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Milei aboliu o controle estatal sobre o aluguel na Argentina. E o mercado está prosperando

O ‘tratamento de choque’ de Milei barateou o aluguel no geral, mas algumas pessoas se sentem prejudicadas

Por Ryan Dubé The wall street Journal
Publicado em
8 min
traduzido do inglês por investnews

Durante anos, a Argentina contou com uma das leis de controle de aluguel mais rígidas do mundo. O objetivo era manter acessíveis os imóveis de Buenos Aires, como seus imponentes apartamentos da belle époque, mas, em vez disso, segundo autoridades locais, os aluguéis dispararam.

Agora, o novo presidente do país, Javier Milei, eliminou a lei do aluguel, juntamente com a maioria dos controles de preços do governo, em um experimento fiscal que visa reviver a segunda maior economia da América do Sul. 

O resultado: a capital argentina está passando por um boom no mercado de aluguel. Os proprietários voltaram a oferecer propriedades para alugar, com a oferta em Buenos Aires aumentando em mais de 170%. Embora os aluguéis ainda estejam em alta em termos nominais, muitos locatários estão conseguindo melhores negócios, com uma queda de 40% no preço real dos imóveis alugados quando ajustado pela inflação desde outubro passado, disse Federico González Rouco, economista da Empiria Consultores, com sede em Buenos Aires.

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A decisão de Milei de eliminar os regulamentos de controle de aluguel resultou em uma das vitórias mais claras do que ele chama de “tratamento de choque econômico”. Ele está metodicamente desmontando um sistema de controle de preços, fechando agências governamentais e suspendendo as restrições comerciais instituídas ao longo de oito décadas de regime socialista e militar, em um esforço que mudou a vida de muitos argentinos.

Em Buenos Aires — cidade apelidada de “Paris do Sul” por suas avenidas largas e cultura de cafés —, muitos apartamentos ficaram vazios por muito tempo, com os proprietários preferindo mantê-los vagos ou alugá-los por temporada, em vez de cumprir a lei de aluguel do governo. 

Em 2022, havia cerca de 200 mil propriedades vazias em Buenos Aires, um aumento de 45% em relação a 2018, de acordo com um relatório do Cedesu, grupo político sediado na capital com foco no desenvolvimento urbano. Encontrar um apartamento acessível sob a lei de controle de aluguel era difícil. 

Aldana Oliver passou cerca de 18 meses procurando um lugar para alugar quando saiu de casa e foi para a cidade de La Plata para estudar odontologia. 

“Havia poucos lugares para alugar e os disponíveis eram muito caros”, disse Oliver. Depois que o controle de aluguel foi descartado, ela rapidamente encontrou um apartamento por cerca de US$ 200 por mês. “Encontrei um muito bom. E consegui um bom preço.”

Muitos novos contratos — agora permitidos em dólares e pesos — estipulam aumentos de aluguel a cada três meses, dizem corretores imobiliários e inquilinos. Isso tornou o custo de moradia inacessível para algumas pessoas que já lutam para pagar preços mais altos de alimentos e serviços públicos, disse Gervasio Muñoz, que representa uma associação de inquilinos em Buenos Aires.

Romina Misenta, professora de 40 anos, contou que o aluguel de seu pequeno apartamento aumentou quase três vezes quando seu contrato anterior terminou.

“Minha situação piorou muito”, disse ela. “Eu estaria pagando um aluguel bem menor se a lei anterior ainda estivesse em vigor.”

Mesmo assim, os preços dos aluguéis parecem estar se estabilizando. Os aumentos mensais de preços estão agora em sua taxa mais baixa desde 2021, conforme mais apartamentos vão sendo disponibilizados, de acordo com o Zonaprop, o maior site imobiliário da Argentina. 

O governo Milei também descartou os controles de preços de alimentos básicos como leite e açúcar. O presidente suspendeu os controles sobre o gás de cozinha, removeu os controles de exportação de carne bovina e cortou as exigências do governo para importar aço, na esperança de aliviar os custos de construção.

Javier Milei em Buenos Aires 19/11/2023 REUTERS/Agustin Marcarian

E descartou as restrições que, segundo ele, tornavam o aluguel de um apartamento uma odisseia que prejudicava aqueles que estava tentando ajudar.

Os críticos de Milei dizem que ele está aprofundando a dor econômica da classe trabalhadora. E embora continue popular, algumas pesquisas mostram que seu apoio está diminuindo. Em agosto, seu índice de aprovação era de 45%, abaixo dos quase 60% do início deste ano, de acordo com o instituto de pesquisas Giacobbe Consultores. 

“Ao liberar os preços, fica muito difícil para todas essas pessoas, inclusive nós, chegarem ao final do mês”, disse Amalia Roggero, cujo refeitório popular em La Plata viu um aumento no número de pessoas em busca de comida.

Milei, economista libertário, há muito alertou os argentinos de que suas mudanças no livre mercado inicialmente piorariam as condições antes que elas melhorassem, conforme fosse cortando os gastos públicos para controlar a inflação. Ele disse que era necessário desfazer os rígidos controles econômicos que herdou do governo peronista de esquerda anterior, que implementou controles de preços em cerca de 50 mil produtos, de alimentos a roupas, como parte de seu programa de Preços Justos.

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Milei diz que suas medidas estão dando resultados. Ele está projetando uma inflação anual de 18% no próximo ano, abaixo dos atuais 237%, uma das taxas mais altas do mundo, enquanto trabalha para controlar os intermináveis déficits fiscais, que estão na raiz da turbulência econômica de décadas da Argentina.

Mas o governo ainda enfrenta desafios substanciais. Reduzir ainda mais a inflação depois de ficar estagnada em cerca de 4% ao mês nos últimos meses será difícil, com pouco espaço para mais cortes de gastos em meio a demandas para reiniciar obras públicas e aumentar aposentadorias e salários, dizem economistas. 

“Eles herdaram uma situação econômica desastrosa, e sair dessa bagunça levará tempo”, disse Alberto Cavallo, professor da Escola de Administração de Harvard que estuda os controles de preços da Argentina. 

Pelo menos por enquanto, o mercado imobiliário está prosperando. Os opositores do controle de preços dizem que a Argentina é uma lição de advertência para autoridades desde os EUA até a Europa que procuraram conter o aumento dos custos de moradia com controles de aluguel. 

O presidente Biden pediu recentemente que alguns aumentos de aluguel fossem limitados a 5% ao ano. E a vice-presidente Kamala Harris afirmou que, se eleita presidente, “enfrentará proprietários corporativos e limitará aumentos injustos de aluguel”.

Pedestres passam em frente à sede do banco central da Argentina, em Buenos Aires 08/01/2018 REUTERS/Agustin Marcarian

González Rouco, o economista, alertou contra esse tipo de plano. “Com boas intenções ou com uma lei”, disse ele, “você não consegue modificar o funcionamento dos mercados. Eles têm sua própria dinâmica.”

Na Argentina, a lei nacional de aluguel aprovada em 2020 durante o governo do presidente Alberto Fernández exigia um contrato mínimo de três anos. Os aluguéis tinham de ser pagos em pesos – a volátil moeda do país perdeu cerca de 90% de seu valor em relação ao dólar no mercado paralelo durante o mandato de Fernández, de 2019 a 2023.

Os preços dos aluguéis podiam ser aumentados anualmente, mas a uma taxa definida pelo banco central, que levava em consideração a inflação e os salários dos trabalhadores. 

Com o histórico de inflação alta e volátil da Argentina, os proprietários tomaram medidas para se proteger da inflação, que rapidamente consumiria o valor dos aluguéis se fossem forçados a esperar 12 meses para aumentar os preços.

Eles então preferiram aumentar o preço inicial de novos aluguéis, e tudo ficou caro para muitas pessoas que buscavam assinar um novo contrato. Isso resultou no aluguel médio de um apartamento de dois quartos em Buenos Aires custando 27 vezes o preço de 2019, de acordo com a Zonaprop.

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Alguns proprietários tentaram vender. Outros ofereceram seus imóveis em sites de aluguel de curto prazo, como o Airbnb, onde os turistas pagam em dólares. Os proprietários também se concentraram em alugar para pessoas dentro de seu círculo social, resultando em um grande mercado paralelo, com acordos informais de aluguel que contornavam as regras do governo, dizem os economistas. Muitos proprietários de apartamentos simplesmente trancaram suas propriedades. 

“Você nunca via placas de ‘aluga-se’ nas janelas”, disse Mariano García Malbrán, presidente da câmara de empresas imobiliárias, descrevendo como os controles levaram à escassez. “E as propriedades oferecidas pelas imobiliárias desapareciam em um ou dois dias.”

Escreva para Ryan Dubé em [email protected]

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