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Latinos que moram nos EUA não querem mais imigrantes – e isso é um trunfo para Trump

Imigrantes que residem há muito tempo nos EUA nem sempre são receptivos aos recém-chegados — ajuda a explicar o apoio de alguns latinos às políticas de imigração de Trump

Por Arian Campo-Flores The wall street Journal
Publicado em
9 min
traduzido do inglês por investnews

Num programa de rádio em Miami, Carinés Moncada regularmente protesta contra um “desastre de fronteira” alimentado por uma onda de imigrantes venezuelanos entrando nos EUA nos últimos anos. Em suas contas nas redes sociais, ela publica artigos sobre crimes supostamente cometidos por imigrantes venezuelanos e sua suspeita da crescente presença da gangue venezuelana Tren de Aragua nos EUA.

Não é um material surpreendente para a mídia conservadora de língua espanhola do sul da Flórida. Exceto por uma coisa: Moncada é venezuelana.

À medida em que sucessivas ondas de imigrantes chegam aos EUA buscando refúgio da turbulência econômica e política do regime de Nicolás Maduro, surge um cisma entre aqueles mais ricos que chegaram há muito tempo e os recém-chegados mais pobres. Um dos estados em que essa divisão é mais aparente é a Flórida, onde ondas de imigrantes venezuelanos, ao longo de décadas, fogem da mesma, longa catástrofe, mas cujas circunstâncias econômicas mudaram acentuadamente ao longo do tempo.

O ex-presidente Donald Trump ganhou terreno entre os eleitores hispânicos, mesmo quando investiu contra a imigração e a situação na fronteira entre Estados Unidos e México — mensagens que repercutem bem entre alguns latinos. Porém, esse apoio foi testado nos últimos dias, depois que um comício republicano no Madison Square Garden, em Nova York, incluiu um orador que fez piadas depreciativas sobre porto-riquenhos e imigrantes latinos.

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Muitos imigrantes venezuelanos que chegaram aos EUA há dez ou 20 anos eram profissionais abastados que vieram de avião. Os mais recentes são em grande parte pessoas mais pobres e menos instruídas, que atravessaram a Região de Darién, no Panamá, e cruzaram a fronteira EUA-México por terra.

Essa divisão de classe gerou desconfiança e ressentimento. Muitos dos que vieram nas ondas anteriores desconfiam dos recém-chegados, dizendo que alguns são criminosos ou buscam auxílio. Os imigrantes mais recentes dizem que às vezes se sentem rejeitados por seus compatriotas mais estabelecidos.

Jhonder Marcano, um imigrante que chegou aos EUA no ano passado, disse estar preocupado com as promessas de Donald Trump de realizar deportações em massa. Foto: Eva Marie Uzcategui/WSJ

É uma dinâmica que se repetiu inúmeras vezes entre outros grupos de imigrantes ao longo da história e em todas as geografias, disse Eduardo Gamarra, professor de Ciência Política da Universidade Internacional da Flórida, que frequentemente realiza pesquisas sobre as atitudes dos latinos.

“Quanto mais cedo você chegou, maior a probabilidade de rejeitar aqueles que estão vindo agora”, disse ele.

A receptividade de alguns hispânicos a políticas rígidas de imigração ajuda a explicar as conquistas de Trump entre os eleitores latinos em algumas pesquisas. Uma pesquisa do Wall Street Journal com eleitores registrados nos sete estados-pêndulo divulgada no mês passado descobriu que 40% dos eleitores hispânicos apoiavam Trump, em comparação com 53% que apoiavam a vice-presidente Kamala Harris. Em 2020, Trump teve o voto de 35% dos latinos nacionalmente, de acordo com a AP VoteCast. Os eleitores hispânicos na recente pesquisa do WSJ escolheram Trump em vez de Kamala como o mais capaz de lidar com a imigração e a segurança nas fronteiras, 47% a 43%.

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As apreensões conduzidas pela Alfândega e Proteção de Fronteiras e outras situações envolvendo venezuelanos dispararam para cerca de 313 mil no ano fiscal de 2024 encerrado em setembro (foram de cerca de 50 mil no ano fiscal de 2021), segundo dados federais. Novos processos em tribunais de imigração que envolvem venezuelanos — outra medida de recém-chegados — saltaram de quase 29 mil para cerca de 276 mil no mesmo período, de acordo com dados da Câmara de Compensação de Acesso a Registros Transacionais da Universidade de Syracuse.

Um dos primeiros êxodos de venezuelanos para os EUA ocorreu depois que o ex-presidente Hugo Chávez venceu as eleições em 1998. Muitos eram ricos e tinham diplomas universitários, o que os tornavam os imigrantes mais instruídos que chegavam aos EUA na época.

À medida que a economia da Venezuela se deteriorava e o autoritarismo crescia, essa fuga persistiu e passou a incluir a classe média e, por fim, os imigrantes mais pobres. Os imigrantes mais recentes geralmente chegam aos EUA apenas com uma mochila de pertences e sem dinheiro.

Eugenio Rodríguez, de 25 anos, disse que vendia condimentos na Venezuela, ganhando apenas dinheiro para comer. Ele contou que cruzou a fronteira na Califórnia no ano passado e solicitou status de proteção temporária e asilo. Depois de encontrar sua esposa, que havia chegado antes, o casal acabou indo para a área de Miami, onde ele instala sistemas de segurança e ela trabalha em uma farmácia. O casal pode permanecer legalmente nos EUA enquanto espera que seu caso seja ouvido por um tribunal de imigração.

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Rodríguez disse que não se sentiu muito bem-vindo por alguns venezuelanos que se instalaram anos atrás. “Algumas pessoas são mais exigentes”, disse ele. “Elas não gostam muito dos que estão entrando.”

Em um levantamento da FIU de 2023 realizado por Gamarra com eleitores venezuelanos-americanos registrados na Flórida, 45% dos entrevistados concordam com uma política de deportação de venezuelanos sem documentos. Outra pesquisa da FIU, divulgada na sexta-feira (1º), feita com eleitores hispânicos registrados em estados-pêndulo mostrou que 36% deles concordaram que a maneira mais eficaz de combater a imigração ilegal é por meio da deportação em massa e 39% concordaram que novas ondas de imigrantes não-documentados trazem consigo criminosos que ameaçam a segurança pública.

Entre os líderes da comunidade venezuelana do sul da Flórida, “há uma rejeição muito forte daqueles que vêm agora”, disse Gamarra. 

As primeiras levas costumam reclamar que vieram para os EUA por meio de canais legais, que custam tempo e dinheiro, enquanto muitos dos recém-chegados estão cruzando a fronteira ilegalmente e depois pedindo asilo. Mas Gamarra disse que muitos dos que chegaram mais cedo ultrapassaram o prazo dos vistos de turista e depois procuraram garantir o status legal. 

Os primeiros imigrantes também contrastam sua riqueza e sucesso com a pobreza da onda mais recente de imigrantes, disse Gamarra. “O que você está vendo aqui é um reflexo do mesmo tipo de preconceito de classe que existe em todos os países.”

Patricia Andrade dirige o Raíces Venezolanas Miami, um programa que distribui suprimentos para recém-chegados. Eva Marie Uzcategui/WSJ

Gustavo Garagorry disse que fugiu da Venezuela para os EUA em 2002 depois de enfrentar ameaças por sua participação em uma campanha política da oposição. Ele entrou com um visto de turista e pediu asilo, e acabou se tornando cidadão americano. Ao longo dos anos, obteve um diploma e um MBA, trabalhou como analista legislativo para um membro do conselho municipal e iniciou um negócio especializado em autorizações e licenças.

Garagorry, de 57 anos, disse que, embora entenda o desejo de seus compatriotas venezuelanos de buscar oportunidades nos EUA, ele está preocupado com o aumento de imigrantes nos últimos anos e o que diz ser a prevalência de infratores entre eles. “Eles não têm a cultura dos que vieram antes”, disse ele.

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Em relação à denúncia frequente de Trump sobre imigrantes não-documentados, Garagorry acrescentou: “A retórica não é das mais bonitas, mas não me afeta porque não faço parte desse grupo”. Sua visão se alinha com os dados mostrados em uma pesquisa do New York Times/Siena College com prováveis eleitores hispânicos divulgada no mês passado. Dos entrevistados que nasceram em outro país, 51% disseram que não acreditavam que Trump estava falando sobre eles quando abordava problemas de imigração.

A comunidade cubana de Miami passou por uma experiência semelhante, quando partes de uma onda mais velha de exilados vinda nas décadas de 1960 e 1970 rejeitaram a imigração em massa de refugiados cubanos do Êxodo de Mariel em 1980. Os grupos de recém-chegados foram estigmatizados como indesejáveis e por, supostamente, conterem muitos criminosos e doentes mentais.

Alguns venezuelanos que chegaram mais recentemente compartilham as dúvidas sobre alguns de seus colegas. Pedro Fernández, de 47 anos, e sua esposa, Germania Pirela, de 41, cruzaram a fronteira em 2021 e entraram com pedido de proteção temporária e asilo. Eles foram para Miami e depois para Daytona Beach, e arrumaram emprego, ele como faz-tudo e ela como funcionária de restaurante. Economizaram dinheiro suficiente para comprar uma nova casa que foi concluída há alguns meses.

O casal disse que tem escrúpulos em relação a dois grupos em particular — aqueles com intenções criminosas e aqueles apelidados de “hijos de Chávez”, ou “filhos de Chávez”, que cresceram quase inteiramente sob um governo socialista disfuncional e não sabem o que é trabalhar duro para progredir.

As chegadas mais recentes “prejudicam aqueles que estão fazendo as coisas certas”, disse Fernández. “Eles não nos representam.”

Patricia Andrade testemunhou em primeira mão a mudança no perfil dos imigrantes venezuelanos nos últimos oito anos administrando um programa, Raíces Venezolanas Miami, que distribui roupas, utensílios de cozinha e outros produtos para os recém-chegados. Sejam profissionais ou trabalhadores, a maioria quer trabalhar e melhorar sua situação econômica, disse ela.

Em uma tarde recente no centro de distribuição do programa, Jhonder Marcano, imigrante venezuelano pobre que chegou aos EUA no ano passado, e sua filha, que acabou de se juntar a ele, estavam coletando suprimentos. Ele disse que trabalha 12 horas por dia fazendo entrega de comida e economizou dinheiro suficiente para comprar um carro e alugar um apartamento de dois quartos para sua família.

Marcano, de 52 anos, que pediu asilo quando chegou, disse que ele e sua esposa se preocupam com as promessas de Trump de realizar deportações em massa e que às vezes ela chora à noite quando se imagina sendo enviada de volta à Venezuela. “Não sei o que vai acontecer conosco”, disse ele.

Doral, um subúrbio de Miami, tem uma das maiores concentrações de venezuelanos no sul da Flórida. Foto: Eva Marie Uzcategui/WSJ

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