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De repente, não há bebês o suficiente. O mundo todo está alarmado

As taxas de natalidade caem rapidamente em todos os países, com consequências econômicas, sociais e geopolíticas

Por Greg Ip The wall street Journal
Publicado em
16 min
traduzido do inglês por investnews

O mundo vive um marco demográfico surpreendente. Em breve, a taxa de fecundidade global cairá abaixo do ponto necessário para manter a população constante. Isso pode já ter acontecido.

A fecundidade está caindo em quase todos os lugares, entre as mulheres de todos os níveis de renda, educação e participação na força de trabalho. A queda das taxas de natalidade tem enormes implicações na forma em que as pessoas vivem, em como as economias crescem e na posição das superpotências mundiais.

Rosie Ettenheim – THE WALL STREET JOURNAL

Em países de alta renda, a fecundidade caiu abaixo da reposição na década de 1970 e piorou durante a pandemia. E está caindo nos países em desenvolvimento também. A Índia ultrapassou a China como o país mais populoso no ano passado, mas o número de nascimentos está agora abaixo da reposição.

“O inverno demográfico está chegando”, afirmou Jesús Fernández-Villaverde, economista especializado em demografia da Universidade da Pensilvânia.  

Muitos líderes governamentais veem isso como uma questão de urgência nacional. Estão preocupados com a redução da força de trabalho, com o abrandamento do crescimento econômico e com o subfinanciamento das aposentadorias, além da vitalidade de uma sociedade com cada vez menos filhos. Populações menores têm sua influência global diminuída, levantando questões nos EUA, na China e na Rússia sobre suas posições de superpotências em longo prazo.

Alguns demógrafos acham que a população mundial pode começar a encolher dentro de quatro décadas — uma das poucas vezes que isso aconteceu na história.

Donald Trump, o provável candidato presidencial republicano deste ano, chamou o colapso da fecundidade de uma ameaça maior à civilização ocidental do que a Rússia. Há um ano, o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, declarou que o colapso da taxa de natalidade do país o faz questionar “se podemos continuar a funcionar como sociedade”. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, prioriza o aumento do “PIB demográfico” do país.

Os governos lançaram programas para deter o declínio, mas até agora não conseguiram nada efetivo.

Surpresa demográfica

Em 2017, quando a taxa global de fecundidade — um retrato de quantos bebês espera-se que uma mulher tenha ao longo da vida — era de 2,5, as Nações Unidas avaliaram que esse número cairia para 2,4 até o final de 2020. No entanto, em 2021, concluiu a ONU, já estava em 2,3 — perto do que os demógrafos consideram a taxa de reposição global de cerca de 2,2. A taxa de substituição, que mantém a população estável ao longo do tempo, é de 2,1 nos países ricos e ligeiramente maior nos países em desenvolvimento, onde nascem menos meninas do que meninos e mais mulheres morrem em idade fértil.

Embora a ONU ainda não tenha publicado as taxas de fecundidade estimadas para 2022 e 2023, Fernández-Villaverde produziu sua própria estimativa complementando as projeções das Nações Unidas com dados reais para esses anos abrangendo cerca de metade da população mundial. Ele mostrou que os registros nacionais de nascimento normalmente relatam nascimentos entre 10% e 20% abaixo do que a ONU projetou. 

A China registrou nove milhões de nascimentos no ano passado, 16% a menos do que o projetado no cenário da ONU. Nos EUA, 3,59 milhões de bebês nasceram no ano passado, 4% a menos que o esperado pela ONU. Em outros países, os números são ainda maiores: o Egito registrou 17% menos nascimentos no ano passado. Em 2022, o Quênia registrou 18% a menos.

Fernández-Villaverde estima que a fecundidade global caiu para entre 2,1 e 2,2 no ano passado, o que, segundo ele, ficaria abaixo da reposição global pela primeira vez na história da humanidade. Dean Spears, economista populacional da Universidade do Texas em Austin, disse que, embora os dados não sejam bons o suficiente para saber exatamente quando ou se a fecundidade caiu abaixo da reposição, “temos evidências suficientes para quase garantir que o ponto de virada não está longe”.

Em 2017, a ONU projetava que a população mundial, então de 7,6 bilhões, continuaria aumentando e chegaria a 11,2 bilhões em 2100. Em 2022, houve uma revisão e a previsão do pico de 10,4 bilhões foi antecipada para a década de 2080. Isso também provavelmente está desatualizado. O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington agora acredita que o mundo atingirá o pico de cerca de 9,5 bilhões em 2061 e depois começará a diminuir. 

Nos EUA, o pequeno e curto baby-boom da pandemia já foi revertido. A taxa de fecundidade total caiu para 1,62 no ano passado, segundo dados provisórios do governo, a menor já registrada.

Se tivesse ficado perto de 2,1, onde estava em 2007, os EUA teriam cerca de 10,6 milhões de bebês a mais desde então, de acordo com Kenneth Johnson, demógrafo sênior da Universidade de New Hampshire.

Em 2017, quando a taxa de fecundidade era de 1,8, o Escritório do Censo projetou que, no longo prazo, ela chegaria a 2,0. Desde então, revisou isso para 1,5. “Isso nos surpreendeu”, disse Melissa Kearney, economista da Universidade de Maryland especializada em demografia.

Uma segunda transição demográfica?

Os historiadores se referem ao declínio da fecundidade que começou no século XVIII nos países industrializados como transição demográfica. À medida que a expectativa de vida crescia e mais crianças sobreviviam até a idade adulta, o impulso para ter mais filhos ia diminuindo. Conforme aumentava a instrução das mulheres e sua participação na força de trabalho, elas adiavam o casamento e a gravidez, resultando em menos filhos. 

Agora, disse Spears, a situação “é que as taxas de natalidade são baixas ou estão caindo em muitas sociedades e em economias diversas”.

Alguns demógrafos veem isso como parte de uma “segunda transição demográfica”, uma reorientação da sociedade para o individualismo, que coloca menos ênfase no casamento e na paternidade e torna a ideia de ter menos filhos, ou nenhum filho, mais aceitável. 

Nota: As taxas são por 1.000 mulheres na faixa etária especificada. Os dados de 2023 são provisórios.
Fonte: Centros de Controle e Prevenção de Doenças – Rosie Ettenheim/JORNAL DE WALL STREET


Nos EUA, alguns acreditavam, a princípio, que as mulheres estavam simplesmente adiando a maternidade por causa da persistente incerteza econômica da crise financeira de 2008.

Em pesquisa publicada em 2021, Kearney, da Universidade de Maryland, e dois coautores buscaram possíveis explicações para a queda contínua. Eles descobriram que as diferenças estaduais nas leis de notificação de aborto parental, o desemprego, a disponibilidade do Medicaid, os custos de moradia, o uso de contraceptivos, a religiosidade, os custos de cuidados infantis e a dívida estudantil quase não conseguiam explicar o declínio. “Suspeitamos que essa mudança reflete questões sociais amplas que são difíceis de medir ou quantificar”, concluem.

Kearney disse que, embora criar filhos não seja mais tão caro quanto antes, as preferências dos pais e as restrições por eles percebidas mudaram: “Se as pessoas têm preferência por passar o tempo se dedicando à carreira, ao lazer, aos relacionamentos fora de casa, é mais provável que isso entre em conflito com a criação de filhos”. 

Enquanto isso, os dados de uso do tempo mostram que mães e pais, especialmente os altamente escolarizados, passam mais tempo com seus filhos do que no passado. “A intensidade da paternidade/maternidade é uma restrição”, afirmou Kearney.

Erica Pittman, banqueira de negócios de 45 anos em Raleigh, na Carolina do Norte, contou que ela e seu marido optaram por ter apenas um filho por causa de demandas de tempo, incluindo cuidar de sua mãe, que morreu no ano passado após uma longa batalha contra a esclerose múltipla. Seu filho de oito anos pode participar de oficinas de teatro, futebol e acampamentos de verão porque o casal, com uma renda combinada de cerca de US$ 225.000 anuais, tem mais tempo e dinheiro.

A família Pittman em Raleigh, Carolina do Norte FOTO: ANGELA OWENS/THE WALL STREET JOURNAL

“Eu me sinto uma mãe melhor”, afirmou Pittman. “Sinto que posso ir para o trabalho — porque tenho um emprego bastante exigente —, mas também posso arranjar tempo para ser voluntária na escola dele, ser acompanhante da viagem de campo e fazer esses tipos de coisas, porque só tenho uma para coordenar com minha agenda.” 

Pittman disse que só questiona a decisão quando o filho comenta que gostaria de ter um irmão com quem brincar. Em resposta, ela e o marido, professor de história do ensino médio, escolhem viagens de férias que tenham um apelo infantil, como um cruzeiro da Disney, para que o menino possa brincar com outras crianças de sua idade.

“Conectadas à cultura global”

A fertilidade está abaixo dos índices de substituição na Índia, mesmo este ainda sendo um país pobre onde muitas mulheres não trabalham — fatores que geralmente incentivam a natalidade.

A urbanização e a internet deram até mesmo às mulheres em aldeias tradicionalmente dominadas por homens um vislumbre de sociedades onde menos filhos e mais qualidade de vida são a norma. “As pessoas estão conectadas à cultura global”, afirmou Richard Jackson, presidente do Global Aging Institute (Instituto de Envelhecimento Global), grupo de pesquisa e educação sem fins lucrativos. 

Mae Mariyam Thomas, de 38 anos, que mora em Mumbai e dirige uma produtora de áudio, contou que optou por não ter filhos porque nunca percebeu o chamado da maternidade. Ela vê suas colegas lutando para encontrar a pessoa certa, se casando mais tarde e, em alguns casos, se divorciando antes de terem filhos. Pelo menos três de suas amigas congelaram seus óvulos, disse ela.

“Acredito que vivemos agora em um mundo realmente diferente, então acho que para qualquer pessoa é difícil encontrar um parceiro.” 

Países da África Subsaariana já pareceram resistentes à queda global da fecundidade, mas isso também está mudando. A participação de todas as mulheres em idade reprodutiva que usam contraceptivos modernos cresceu de 17% em 2012 para 23% em 2022, de acordo com a organização internacional Family Planning 2030.

Mae Mariyam Thomas, em sua casa em Mumbai, na Índia, optou por não ter filhos. FOTO: ATUL LOKE/THE WALL STREET JOURNAL

Jose Rimon, professor de saúde pública da Universidade Johns Hopkins, credita isso a um impulso dos líderes nacionais do continente que, segundo ele, está reduzindo a fecundidade mais rapidamente do que o ritmo projetado pela ONU. 

Uma vez que um ciclo de baixa natalidade entra em ação, ele efetivamente redefine as normas de uma sociedade e, portanto, é algo difícil de romper, explicou Jackson, do Global Aging Institute. “Quanto menos filhos você vê seus colegas, amigos e vizinhos tendo, isso muda todo o clima social.”

Danielle Vermeer era a terceira de quatro filhos no Norte de Chicago, onde seu bairro estava cheio de católicos de ascendência italiana, irlandesa e polonesa e metade de seus amigos próximos tinha tantos irmãos quanto ela, ou mais. Seu pai ítalo-americano foi um dos quatro filhos que geraram 14 netos. Agora, seus pais têm cinco netos, incluindo os dois filhos de Vermeer, de 4 e 7 anos.

A atriz de 35 anos, que é cofundadora de um aplicativo de brechó, disse que, antes de começar a ter filhos, consultou dezenas de outros casais, sua igreja católica e leu pelo menos oito livros sobre o assunto, incluindo um do papa Paulo VI. Ela e o marido decidiram que dois era o número ideal.

“O ato de trazer uma criança para este mundo é uma responsabilidade incrível”, afirmou ela.

Fonte: Nações Unidas Rosie Ettenheim/THE WALL STREET JOURNAL

Novas políticas

Os governos estão tentando reverter a queda da natalidade com políticas de incentivo.  

Talvez nenhum país tente isso há mais tempo que o Japão. Depois que a fecundidade caiu para 1,5 no início dos anos 1990, o governo lançou uma sucessão de planos que incluíam licença parental e cuidados subsidiados para os filhos. A taxa de natalidade continuou caindo.

Em 2005, Kuniko Inoguchi foi nomeada a primeiro ministra responsável pela igualdade de gênero e natalidade. O principal obstáculo, segundo ela, era o dinheiro: As pessoas não tinham condições de se casar ou ter filhos. O Japão garantiu a gratuidade dos hospitais e estipulou uma quantia a ser paga no nascimento da criança. 

A taxa de fecundidade do Japão subiu de 1,26 em 2005 para 1,45 em 2015. Mas depois voltou a cair e, em 2022, retornou a 1,26.

Este ano, o primeiro-ministro Fumio Kishida lançou mais um programa para incentivar os nascimentos, estendendo os subsídios mensais a todos os menores de 18 anos, independentemente da renda, faculdade gratuita para famílias com três filhos e licença parental totalmente paga.

Inoguchi, agora integrante da câmara alta do Parlamento, disse que a questão dos futuros pais não é mais dinheiro, mas tempo. Ela pressionou o governo e as empresas a adotarem a semana de trabalho de quatro dias. “Se você é um funcionário do governo ou gerente de uma grande corporação, não deve se preocupar com questões de salário agora, mas sim com o fato de que, daqui 20 anos, você não terá nem clientes nem candidatos às Forças Armadas.”

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, promoveu uma das agendas de natalidade mais ambiciosas da Europa. No ano passado, ampliou os benefícios fiscais para mães, para que mulheres com menos de 30 anos que tenham um filho fiquem isentas do pagamento de imposto de renda para o resto da vida. Isso sem contar os subsídios de moradia e creche, além de generosas licenças-maternidade. 

A taxa de fecundidade da Hungria, embora ainda bem abaixo da reposição, aumentou desde 2010. Mas o Instituto de Demografia de Viena atribuiu isso principalmente às mulheres que adiaram o parto por causa de uma crise de dívida ocorrida por volta de 2010. Mesmo com esse ajuste, o número de nascimentos aumentou apenas ligeiramente, concluiu. 

Nos EUA, embora os legisladores estaduais e federais tenham pressionado para expandir os subsídios de cuidados infantis e a licença parental, eles em geral não estabeleceram um aumento da taxa de natalidade como uma meta explícita. Alguns republicanos, no entanto, se inclinam nessa direção. No ano passado, Trump disse que apoiava o pagamento de “bônus para bebês”, para sustentar nascimentos nos EUA, e a candidata republicana ao Senado pelo Arizona, Kari Lake, recentemente endossou a ideia. 

O senador republicano J.D. Vance, de Ohio, explicou que a queda da fecundidade vai além das pressões econômicas de uma força de trabalho menor e da falta de fundos para as pensões dos aposentados. “Você vive em comunidades onde há crianças sorridentes e felizes, ou onde as pessoas estão apenas envelhecendo?”, disse em entrevista. A falta de irmãos e primos, segundo ele, contribui para o isolamento social das crianças. 

Vance estudou possíveis soluções, em particular a abordagem da Hungria, mas não viu provas de algo que funcione em longo prazo. 

O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde encontrou poucas evidências de que políticas pró-nascimentos levem a retomadas sustentadas na fecundidade. Uma mulher pode engravidar mais cedo para obter as vantagens garantidas ao bebê, dizem os pesquisadores, mas provavelmente não terá mais filhos ao longo da vida.

Pressão econômica

Sem uma reversão nas taxas de natalidade à vista, as pressões econômicas que se seguem estão se intensificando. Desde a pandemia, a escassez de mão de obra se tornou endêmica em todos os países desenvolvidos. Isso só vai piorar nos próximos anos, à medida que a queda nas taxas de natalidade pós-crise produz um fluxo cada vez menor de trabalhadores jovens, colocando mais pressão sobre os sistemas de saúde e aposentadoria. 

Neil Howe, demógrafo da Hedgeye Risk Management, mencionou para um relatório recente do Banco Mundial sugerindo que a piora demográfica pode fazer desta a segunda “década perdida” consecutiva para o crescimento econômico global.

O remédio usual adotado por países avançados é mais imigração, mas isso tem dois problemas. À medida que mais países enfrentam a estagnação de sua população, a imigração para eles é um jogo em que sairão perdendo. Historicamente, países procuram imigrantes qualificados que entram através de canais formais e legais, mas os fluxos recentes têm sido predominantemente de pessoas não qualificadas, muitas vezes entrando ilegalmente e solicitando asilo.

Altos níveis de imigração também historicamente despertaram resistência política, muitas vezes por preocupações com mudanças culturais e demográficas. É provável que o encolhimento da população nativa intensifique essas preocupações. Muitos dos líderes mais interessados em aumentar as taxas de natalidade são mais resistentes à imigração.

À medida que as taxas de natalidade vão caindo, mais regiões e comunidades experimentam o despovoamento, com consequências que vão desde escolas fechadas até valores estagnados de imóveis. Faculdades menos seletivas em breve terão dificuldades para preencher suas vagas por causa da diminuição da fecundidade que começou em 2007, explicou Fernández-Villaverde. Vance disse que os hospitais rurais não conseguem ficar abertos por causa do encolhimento da população local.  

Uma economia com menos filhos terá dificuldades para financiar aposentadorias e cuidados de saúde para um número cada vez maior de idosos. Calcula-se que o fundo de pensão nacional da Coreia do Sul, um dos maiores do mundo, vai se esgotar até 2055. Uma comissão legislativa especial apresentou recentemente várias possíveis reformas da seguridade social, mas há pouco tempo para agir antes que a próxima campanha para a presidência comece.

Houve pouca pressão pública por ação, disse Sok Chul Hong, economista da Universidade Nacional de Seul. “Os idosos não estão muito interessados na reforma da Previdência, e os jovens não ligam para a política”, disse. “É realmente uma situação irônica.”

traduzido do inglês por investnews