Atentado contra Trump é a maior falha do Serviço Secreto dos EUA em décadas
O ataque ao ex-presidente é a maior crise na agência de segurança desde que Reagan foi baleado em 1981
O quase assassinato de Donald Trump no sábado (13) representa a maior crise para o Serviço Secreto americano em décadas. A série de investigações vai se concentrar em saber como um atirador solitário de 20 anos conseguiu assumir uma posição de tiro exposta em um telhado aberto, a uma distância de cerca de um campo de futebol do ex-presidente.
A investigação vai provavelmente se concentrar no trabalho avançado do Serviço Secreto que tem como foco proteger edifícios, como aquele perto do comício de Butler, na Pensilvânia, que pertence à American Glass Research e de onde Thomas Matthew Crooks atirou.
“A realidade é que simplesmente não há desculpa para o Serviço Secreto não ter conseguido garantir recursos suficientes para cobrir um telhado aberto a menos de cem metros de distância do local”, disse Bill Pickle, ex-vice-diretor assistente do Serviço Secreto. “E não há desculpa para ele ter conseguido fazer esses disparos.”
Um sniper do Serviço Secreto atirou e matou o suspeito momentos depois de ele ter disparado vários tiros. Crooks usou um fuzil AR-15 que havia sido comprado por seu pai, de acordo com pessoas familiarizadas com a investigação. As autoridades também encontraram dispositivos explosivos no carro que ele dirigia, segundo pessoas com informações sobre a investigação.
Um espectador foi morto e dois ficaram gravemente feridos. O atirador agiu sozinho e não estava no radar do FBI antes do tiroteio, disse Kevin Rojek, agente especial da agência encarregado do escritório de Pittsburgh. Os investigadores ainda estavam tentando entender a ideologia e motivo que teriam levado Crooks ao atentado. Também tentam acessar o celular do atirador e outros de seus dispositivos eletrônicos como parte desse esforço.
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Antes de eventos desse tipo, o Serviço Secreto visita rotineiramente empresas e prédios próximos e trabalha com policiais locais para monitorar e proteger estruturas fora do perímetro de segurança, explicaram ex-agentes.
Pickle disse que os investigadores vão querer avaliar como o Serviço Secreto se comunicou com a polícia local e como utilizou a tecnologia, incluindo drones, para identificar ameaças.
O Serviço Secreto provavelmente também será questionado sobre o quanto dependia da polícia local para obter apoio — e se, nas horas ou minutos anteriores ao tiroteio, as autoridades federais ou estaduais sabiam que uma ameaça estava em andamento.
No sábado (13), quatro equipes de contra-atiradores — duas do Serviço Secreto e duas da polícia local — foram enviadas ao comício de Trump, segundo um porta-voz do Serviço Secreto.
Em entrevistas após o atentado, testemunhas relembraram do horror do som de tiros e da imagem de Trump sendo arrastado por seu destacamento do Serviço Secreto.
Robert Pugar, residente do condado de Allegheny e policial de folga que participava do comício, disse que notou os atiradores da polícia utilizando binóculos pouco antes do tiroteio acontecer. “Eu dizia a mim mesmo: ‘será que eles estão vendo alguma coisa?’. Isso chamou minha atenção. Ou esse seria o modo em que fazem a segurança?”, lembrou Pugar.
Um dia depois, Pugar disse que ainda estava tentando entender tudo. Com toda a tecnologia de segurança de alto nível disponível hoje, “como alguém chegou a 130 metros de distância sem ser reconhecido?”, questionou. “Não podíamos nem estacionar em um raio de cerca de 1,5 quilômetro. Então, como alguém sobe no prédio perto do palco, no telhado?”
Uma testemunha do lado de fora do evento disse à BBC que viu um homem armado rastejando no topo de um prédio e o denunciou à polícia.
“Pensei comigo mesmo: ‘Por que Trump ainda está falando, por que eles não o tiraram do palco?’ Então, logo depois, o som de cinco tiros”, disse a testemunha.
O presidente Biden disse no domingo que Trump, como ex-presidente e provável candidato presidencial republicano, conta com um nível elevado de segurança. Ele acrescentou que instruiu o Serviço Secreto a fornecer a Trump “todos os recursos” e medidas para garantir sua segurança. Biden também afirmou que instruiu o chefe do Serviço Secreto a revisar todas as medidas de segurança para a Convenção Nacional Republicana. E pediu uma revisão independente das medidas de segurança no comício para estabelecer o que aconteceu.
O representante James Comer (Republicano do Kentucky), presidente do Comitê de Supervisão da Câmara, disse poucas horas após o atentado que estava abrindo uma investigação e pediu que a diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, comparecesse em 22 de julho na Câmara.
Agentes individuais mostraram uma tremenda bravura, disse ele, mas acrescentou: “Há muitas perguntas e os americanos exigem respostas”.
O Serviço Secreto é treinado regularmente para uma variedade de cenários, “incluindo o pior cenário de uma tentativa de assassinato contra um de seus protegidos”, disse Charles Marino, que atuou como agente supervisor do Serviço Secreto de Biden durante sua vice-presidência.
Donald Mihalek, agente aposentado do Serviço Secreto, chamou a tentativa de assassinato de histórica, traçando paralelos com o atentado contra Theodore Roosevelt em 1912 em Milwaukee. Roosevelt, então ex-presidente que estava concorrendo a um terceiro mandato na Casa Branca, foi baleado enquanto se dirigia a um evento de campanha. Ele sobreviveu.
Normalmente, o Serviço Secreto tem uma equipe avançada avaliando o local antes de um evento de campanha para elaborar um plano de segurança, explicou Mihalek. Os agentes mensuram a área, determinam o pessoal necessário e trabalham com contra-atiradores para examinar os prédios próximos e as distâncias até onde o presidente ou o candidato presidencial estarão.
Mihalek afirmou que eventos ao ar livre como o de Butler podem ser desafiadores. “Não dá para fechar uma cidade inteira”, disse ele.
A temporada de campanha torna o trabalho ainda mais difícil, continuou. Embora a agenda de um presidente seja normalmente bem mapeada, a de um candidato pode ser errática, com eventos de última hora. Isso dá ao Serviço Secreto menos tempo para planejar, disse Mihalek.
A campanha de Trump anunciou oficialmente o evento de Butler com dez dias de antecedência, em três de julho.
O representante Mike Waltz, republicano da Flórida, escreveu no X (antigo Twitter) que o Departamento de Segurança Interna (DHS na sigla em inglês) negou pedidos de reforço da proteção do Serviço Secreto para Trump — alegação que o porta-voz do Serviço Secreto, Anthony Guglielmi, chamou de absolutamente falsa.
“Na verdade, adicionamos recursos, tecnologia e capacidades de proteção como parte do aumento do ritmo de viagens de campanha”, disse Guglielmi no X. Waltz prometeu chegar ao fundo do que disse ser uma “falha de liderança imensa do Serviço Secreto e do DHS”.
Os republicanos da Câmara estavam furiosos e nervosos durante um briefing de segurança que receberam na tarde de domingo do sargento de armas da Câmara, de acordo com pessoas familiarizadas com a discussão.
Os legisladores saíram da conversa sem qualquer noção da falha de segurança específica para culparem pelo incidente, disse uma pessoa.
Maior crise desde Reagan
Os eventos de sábado marcaram talvez a maior crise de segurança para o Serviço Secreto desde que o presidente Ronald Reagan foi baleado ao deixar o Washington Hilton em 1981 por John Hinckley Jr. Reagan passou 12 dias no hospital depois de ser atingido na axila.
Os holofotes agora recairão sobre Cheatle, a diretora do Serviço Secreto, veterana da agência que assumiu o comando em 2022, após um período turbulento no qual a agência enfrentou controvérsias relacionadas ao manuseio de registros telefônicos do seis de janeiro, de 2021, dia do ataque ao Capitólio.
Um órgão de fiscalização do governo disse que a agência excluiu muitas das mensagens de texto enviadas durante um período de dois dias em torno do ataque ao Capitólio, que poderiam ter esclarecido lapsos de segurança e das ações de Trump durante o ataque. O Serviço Secreto disse que os dados telefônicos de alguns funcionários foram perdidos durante o que chamou de mudança de tecnologia pré-planejada e negou qualquer irregularidade.
Cheatle voltou ao Serviço Secreto depois de trabalhar como diretora sênior da PepsiCo North America, supervisionando instalações, pessoal e continuidade de negócios.
Em sua passagem anterior pelo Serviço Secreto, foi a primeira mulher a servir como diretora assistente de operações de proteção. Sua nomeação para liderar o Serviço Secreto fez dela a segunda diretora feminina da agência. Quando a nomeou diretora, Biden contou que ele e a primeira-dama, Jill Biden, conheceram Cheatle quando ela servia em sua equipe de segurança durante a vice-presidência.
“Ela tem minha total confiança”, disse o presidente em 2022.
Escreva para C. Ryan Barber em [email protected], James Fanelli em [email protected] e Jan Wolfe em [email protected]
traduzido do inglês por investnews