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Na corrida pelo Santo Graal da energia limpa, China gasta mais que os EUA em fusão nuclear

A China quer dominar a fusão comercial, fonte de energia limpa — que há muito é um sonho — que está atraindo novos investimentos

Por Jennifer Hiller The wall street Journal
Publicado em
8 min
traduzido do inglês por investnews

Uma corrida de alta tecnologia acontece entre os EUA e a China, com ambos os países perseguindo uma fonte de energia complexa: a fusão. 

A China está gastando mais do que os EUA, concluindo um enorme campus de tecnologia de fusão e lançando um consórcio nacional que inclui algumas de suas maiores empresas industriais.

As equipes chinesas trabalham em três turnos, essencialmente 24 horas por dia, para concluir projetos de fusão. E a superpotência asiática tem dez vezes mais Ph.D.s em ciência e engenharia de fusão do que os EUA. 

O resultado é uma preocupação crescente entre autoridades e cientistas americanos de que a vantagem inicial dos EUA esteja se perdendo.

JP Allain, que chefia o Escritório de Ciências de Energia de Fusão do Departamento de Energia, disse que a China está gastando cerca de US$ 1,5 bilhão por ano em fusão, quase o dobro do orçamento de fusão do governo dos EUA. Além disso, a China parece estar seguindo um programa semelhante ao roteiro que centenas de cientistas e engenheiros americanos publicaram pela primeira vez em 2020 na esperança de produzir energia de fusão comercial.

“Eles estão construindo nosso plano de longo prazo”, disse Allain. “Isso é muito frustrante, como você pode imaginar.”

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Cientistas familiarizados com as instalações de fusão da China disseram que, se o país continuar seu ritmo atual de gastos e desenvolvimento, ultrapassará a capacidade de fusão magnética dos EUA e da Europa em três ou quatro anos.

A fusão sempre foi um sonho de energia limpa. O processo de combinação de átomos é o mesmo que alimenta o sol, e os cientistas esperam aproveitá-lo para fornecer energia quase ilimitada. A tecnologia enfrenta obstáculos científicos e de engenharia assustadores, e alguns especialistas a consideram uma miragem que permanecerá inalcançável.

Embora um avanço científico na fusão possa beneficiar toda a humanidade, alguns nos EUA temem que isso garanta uma vantagem à China em uma crescente competição por recursos energéticos, à medida que os EUA e outros tentam transferir mais cadeias de produção e suprimentos para dentro de suas fronteiras domésticas.

A China já tem uma indústria de tecnologia nuclear em rápido crescimento e está construindo mais usinas nucleares convencionais do que qualquer outra nação. O desenvolvimento de usinas no país asiático lhe dará uma vantagem quando a fusão comercial for alcançada, de acordo com um relatório divulgado no mês passado pela Fundação de Tecnologia da Informação e Inovação, think tank com sede em Washington, D.C., com patrocinadores que incluem grandes empresas de tecnologia.

A fusão nuclear ocorre quando dois núcleos atômicos leves se fundem para formar um único núcleo mais pesado. Esse processo libera enormes quantidades de energia, sem emissões de carbono e com radioatividade limitada — se alguém conseguir fazer com que funcione. 

Cientistas de todo o mundo tentam descobrir como sustentar as reações de fusão e desenvolver uma maneira de utilizar essa energia. Os EUA lideram uma tecnologia que usa lasers para criar reações de fusão, embora a fusão magnética — que usa campos magnéticos para confinar o plasma — seja a mais promissora para muitos especialistas.

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Impulso de fusão da China

A China está investindo vastos recursos na busca do sonho da energia abundante. As equipes chinesas só fazem uma pausa por volta do Ano Novo Lunar, de acordo com cientistas familiarizados com os esforços.

“Eles investem muito capital humano, muito dinheiro e muita organização em torno disso. E a questão será: conseguirão descobrir a tecnologia?”, disse Bob Mumgaard, executivo-chefe da Commonwealth Fusion Systems, a maior empresa privada de fusão dos EUA, com investidores que incluem Bill Gates.

O Instituto de Física de Plasma da Academia Chinesa de Ciências, na cidade de Hefei, no leste do país, inaugurou um campus de pesquisa e tecnologia de fusão magnética de quase 50 hectares em 2018. A instalação deve ser concluída no ano que vem, mas já está amplamente operacional e focada na industrialização da tecnologia.

No final do ano passado, a China revelou que formaria uma nova empresa nacional de fusão e disse que a estatal Chinese National Nuclear Corp. lideraria um consórcio de indústrias estatais e universidades que buscam a energia de fusão. Entre os maiores esforços de uma empresa privada chinesa estão os da ENN, conglomerado de energia que criou uma divisão de fusão do zero em 2018.

Desde então, a ENN construiu duas tokamaks, as máquinas onde a fusão pode acontecer, usando ímãs poderosos para reter o plasma. O trabalho de fusão da ENN não é bem compreendido fora da China e seu ritmo de desenvolvimento seria difícil de replicar nos EUA ou na Europa.

A fusão atrai grande interesse de governos e investidores privados desde agosto de 2021. Os investimentos nessa tecnologia aumentaram em 2022, depois que cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, alcançaram a “ignição” — uma reação de fusão que produziu mais energia do que consumiu. O laboratório replicou o processo quatro vezes desde então.

Em 2022, o governo Biden estabeleceu a meta de alcançar a energia de fusão comercial em uma década e solicitou US$ 1 bilhão para esse esforço em sua recente proposta de orçamento. Organizar um consórcio de fusão público-privado nos EUA, semelhante a um programa de semicondutores dos anos 1980 e 90, foi uma sugestão discutida em um evento recente na Casa Branca. Alguns investimentos recentes do Departamento de Energia foram estruturados de maneira semelhante à forma como a NASA impulsionou a indústria espacial comercial.

Tammy Ma, líder da Iniciativa de Energia de Fusão Inercial da Instalação Nacional de Ignição Lawrence Livermore, disse que o orçamento de fusão dos EUA de US$ 790 milhões para o ano fiscal de 2024, um aumento de 4% em relação ao ano anterior, não foi suficiente para acompanhar a inflação. O crescimento lento significou menos bolsas de pesquisa e vagas financiadas por subsídios disponíveis nas escolas de pós-graduação dos EUA, afirmou Ma.

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Não dá para saber quem vai ganhar

O mundo da fusão está cheio de inimigos que acreditam que sua tecnologia e abordagem são as melhores para atender às necessidades energéticas do mundo. A maioria são concorrentes que têm parcerias que se espalham pelo mundo. Mas a cooperação vem se complicando pela relação cada vez mais conflituosa entre a China e o Ocidente, especialmente os EUA.

A China há décadas investe em matérias-primas e tecnologias que são fundamentais na transição para o baixo carbono. Muitas delas também são usadas por empresas e pesquisadores de fusão, incluindo ímãs poderosos para conter o plasma, e o lítio, que pode ser usado como uma camada ao redor de um reator de fusão para absorver nêutrons produzidos em plasmas, entre outras tecnologias.

Os cientistas de fusão trocaram e compartilharam informações desde o final dos anos 1950, quando os países começaram a divulgar a pesquisa de energia de fusão. China, Rússia e EUA estão entre os 35 países envolvidos no Reator Termonuclear Experimental Internacional, ou ITER, na França.

Cientistas chineses participam de conferências internacionais de fusão e parecem mais à vontade para compartilhar informações em conversas, dizem outros cientistas, embora o idioma seja um obstáculo.

O representante Don Beyer, democrata da Virgínia e copresidente da bancada de Energia de Fusão do Congresso, disse que grande parte dos gastos com fusão dos EUA vai para programas antigos, “não para as coisas de ponta”.

“Na China, pelo que podemos ver, a maior parte de seu bilhão e meio vai realmente construir coisas que competiriam com a Helion ou a Commonwealth Fusion”, afirmou Beyer, referindo-se a duas das maiores empresas privadas de fusão dos EUA.

Durante décadas, a China quase não tinha um programa de fusão, de acordo com Dennis Whyte, professor de engenharia do MIT, que por vários anos participou de comitês consultivos de fusão chineses. A China levou cerca de dez anos para construir um programa de ciência de fusão de classe mundial e laboratórios nacionais.

“Eles conseguiram chegar lá em um piscar de olhos”, disse Whyte. “Não subestime sua capacidade de acelerar.”

Os EUA têm vantagens com a abordagem empreendedora, mas precisam de uma melhor coordenação entre empresas privadas, universidades e o governo, semelhante ao que foi usado na década de 1950 para desenvolver o programa de submarinos nucleares, afirmou Whyte.

“Não dá para saber quem vai ganhar”, disse ele.

Escreva para Jennifer Hiller em [email protected] e Sha Hua em [email protected]

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