O executivo que reviveu a Barbie tem uma nova missão: salvar a Gap
O CEO Richard Dickson quer que a empresa de roupas seja cool novamente — um “hoodie” por vez
O novo CEO da Gap Inc. estava em busca de um hoodie (o moletom com capuz). Em março, ele ligou para uma de suas lojas e falou com uma gravação, que informava o local e o horário de funcionamento, mas não oferecia uma opção para se conectar com um ser humano. Ele ligou para uma segunda loja, e um funcionário, que não sabia que a pessoa do outro lado era o chefão, o deixou esperando. Não havia nem musiquinha para ajudar a passar o tempo.
A terceira loja tinha o moletom, mas não no tamanho dele. “Quem não tem um tamanho médio?”, disse Richard Dickson, que foi contratado como executivo-chefe da Gap em agosto, depois de se juntar ao conselho em 2022.
Suas próximas ligações foram para os gerentes de suas equipes de planejamento, merchandising e loja para dizer: “Ei, essa não é uma boa experiência para nossos clientes”.
A empresa que já reinou sobre a moda casual americana vem deixando de lado os fundamentos do varejo há anos. Seus lucros despencaram pela metade nas últimas duas décadas, à medida que as vendas caíam. Mesmo que as lojas estejam perfeitamente abastecidas, a empresa ainda enfrenta uma crise de décadas.
Suas redes Gap, Old Navy, Banana Republic e Athleta foram superadas por todos os lados, desde lojas de descontos como Target e marcas de fast-fashion como Zara e Shein, que oferecem produtos mais modernos a preços mais baixos, até varejistas rivais como American Eagle e Lululemon Athletica, que atraíram compradores com maior qualidade e melhores estilos. Tudo isso significa que Dickson deve lidar com o que pode ser a questão mais fundamental possível para um CEO de varejo: por que suas marcas existem?
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‘Moda é entretenimento’
Dickson, de 56 anos, é o mais recente de uma longa linha de líderes da Gap tentando encontrar uma resposta. Ele está tentando se reconectar com pessoas que se lembram da marca em seu auge nos anos 1990, bem como consumidores mais jovens que não se lembram de que uma camiseta branca da Gap e calças cáqui já definiram uma geração.
Antes de liderar a empresa de San Francisco, Dickson passou quase duas décadas, intermitentemente, na Mattel, onde foi mais recentemente diretor de operações e ajudou a ressuscitar outra marca “antiquada”: Barbie. Ele começou limpando o que chamou de “goulash de marca”. Em vez de 17 tons de rosa, Dickson optou por um, tornando o Pantone 219 a cor oficial da boneca. Deu à Barbie novos tons de pele e formas corporais e promoveu uma blitz publicitária com a Barbie Dream House em tamanho real e modelos com roupas Barbie nas passarelas da Semana de Moda. A pièce de résistance: o filme da boneca foi um grande sucesso no verão passado.
Um mês após o longa chegar aos cinemas, Dickson, que atuou como produtor executivo, foi da proximidade com as estrelas Margot Robbie e Ryan Gosling para a direção de uma empresa que vende roupas que seus próprios filhos nem usavam.
“Moda é entretenimento”, disse Dickson. “A história em torno de uma marca e o que ela representa são coisas mais poderosas do que qualquer produto.”
Na Gap, ele começou mexendo em pequenas coisas, como substituir as músicas sonolentas das lojas por músicas mais felizes e fez alguns movimentos ousados. Em fevereiro, contratou um novo diretor criativo: o estilista Zac Posen, que está tentando usar seu poder de estrela para gerar empolgação em torno das marcas. Ele desenhou um vestido jeans que a atriz Da’Vine Joy Randolph usou no Met Gala no início deste mês.
Partes do plano de recuperação de Dickson já foram tentadas na Gap antes, como contratar designers e colaborar com músicos. Isso mostra como é difícil reviver uma marca de moda cujo momento passou. Mas é algo que pode ser feito. A Abercrombie & Fitch, por exemplo, se reinventou nos últimos anos. A ex-varejista bad-boy, conhecida por modelos masculinos sem camisa e marketing sexualizado, agora é a queridinha da geração dos millennials.
“Não tenho certeza se a Gap será capaz de retomar o que já foi”, disse o ex-executivo da Estée Lauder John Demsey, que conhece Dickson há mais de três décadas e é um grande fã.
Demsey disse que sua filha de 16 anos nunca colocaria os pés em uma loja da Gap. O único que conseguiria fazê-la mudar de ideia, seria Dickson. “Richard sabe como criar agito em torno de uma marca”, disse Demsey, que agora é conselheiro sênior da L Catterton, empresa de private equity apoiada em parte pela LVMH.
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A primeira loja da Gap foi aberta em San Francisco em 1969, ideia do incorporador imobiliário Don Fisher e sua esposa, Doris, que juntaram US$ 63 mil de suas economias para lançar a empresa. As lojas originalmente vendiam jeans da Levi’s, discos e fitas cassete. Uma ideia inicial para um nome foi Pants and Discs até que Doris surgiu com Gap, como em “diferença de gerações”. Seus três filhos, Bob, Bill e John, ainda controlam cerca de 40% das ações da empresa; Bob e Bill estão no conselho.
As lojas Gap se expandiram para todo o país e, na década de 1990, sob a liderança de Mickey Drexler, pararam de vender Levi’s para se concentrar em roupas de marca própria. Seu estilo casual combinou com o afastamento dos Estados Unidos do vestuário formal e se tornou uma sensação cultural. Em 1992, a capa da edição de 100 anos da Vogue trazia supermodelos vestidas com camisas brancas de botão e jeans da Gap. Em 1996, Sharon Stone usou uma blusa preta da Gap de US$ 26 na cerimônia do Oscar.
Sua publicidade era lendária Havia dançarinos com calças cáqui e luminares, desde Spike Lee até Joan Didion, capturados em fotografias em preto e branco usando roupas da Gap estilizadas com toques próprios. A loja apareceu em um esquete recorrente do “Saturday Night Live”, no qual David Spade, Adam Sandler e Chris Farley interpretaram funcionárias fofoqueiras da Gap, e em filmes como “Caindo na Real”, de 1994, em que Janeane Garofalo diz: “Sou gerente da Gap. Sou responsável por todas essas camisetas.”
Drexler transformou a Banana Republic, que a empresa comprou em 1983, de uma loja com temas de safári e viagens em uma fornecedora de ternos e outras roupas de luxo. Lançou a Old Navy, que leva o nome de um bar de Paris, em 1994, abastecendo-a com estilos semelhantes aos da Gap, mas com preços mais baixos.
Em 2002, com a diminuição das vendas nas três redes, Drexler saiu. Os clientes reclamaram da queda da qualidade e sentiram que alguns estilos eram muito adolescentes depois que designs mais ousados substituíram os clássicos.
A empresa passou as duas décadas seguintes trocando de líderes que quase não tinham experiência em moda — houve um ex-executivo da Walt Disney, um líder de farmácia canadense e um consultor de gestão. Sem uma visão clara no topo, as marcas vagavam de uma ideia para a outra. Um ano, a marca Gap tentou competir com a fast fashion vendendo roupas a preços acessíveis. No seguinte, cortejou compradores mais ricos com jaquetas de couro de US$ 600. Estavam vendendo coisas, não uma identidade.
Enquanto isso, Drexler trabalhou sua magia na J.Crew, transformando a rede de lojas meio caída em destino de um estilo de vida “jovem-com-um-toque-especial”.
As vendas da Gap oscilaram nas duas décadas seguintes. Nos 12 meses encerrados em janeiro de 2022, as vendas somaram US$ 16,7 bilhões. No ano mais recente, haviam caído para US$ 14,9 bilhões. A empresa demorou a se afastar das roupas confortáveis populares durante a pandemia da covid-19, e a Old Navy tropeçou quando tentou fazer roupas para todos os formatos de corpo, mas também está recuando. Desde 2020, mais de 340 lojas Gap e Banana Republic na América do Norte foram fechadas e cerca de 2.300 empregos corporativos, eliminados. A empresa possui mais de 3.500 locais próprios e franqueados em todo o mundo. A Gap deve divulgar os resultados trimestrais em 30 de maio.
As ações da Gap caíram 59% em relação ao seu recorde histórico de US$ 52,88 em fevereiro de 2000. A ação subiu cerca de 3% este ano e fechou a sexta-feira (17) a US$ 21,60 por ação.
‘Lances e erros’
Dickson está sempre nas lojas e uma coisa que o irritou foi a música sonolenta. “Era como música de spa”, disse ele. “Deveríamos estar tocando música que impulsione seu passo, que quando você experimenta algo, dá a sensação de atitude.” Ele orientou seus gerentes de loja a tocar músicas mais alegres e a aumentar o volume.
Em uma visita subsequente à loja, a música era mais agitada. E também ensurdecedora.
“Está muito alto”, lembrou Dickson a uma vendedora que não sabia que ele era o CEO.
Ela concordou que a música era alta, disse ele.
“Por que você não diminui?”, perguntou-lhe.
Porque ela tinha ordens rígidas para manter o som alto, respondeu.
“Você é que entende das coisas”, Dickson disse a ela. “Diga a essas pessoas do administrativo que você teve que baixar a música.”
Dickson diz que a espiral descendente prolongada prejudicou a psique coletiva da força de trabalho da Gap. “Houve muitas oscilações e erros, e isso cria uma cultura cautelosa”, disse ele.
“Quando entramos em uma loja, por que não podemos dizer: ‘Oh, meu Deus, é horrível?’”, Dickson disse. “Vamos analisar o momento e então podemos dizer: ‘OK, o que vamos fazer a respeito?’”
Para estimular a criatividade, Dickson pede que os funcionários saiam de seus escritórios e mergulhem na cultura popular. Quando o chefe da marca Gap, Mark Breitbard, esteve em Tóquio recentemente, Dickson providenciou para que ele passasse o dia com um guia que o levou a galerias e o apresentou a artistas.
“Richard está obcecado; quer que nos movamos no ritmo da cultura”, disse Breitbard. “Se estivermos presos entre nossas próprias quatro paredes, não conseguiremos.”
A opção pelo linho
Dickson disse que o segredo para construir marcas é dar-lhes um ponto de vista forte, fazer produtos relevantes e, em seguida, comercializá-los de uma forma que crie conexões emocionais com os consumidores. Ele está aplicando essa cartilha em seu novo trabalho. Uma de suas primeiras atitudes foi se reunir com sua equipe de liderança para descobrir o que tornava cada uma das marcas especiais. Para a marca Gap, decidiram, era originalidade e autoexpressão.
“Não estávamos entregando narrativas que interessassem os consumidores”, disse Dickson. “Estávamos vendendo uma imensidão de coisas. Os clientes eram movidos pelo preço, não pelo estilo ou pela tendência.”
Quando os designers da Gap mostraram a Dickson algumas peças de linho, o CEO os desafiou a fazer do linho a peça central da coleção de primavera da marca. A Gap recriou o videoclipe “Back on 74”, da trupe de dança Jungle — exceto que, em sua versão, que também conta com a cantora e compositora vencedora do Grammy Tyla, as dançarinas estão usando suas camisas e calças de linho. Para essa atualização contemporânea dos anúncios de cáquis dos anos 1990, a Gap deixou os dançarinos escolherem o que vestir e como estilizar as roupas.
Dickson disse que a campanha chamada “Linen Moves” (O linho dança), que estreou no final de fevereiro, gerou o maior número de seguidores, mais curtidas e mais visualizações nas redes sociais na história da marca.
Para evitar os erros cometidos por seus antecessores, quando os produtos eram anunciados antes de chegarem às lojas, Dickson se certificava de que todos os locais tivessem grandes displays de linho. A primeira coisa que as pessoas veem quando entram no site da Gap são modelos usando roupa de linho — não um monte de ofertas baratas.
“Você quer que os clientes sejam atraídos pelo produto, não sobrecarregados por promoções”, garantiu ele.
Uma contratação polêmica
Uma das decisões mais surpreendentes de Dickson foi a contratação de Posen como diretor criativo da empresa e diretor criativo chefe da Old Navy.
Posen, de 43 anos, era um menino prodígio da moda, tendo criado sua própria grife em 2001, depois de frequentar a faculdade de arte e design Central Saint Martins, em Londres. O nova-iorquino se tornou um dos favoritos das celebridades, fazendo vestidos para o tapete vermelho para Kate Winslet e Reese Witherspoon, entre outras. Ele fechou sua marca de moda homônima em 2019 depois de não conseguir encontrar novos investidores ou um comprador.
“Teve gente que se perguntou: eu vou entrar aqui e pintar o prédio de rosa ou desenhar uma calça jeans de três pernas?”, disse Posen, enquanto experimentava o terno Banana Republic de lã italiana e cetim lavado que usaria no Met Gala.
Apesar de seu pedigree, ele tem um histórico de tocar as massas. Criou uma linha de roupas de edição limitada para a Target, vestidos de noiva para David’s Bridal e uniformes para a Delta Air Lines.
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Posen e Dickson se conheciam há vários anos. Eles se reconectaram em outubro na Balthazar, brasserie de Manhattan, onde compartilharam batatas fritas e discutiram o que é preciso para construir marcas de moda. “Foi como kismet”, disse Posen, que se mudou para San Francisco. “Percebi nos primeiros cinco minutos que trabalharíamos muito bem juntos.”
Na Old Navy, Posen lidera as equipes de design, merchandising e marketing. Embora esteja na equipe de liderança executiva da empresa-mãe, não vai definir a agenda de design das outras marcas. Em vez disso, ajuda a revigorar o estilo e a criatividade. Durante uma revisão da linha de outono da Banana Republic, Posen aproveitou um suéter que achava que seria um campeão de vendas e pediu à equipe para produzi-lo em mais cores e estilos.
Ele também atua como uma espécie de padrinho quando se trata de colaborações de talentos, fazendo apresentações e direcionando as marcas para pessoas legais e relevantes que se encaixam em sua estética.
“Você tem que ter uma antena gigante e estar presente em todos os setores para sentir o pulso”, disse Posen. “Então, tem que saber quando jogar contra ou a favor — como jogar xadrez e Uno ao mesmo tempo.”
Escreva para Suzanne Kapner em [email protected]
traduzido do inglês por investnews