Consumidores ricos se ajoelham pela bolsa mais cobiçada do mundo. Faz sentido?
A Birkin da Hermès é um dos símbolos de riqueza mais visíveis do mundo da moda. A questão é se vale a pena o investimento
Você pode multiplicar seu dinheiro em cinco minutos comprando uma bolsa Birkin na boutique Hermès mais próxima e depois revendendo-a. Mas colocar as mãos na bolsa mais procurada do mundo é muito mais complicado do que parece.
Uma Birkin 25 de couro preto básica custa US$ 11.400 na loja da Hermès. Os compradores podem sair da loja e entregá-la imediatamente a um revendedor como a Privé Porter por US$ 23 mil em dinheiro vivo. A Privé Porter venderá a Birkin no Instagram ou em sua loja pop-up em Las Vegas, possivelmente no mesmo dia — na caixa, com recibo, por até US$ 32 mil. Tudo isso por uma bolsa que analistas estimam custar à Hermès cerca de US$ 1 mil.
O mercado incomum da Birkin alterou o equilíbrio normal de poder entre o comprador e o funcionário da loja. Na boutique da Hermès, é o comprador que se ajoelha. Algumas das mulheres mais ricas do mundo trouxeram biscoitos feitos em casa para a loja para mimar sua assistente de vendas. Ofereceram ingressos para shows da Beyoncé, viagens para o Festival de Cannes em um jato particular e até envelopes recheados de dinheiro para colocar as mãos em uma Birkin.
Os compradores também gastam dezenas de milhares de dólares em produtos Hermès que talvez nem quisessem, como uma canoa de US$ 87.500, para se manterem na disputa por uma bolsa rara.
A Birkin completa 40 anos este ano e está amadurecendo e se tornando um fenômeno. Ter uma é mostrar que a pessoa pode se dar ao luxo de gastar entre US$ 10 mil e US$ 100 mil em uma bolsa. A peça agrada às Kardashians, que possuem coleções extensas, mas também à presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, que é frequentemente fotografada a caminho de reuniões carregando uma Birkin.
A bolsa é a âncora da fortuna de US$ 150 bilhões da família fundadora da Hermès. Mas eles não são os únicos a ficar ricos: um exército de revendedoras não oficiais em todo o mundo lucra com o produto.
A Birkin chegou às prateleiras em 1984, alguns anos depois que a falecida atriz Jane Birkin e Jean-Louis Dumas, então presidente-executivo da Hermès, se conheceram em um voo para Londres. Depois de reclamar que ela não conseguia encontrar a bolsa do tamanho certo, os dois desenharam uma juntos — em um guardanapo de papel ou em um saco para enjoo da Air France, dependendo de quem conta. Em troca de emprestar seu nome ao novo produto, a Hermès pagava a Birkin uma quantia anual em royalties.
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A história sobre a criação da bolsa é parte de seu apelo e uma das razões pelas quais os concorrentes encontram dificuldades para replicar seu sucesso. “É uma história ótima”, disse David Dubois, professor associado de marketing da escola de negócios Insead. Os compradores gostam da “casualidade do encontro” e do fato de que uma mulher que era admirada por seu estilo teve influência direta em seu design.
A bolsa não foi um sucesso imediato. Durante o início dos anos 1990, os compradores podiam entrar em uma boutique Hermès e ver uma exibida na prateleira. As Birkins eram revendidas pelo preço original naquela época.
Mas algo mudou nos anos após a crise financeira de 2008-09, de acordo com Matthew Rubinger, agora diretor comercial da loja on-line 1stDibs e uma das primeiras pessoas a reconhecer o potencial de revenda da Birkin. Taxas de juros baixíssimas significaram que mais dinheiro estava circulando, e ele foi descobrindo o caminho para ativos alternativos.
Além disso, era de mau gosto usar uma “it bag” nova a cada temporada, dada a crise econômica. Isso ajudou os designs sem logotipo, como a Birkin. Rubinger estabeleceu os departamentos de bolsas da Heritage Auctions e da Christie’s e os transformou em negócios multimilionários. Quando as raras Himalaya Birkins bateram recordes em leilões, as pessoas perceberam.
“Quando começaram a custar mais de US$ 100 mil, as coisas ficaram mais sérias”, disse ele.
Hoje, quem quer uma Birkin na loja da Hermès precisa se esforçar muito. Primeiro, é preciso estabelecer um bom relacionamento com um dos assistentes de vendas da marca. O próximo passo é gastar dinheiro com outros artigos, como lenços de seda, relógios e sapatos, para “se qualificar” para uma bolsa, de acordo com colecionadores de Birkins.
Quando uma remessa de Birkins chega a uma loja da Hermès vinda da França, o gerente de artigos de couro atribui as bolsas a assistentes de vendas individuais, todos com uma lista de clientes ricos esperando para receber uma delas. O assistente de vendas deve explicar qual indivíduo dessa lista merece receber uma oferta da Birkin e obter a aprovação do gerente.
Isso criou uma percepção entre os compradores da Hermès de que os maiores gastadores são os primeiros a ter acesso às Birkins. A Hermès está sendo processada em um tribunal da Califórnia por dois compradores chateados, que alegam que a marca só vende Birkins para clientes “dignos” e condiciona a compra da bolsa à compra de outros itens na loja. A Hermès disse em um processo judicial recente que não exige que os clientes comprem outros produtos antes de obter uma das cobiçadas bolsas.
Quanto os compradores precisam desembolsar para ter vez na fila da bolsa?
Os colecionadores de Birkins dizem que não há uma regra rígida, mas que a maioria das pessoas pode esperar desembolsar US$ 10 mil ou mais em lenços, sapatos e roupas Hermès antes de receber uma Birkin básica. Para conseguir uma rara, como a Himalaya Birkin, podem precisar gastar US$ 200 mil ou mais.
Isso é conhecido como “pré-gasto” da Hermès ou “nível de gastos” nos círculos de colecionadores de Birkins. A Hermès nunca explicita isso, nem nunca usou esses termos. Mas aqueles que esperam por uma Birkin dizem que foram informados por seus assistentes de vendas que precisam visitar a loja com mais frequência. Os revendedores dizem que os assistentes de vendas da Hermès não ganham comissões sobre as Birkins, mas que podem aproveitar a procura pela bolsa para vender outros produtos pelos quais são recompensados.
Mesmo depois de gastar dezenas de milhares de dólares, os caçadores de Birkins podem não receber a bolsa do tamanho ou da cor que desejam. Isso cria uma oportunidade de ouro para os revendedores.
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Digamos que uma mulher que faz compras da marca regularmente quer uma Birkin vermelha, mas uma verde lhe foi oferecida. Em vez de parecer ingrata — porque é importante manter a assistente de vendas ao seu lado nessa caçada — ela comprará a bolsa, sabendo que pode ser vendida com lucro, e então esperar por uma vermelha mais tarde.
A Hermès sabe que seus principais clientes estão revendendo as bolsas. Leia as letras miúdas em um recibo da Birkin e a empresa pede que seus clientes não revendam, “direta ou indiretamente, com fins comerciais, produtos Hermès comprados em nossas boutiques”. Nenhum comprador da Hermès se dispôs a dar um depoimento para este artigo sobre a experiência de revenda, preocupados com a possibilidade de entrar na lista negra da marca.
O mercado de revenda se tornou uma espécie de “botão compre-agora” das Birkins, disse Michelle Berk, fundadora da Privé Porter. Alguns compradores estão dispostos a pagar muito dinheiro para rapidamente colocar as mãos em uma Birkin, na cor que desejam. Eles podem não ter paciência para seguir os passos necessários para garantir uma delas na loja da Hermès.
No passado, revendedores recrutavam comissários de bordo ou estudantes estrangeiros para comprar bolsas Birkin nas lojas da Hermès em todo o mundo em troca de uma taxa. Agora, os revendedores recebem a maior parte de seu suprimento de clientes VIP da Hermès. Eles também conseguem as Birkins negociando com colegas no WhatsApp. Se os clientes estão procurando um tamanho ou cor que um vendedor não tem em estoque, é possível fazer uma chamada no chat de grupo dos revendedores para ver se alguém tem o modelo.
Uma maneira pela qual os caçadores de Birkins aceleram uma compra na loja é gastando com móveis ou joias finas da marca, disse Judy Taylor, fundadora da Madison Avenue Couture e revendedora de bolsas há 15 anos.
Eles podem comprar um cesto de lixo de US$ 8 mil para o home office, uma pulseira de ouro de US$ 70 mil ou um sofá de US$ 140 mil. Taylor disse que as vendas da Hermès em categorias como joias finas ou relógios, nas quais a marca não é tão conhecida, são pelo menos parcialmente impulsionadas pelos caçadores de Birkins.
“Sem querer ofender a Hermès, mas se você puder comprar um colar da Van Cleef pelo mesmo preço que um da Hermès, provavelmente irá para a Van Cleef”, disse ela.
De fato, grandes gastadores recebem as ofertas dos produtos que procuram. A Hermès tem uma linha menor de esquis, skates e equipamentos de pesca para clientes super-ricos e pode personalizar o interior de um iate ou helicóptero. Berk, da Privé Porter, recebeu uma mensagem de um cliente a quem foi oferecida uma canoa de US$ 87.500. Esses compradores têm acesso às Birkins mais raras.
Uma quantidade extraordinariamente grande de novos estoques da Hermès acaba sendo vendida no mercado de segunda mão — outro sinal de que a mania da Birkin pode estar impulsionando as vendas de produtos que os clientes realmente não querem. De todos os itens não relacionados à bolsa Hermès no RealReal, 35% estão em perfeitas condições, de acordo com dados fornecidos pelo site de revenda de luxo. A média de outros estilistas no RealReal, incluindo Louis Vuitton, Gucci, Prada, Bottega Veneta e Saint Laurent, é de 20%.
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A popularidade da Birkin é muito lisonjeira para a Hermès e também pode ajudar a empresa a manter seu orçamento de marketing baixo. Ela não precisa se promover quando as celebridades espalham de graça as fotos de suas bolsas nas redes sociais. Em 2023, a Hermès reinvestiu 4% de suas vendas em promoções, em comparação com 12% na rival LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton.
Contudo, esse alvoroço causa problemas para a Hermès. No ano passado, a empresa teve que demitir funcionários em sua loja do Miami Design District depois que alguns clientes receberam mais do que a quota oficial de Birkins, de acordo com fontes. Os colecionadores dizem que a Hermès só permite duas bolsas por ano por indivíduo, mas os funcionários podem estar ajudando os compradores a contornar essa barreira.
Compradores e revendedores tentaram subornar seu acesso às Birkins. A Hermès tem regras rígidas sobre o que os clientes podem ou não dar de presente aos assistentes de vendas. Caçadores de Birkins bem comportados dão produtos que podem ser entregues abertamente na loja e compartilhados entre os funcionários — daí os biscoitos feitos em casa. Bandejas de baklava são outra opção.
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A Hermès não gosta da revenda, mas marcar os revendedores prejudicaria os interesses da marca. A empresa elevou os preços de suas Birkins de peles exóticas em cerca de 20% em janeiro. Os revendedores acham que a medida visava diminuir os lucros no mercado de usados, mas não funcionou. Os revendedores repassaram o aumento a seus clientes sem problemas.
A Hermès poderia aumentar a produção e inundar o mercado com novas bolsas. Isso acabaria com o incentivo financeiro para revender Birkins, mas também destruiria sua mística.
Por que as mulheres — e cada vez mais os homens — desejam tanto uma Birkin?
Uma justificativa para gastar grandes somas em uma bolsa é que a Birkin é um bom investimento. Só que, de fato, não é bem assim. Todo lucro na revenda de uma bolsa comprada na loja será pequeno depois de considerar os milhares de dólares gastos em outros produtos para se qualificar.
Uma bolsa proveniente de um revendedor ou na Christie’s tem vantagem limitada porque um aumento de preço pesado é considerado. Uma Birkin comprada em leilão em 2010 seria vendida por cerca de 50% a mais hoje, de acordo com dados da Art Market Research. Arte contemporânea, relógios e carros clássicos tiveram um desempenho melhor. As ações da Hermès têm sido um investimento muito mais inteligente do que uma Birkin, subindo mais de 20 vezes desde 2010.
Os compradores parecem cobiçar a Birkin porque é rara, cara e bem feita. Não há símbolo de status melhor para aqueles que querem exibir sua riqueza. E a caçada envolvida na obtenção de uma delas pode ser o ponto principal. Compradores ricos toleram a espera na loja da Hermès de uma maneira que não seria aceitável em outras áreas de sua vida.
Até mesmo a forma como uma pessoa trata uma Birkin se transformou em uma espécie de código. Alguns colecionadores as armazenam em caixas de vidro, quase sem usá-las. Isso preserva seu valor de revenda.
Mas a supermodelo Irina Shayk foi fotografada no ano passado carregando seu cachorro em uma Birkin em couro de crocodilo preto. De acordo com Sasha Skoda, vice-presidente de merchandising da RealReal, o subtexto da tendência “Birkin caótica” é que você tem que ser muito rico para tratar uma bolsa de US$ 40 mil de forma casual. Jane Birkin também era desleixada com suas bolsas, cobrindo-as com adesivos políticos e amarrando amuletos nas alças. Uma de suas Birkins pretas foi vendida em leilão por 119 mil libras em 2021, cerca de US$ 150 mil no câmbio atual.
Marcas de luxo rivais estão tentando criar concorrência à altura. A Louis Vuitton lançou recentemente uma bolsa de US$ 1 milhão. A Chanel quase dobrou o preço de sua clássica bolsa de retalhos em quatro anos para torná-la mais exclusiva.
Por enquanto, porém, o reinado das Birkins parece seguro. Se você quiser ter uma, melhor gastar bastante na loja da Hermès.
Escreva para Carol Ryan em [email protected]
traduzido do inglês por investnews