Números de emprego nos EUA não batem – e a imigração pode ser a explicação
Estimativas populacionais diferentes podem explicar uma discrepância crescente nos números
Os números do emprego nos Estados Unidos contêm um mistério que deixa muitos economistas encafifados: como o país está gerando tantos empregos mesmo com a subida da taxa de desemprego?
O consenso que vai surgindo: aumento da imigração. O fato não apenas explica as inconsistências nos dados de empregos, mas sugere que a economia pode continuar criando muitas vagas sem superaquecer. Isso, por sua vez, permitiria que o Federal Reserve ainda considerasse cortes nas taxas de juros.
O Escritório de Estatísticas Trabalhistas do Departamento do Trabalho baseia seus números mensais de emprego em duas pesquisas. Uma delas, feita com cerca de 119 mil empresas e agências governamentais, chamada de pesquisa de estabelecimento, é a principal fonte para determinar quantos empregos os EUA adicionaram a cada mês. A outra, uma pesquisa rotativa com cerca de 60 mil famílias, é usada para calcular a taxa de desemprego e inclui uma estimativa de emprego separada.
Os dados das duas pesquisas nunca coincidem com precisão, mesmo depois de contabilizadas as diferenças nos tipos de emprego abrangidos — a pesquisa de estabelecimento não inclui trabalhadores rurais, por exemplo. Porém, recentemente, as diferenças entre os dois se tornaram extremas.
A pesquisa de estabelecimento mostra que havia cerca de 2,7 milhões de empregos a mais em fevereiro do que um ano antes. Mas os números da pesquisa domiciliar ajustados para corresponder ao conceito de emprego da pesquisa de estabelecimento mostram que a economia criou menos da metade desse número. A taxa de desemprego subiu de 3,6% para 3,9% no período.
Duas medidas de desemprego nos EUA: Pesquisa de estabelecimento e Pesquisa domiciliar (Fonte: Departamento do Trabalhou e Haver Analytics)
Para obter seu número de emprego a partir da pesquisa domiciliar, o Departamento do Trabalho calcula a parcela da população que está trabalhando e depois a aplica às estimativas populacionais do Escritório do Censo. Essa pode ser a origem da discrepância: a estimativa populacional pode estar incorreta.
O censo estima que a população dos EUA aumentou 0,5% em 2023 em relação ao ano anterior. Contudo, em janeiro, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) estimou que o aumento foi de 0,9%. A diferença foi o resultado da tentativa do CBO de contabilizar os milhões de migrantes que cruzaram a fronteira sudoeste no ano passado.
Com base nas estimativas do CBO, uma análise da Brookings Institution no mês passado sugeriu que os números mais baixos de emprego da pesquisa domiciliar foram impulsionados pelo censo que subestimou o crescimento populacional. Isso significa que o mercado de trabalho poderia crescer muito mais rápido sem superaquecimento.
Antes, parecia que os EUA poderiam adicionar apenas cerca de 100 mil empregos por mês sem reduzir a taxa de desemprego e aumentar as pressões salariais.
“Muitas pessoas, como eu, todas as vezes que abriam o relatório de emprego, acreditavam que qualquer coisa acima de 100 mil seria algo fora de uma situação estável”, disse Wendy Edelberg, uma das economistas que escreveu o relatório. “E o que acontece é que esse não é o mundo em que estamos.”
Edelberg e sua coautora Tara Watson estimam que a economia poderia ter criado de 160 mil a 230 mil empregos por mês no ano passado sem tornar o mercado de trabalho mais apertado (ainda menos do que os 251 mil que a pesquisa de estabelecimento do Departamento do Trabalho mostrou). Neste ano, elas estimam esse número entre 160 mil e 200 mil por mês. E se o mercado de trabalho pode crescer mais rápido sem aumentar as pressões inflacionárias, a economia também pode.
Para vários economistas de Wall Street, a análise da Brookings equivale a um “ah, claro!”.
“A sensação de que a imigração provavelmente estava bem acima da tendência em 2023 faz muito mais sentido quando você analisa essa situação”, disse o economista-chefe do Goldman Sachs para os EUA, David Mericle.
Ele observa que o aumento da taxa de desemprego foi liderado por um aumento do desemprego entre os trabalhadores nascidos no exterior. Isso é consistente com um influxo de imigrantes aumentando a oferta de trabalhadores buscando o tipo de emprego que os recém-chegados aos EUA costumam preencher. O aumento da oferta de trabalhadores também explica por que outros indicadores do mercado de trabalho permaneceram fortes. As demissões são mínimas e o número de pessoas se declarando desempregadas é baixo.
Os economistas do Goldman elevaram suas estimativas de emprego e Produto Interno Bruto (PIB) para 2024 para ajustá-las a um crescimento populacional mais rápido. Economistas do Morgan Stanley e do JPMorgan Chase também elevaram suas previsões de quantos empregos a economia pode gerar.
Em sua coletiva de imprensa após a reunião de política monetária do Fed no mês passado, o presidente Jerome Powell reconheceu a influência de um aumento na oferta de trabalhadores, impulsionado em parte pelo aumento da imigração. “Por si só, o forte crescimento do emprego não é motivo para nos preocuparmos com a inflação”, disse Powell.
A pesquisa domiciliar já havia subestimado o crescimento do emprego antes. No final da década de 1990, à medida que a imigração não autorizada para o país aumentava, uma grande lacuna se criou entre as estimativas da pesquisa de estabelecimento e da pesquisa domiciliar para o crescimento do emprego. Depois que o censo de 2000 evidenciou o aumento da imigração, o Departamento do Trabalho concluiu que o emprego em pesquisas domiciliares foi subestimado por cerca de 1,6 milhão de pessoas em janeiro daquele ano.
Katharine Abraham, economista da Universidade de Maryland que foi comissária do Escritório de Estatísticas Trabalhistas durante grande parte da década de 1990, adverte que a diferença de hoje pode refletir mais do que uma discrepância nas medidas populacionais. Sua pesquisa descobriu que as pessoas nem sempre relatam seu emprego com precisão na pesquisa domiciliar: em um mercado de trabalho forte, por exemplo, os aposentados podem arrumar um trabalho de meio período, mas não se consideram “empregados”. Ela e seus coautores descobriram que a pesquisa de estabelecimento tende a mostrar um crescimento mais forte do emprego quando o mercado de trabalho é forte, e declínios mais pronunciados quando enfraquece.
O economista da UBS Jonathan Pingle acha que as estimativas de imigração do censo são muito baixas. Mas ele também acha que os números do CBO podem ser muito altos e que a pesquisa de estabelecimento pode estar superestimando o crescimento do emprego.
Alguns dados de apoio, como remessas monetárias de estados fronteiriços, não se encaixam totalmente à história da imigração. O fato de os números do emprego da pesquisa domiciliar não terem mostrado apenas desaceleração do crescimento do emprego nos últimos meses, mas deterioração total, também o incomoda.
“Mesmo depois de analisar tudo, ainda resta esse enigma”, disse ele.
Escreva para Justin Lahart em [email protected]
traduzido do inglês por investnews