Eleição americana pode colocar em risco controle da inflação nos EUA
Ambos os candidatos têm grandes planos de gastos, mas economistas dizem que as propostas de Trump oferecem o maior risco de aumentos de preços
Uma dura batalha de dois anos e meio para reduzir a inflação parece estar dando resultados nos Estados Unidos. Agora, a eleição pode mudar isso.
A inflação caiu graças a taxas de juros mais altas e uma boa ajuda do restabelecimento das cadeias de suprimentos e o saldo positivo de trabalhadores. Porém, a possibilidade de os empréstimos e os preços continuarem a cair no próximo ano pode dependem fortemente das escolhas políticas de Donald Trump ou Kamala Harris.
Ambos os candidatos defendem publicamente políticas para impulsionar o crescimento, o que pode desacelerar queda da inflação. Entretanto, economistas e até conselheiros de tendência conservadora temem – em particular – que Trump reacenda as brasas da inflação com suas ideias, se for eleito. Entre elas, há propostas de impor tarifas generalizadas sobre produtos importados, deportar trabalhadores e delegar ao Federal Reserve a tarefa de reduzir as taxas de juros.
“Junte tudo isso e iremos em uma direção inflacionária. Estou legitimamente preocupado com o agravamento da inflação em 2025”, afirmou Brian Riedl, ex-assessor republicano do Senado atualmente no conservador Instituto Manhattan.
Além disso, um segundo mandato de Trump se desenrolaria em um cenário econômico muito diferente do primeiro, quando as pressões sobre os preços estavam baixas e estáveis há muitos anos. Nos últimos dias, os rendimentos dos títulos subiram com as expectativas de que Trump ganhará a presidência e que seu novo mandato traria déficits mais altos, inflação ou ambos.
Dado o ambiente econômico diferente e as políticas de maior alcance que Trump propõe, é razoável temer que a ameaça de inflação seja reverberada em um segundo mandato, avalia Marc Short, que atuou como diretor de Assuntos Legislativos durante o governo trumpista. As propostas do candidato podem levá-lo a novas batalhas com a autoridade monetária americana, que tem como missão manter baixa a inflação.
A inércia do aumento de preços é em grande parte impulsionada por forças globais, não por presidentes individualmente. Durante o mandato de Trump, resquícios da crise financeira global de 2008 mantiveram a demanda e as pressões inflacionárias reprimidas em todo mundo. A inflação disparou logo após a posse do presidente Biden, quando os EUA reabriram após a pandemia.
A forte demanda dessa reabertura ganhou forças com as taxas de juros ultrabaixas e o estímulo fiscal de Biden. Tudo isso esbarrou em cadeias de suprimentos desequilibradas e mercados de trabalho confusos. A inflação atingiu 9,1% em 2022, depois que a invasão da Ucrânia pela Rússia agitou os mercados globais de energia.
A inflação caiu constantemente à medida que os problemas de oferta se resolveram e o Fed aumentou as taxas de juros para evitar mais superaquecimento ou bolhas. O índice de preços ao consumidor caiu para 2,4% no mês passado, próximo de onde estava antes da pandemia. Analisando o futuro, as tendências globais provavelmente continuarão a ser os principais impulsionadores da inflação, e os presidentes da maior economia do mundo podem impulsionar essas forças, ou minimizá-las.
Kamala prometeu enfrentar a crise do custo de vida impulsionando a construção de casas, reprimindo a suposta manipulação de preços e expandindo um crédito fiscal para famílias com crianças pequenas.
Ela se comprometeu a compensar com impostos ou outros aumentos de receita quaisquer novos programas de gastos, mas não propôs uma redução significativa do déficit. “Se os democratas se mantiverem no Poder, não acho que você verá um grande aumento na inflação, mas ela pode permanecer um tanto teimosa”, disse Riedl.
Trump quer estender partes de sua lei de corte de impostos de 2017 que expiram após 2025, enquanto reduz ainda mais as taxas de impostos corporativos. Ele também propôs a eliminação de impostos sobre gorjetas de trabalhadores, horas extras e aposentadoria.
Mudanças na política comercial e de imigração, onde o presidente tem mais liberdade para agir sem buscar a aprovação do Congresso, fazem de Trump uma incógnita maior.
“Se ele fizer as coisas que diz que vai fazer, irá atingir a economia dos EUA com um choque negativo de oferta. Os preços vão subir e a capacidade da economia de fornecer bens e serviços vai diminuir”, disse Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional.
O impacto potencial da política de imigração de Trump
Um estudo do Instituto Peterson estimou que a deportação de imigrantes reduziria significativamente a produção econômica e aumentaria a inflação. Com menos trabalhadores disponíveis, as empresas teriam que aumentar salários e preços ou aceitar margens mais baixas.
Os defensores das propostas de imigração do governo Trump dizem que a economia ficará melhor se os americanos ganharem mais em empregos atualmente ocupados por trabalhadores estrangeiros.
“Se de fato restringirmos o mercado de trabalho aos trabalhadores americanos, eles receberão mais e os preços terão de ser mais altos”, disse Oren Cass, fundador do American Compass, think tank que apoia a agenda de comércio e imigração de Trump. “Para mim, é assim que os mercados devem funcionar.”
Contudo, muitos economistas dizem que os mercados de trabalho são mais complexos e alertam para os resultados de se ignorar os efeitos indiretos da redução da força de trabalho. Economistas da Universidade do Colorado, em Denver, estudaram as deportações realizadas pelos governos Bush e Obama entre 2008 e 2014. Descobriram que, para cada um milhão de trabalhadores não autorizados expulsos dos EUA, 88 mil trabalhadores americanos perderam seu emprego.
Isso ocorre porque os trabalhadores imigrantes em certos setores, como processamento de alimentos, agricultura, construção e hospitalidade, não competem necessariamente com os trabalhadores americanos. Se os trabalhadores atuais forem expulsos, em vez de contratar mais americanos, essas empresas provavelmente reduzirão a produção. Menos vendas, por sua vez, levam a menos empregos com salários mais altos para trabalhadores americanos que atendem a essas indústrias.
O efeito das tarifas de Trump
Líderes empresariais e economistas concordam que os consumidores dos EUA arcarão com o custo das tarifas. “Vamos repassar os custos tarifários para o consumidor”, disse Philip Daniele, CEO da AutoZone, em uma teleconferência de resultados no mês passado.
Trump sugere uma tarifa geral de 10% e tarifas sobre as importações chinesas de 60% ou mais. Ambas são muito mais abrangentes do que qualquer coisa que ele já tenha tentado.
Assessores do ex-presidente dizem que suas tarifas não seriam inflacionárias, seja porque não houve inflação da série mais limitada de tarifas entre 2018 e 2019, ou porque ele simplesmente usaria a ameaça de tarifas maiores para garantir seus interesses.
“Assim como em 2016, Wall Street e as famosas ‘previsões de especialistas’ disseram que as políticas de Trump resultariam em menor crescimento e inflação mais alta. O crescimento real e os ganhos de emprego superaram amplamente essas opiniões”, disse Brian Hughes, consultor sênior de campanha.
Alguns economistas conservadores dizem que as promessas de Trump de cortar regulamentações, especialmente no setor de energia, podem reduzir a inflação removendo barreiras de produção.
Short, ex-diretor de assuntos legislativos de Trump, disse que o primeiro governo não cortou gastos como prometido. Da mesma forma, continuou ele, os investidores estão subestimando o risco de que um segundo governo seja menos amigável com as empresas ao procurar escolher vencedores e perdedores.
“O primeiro governo foi muito desregulamentado, e não tenho certeza se é isso que você vai conseguir em um ‘Trump 2.0’, porque a maioria das pessoas ao redor do presidente agora vê claramente que o governo tem um papel mais expansivo na economia”, disse Short.
O Fed e as taxas de juros
Para o Fed, descobrir os impactos posteriores de tarifas mais altas seria complicado e desconfortável. Qualquer coisa que reacenda a inflação pode levar as autoridades a desacelerar ou até mesmo interromper os planos de redução das taxas de juros. Elas começaram a reduzir as taxas de uma alta de duas décadas no mês passado.
Trump, que pressionou repetidamente por taxas mais baixas quando estava no cargo, terá a oportunidade de nomear um novo presidente do Fed em 2026. Para isso, Short prevê “um presidente muito mais ativo no que diz respeito à interação com o Fed”.
As autoridades do Fed podem concluir que as tarifas são semelhantes a um aumento de impostos que enfraquece a demanda. Em 2019, tarifas mais altas agitaram os mercados de ações e ameaçaram esfriar o investimento empresarial. O Fed cortou as taxas depois de concluir que o impacto negativo da guerra comercial no crescimento econômico superaria quaisquer impactos inflacionários.
Alguns acreditam que o banco central pode permanecer neutro. Em uma conferência em meados deste ano, o governador do Fed, Christopher Waller, nomeado por Trump, sugeriu que, se as tarifas causarem um aumento único de preços, “isso parece exatamente o choque de oferta sob a jurisdição de um banco central”.
Outros temem que as tarifas possam alimentar a inflação. Por exemplo, os trabalhadores podem começar a exigir salários mais altos porque os preços estão subindo. Os parceiros comerciais dos EUA podem retaliar impondo tarifas sobre outros produtos, iniciando uma guerra comercial contínua. “Isso, para mim, soa mais inflacionário do que uma mudança única no nível de preços”, disse o presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, em uma entrevista há alguns meses.
Além disso, o Fed pode ter dificuldade em ficar parado se os preços subirem, porque suas autoridades inicialmente julgaram erroneamente os aumentos de preços em 2021 como “transitórios”. Quando as pressões sobre os preços se espalharam, o Fed aumentou as taxas agressivamente para garantir que empresas e trabalhadores não esperassem que preços altos fossem o novo normal. “É legítimo se preocupar com a ideia de que, se você tiver uma segunda rodada de inflação logo após a primeira, ela será muito mais difícil”, disse Posen.
O aumento dos déficits orçamentários constitui outra fonte de preocupação. Alguns analistas temem que uma lista crescente de gastos e promessas de corte de impostos de ambos os candidatos acabem aumentando os déficits, porque os políticos subestimarão os custos. Economistas dizem que o país estaria melhor se esses déficits fossem menores e se o Fed fosse capaz de reduzir ainda mais as taxas de juros.
O Comitê para um Orçamento Federal Responsável, grupo que defende a redução do déficit público, estima que Kamala adicionaria cerca de US$ 3,5 trilhões à dívida na próxima década, enquanto Trump adicionaria US$ 7,5 trilhões.
Para Trump, a combinação de déficits mais altos e políticas de imigração e tarifas que alimentam a inflação ameaçam desencadear uma reação em cadeia no mercado de títulos, quando os investidores exigiriam rendimentos mais altos pelo risco de manter títulos do Tesouro.
“Se ele começar a entrar nessas batalhas com o Fed, se os países começarem a retaliar, em que ponto os mercados ficarão realmente nervosos?”, questiona Robert Zoellick, ex-presidente do Banco Mundial e alto funcionário do Departamento de Comércio e Estado de George W. Bush. “Isso poderia desencadear algumas explosões econômicas. Se você começa a liberar essas forças, as coisas podem escalar de forma bastante dramática e rápida.”
JD Vance, senador de Ohio e companheiro de chapa de Trump, disse ter certa preocupação sobre como os investidores globais em títulos responderiam a um segundo mandato de Trump. “Os mercados de títulos, os investidores internacionais… Eles tentariam derrubar a presidência de Trump aumentando as taxas de títulos?”, disse Vance em uma entrevista para o comentarista político conservador Tucker Carlson no mês passado.
Vance destacou como a turbulência do mercado de títulos no Reino Unido há dois anos levou à renúncia da ex-primeira-ministra Liz Truss. “As taxas de juros dispararam”, disse ele, “e derrubaram seu governo em questão de dias”.
traduzido do inglês por investnews