declarou culpado de traficar airbags falsificados, comprar peças da China, montá-las aqui e depois vender as falsificações no eBay para oficinas por US$ 100 a US$ 725 cada.

Na última década, as montadoras intensificaram os esforços de lobby para proibir a venda e a instalação de imitações. Quase três dezenas de estados adotaram essas proibições.

As montadoras também pediram ao eBay que pare a venda de todos os airbags e peças relacionadas em seu site, argumentando que a proibição é a única maneira eficaz de impedir a proliferação de artigos falsos. Outros sites, como Amazon.com e Alibaba, têm políticas que proíbem a venda de peças para airbags.

Um porta-voz do eBay disse que só permite que vendedores pré-aprovados que sigam leis federais e estaduais vendam airbags. Os infratores podem enfrentar suspensão permanente.

Um dos maiores desafios para a indústria automobilística é como alertar aos clientes que o airbag que compraram pode ser falsificado. “Se as pessoas saem e compram uma bolsa de luxo de alto padrão por US$ 50 na rua, ou se recebem uma camiseta com a estampa torta, sabem que estão comprando um artigo falsificado”, disse Duffy, o agente federal.

Escreva para Ryan Felton em [email protected]

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