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Os americanos realmente odeiam a inflação – e isso é um grande problema para o Fed

Há anos o Fed tem como meta uma inflação de 2%. Alguns economistas acham que 4% daria ao BC americano mais espaço para sair das crises

Por Justin Lahart The wall street Journal
Publicado em
6 min
traduzido do inglês por investnews

A inflação ainda está acima dos 2%, a meta do Federal Reserve, e talvez tudo bem. Quer dizer, se pudéssemos deixar de lado o fato de que odiamos tanto a inflação.

Na quarta-feira, as autoridades do Fed estão preparadas para deixar sua taxa básica de juros estável no nível mais alto em mais de duas décadas, e a inflação é o maior motivo. A medida preferida de preços ao consumidor, a do Departamento do Comércio, subiu 2,7% em relação ao ano anterior, em abril. Isso marca uma melhora em relação a abril de 2023, quando havia subido 4,4%, mas ainda não mostra o tipo de progresso que os investidores esperavam no início do ano, quando apostavam que o Fed começaria os cortes agora.

Antes da pandemia, a inflação alta seria, na opinião de muitos economistas, um problema sério.

A inflação baixa, as taxas de juros extremamente reduzidas e a recuperação econômica morna após a crise financeira de 2008 levaram alguns economistas proeminentes a pressionar por uma meta de inflação muito maior do que 2%. 

O problema, na visão deles, era que a taxa de juros real — a taxa ajustada pela inflação, que serviria para manter a economia funcionando sem problemas — havia caído. Isso pôs a economia em perigo: se houvesse uma recessão, o Fed não teria muito espaço para cortar os juros antes que estes chegassem a zero. Esse problema do “limite inferior a zero” significava que o Fed precisaria recorrer a maneiras menos poderosas de estimular a economia, como a compra de ativos. Como resultado, a recuperação econômica seria interrompida, com milhões de trabalhadores novamente enfrentando longos períodos de desemprego.

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Contudo, uma taxa de inflação mais alta permitiria, com o tempo, que o Fed estabelecesse taxas de juros mais altas. Então, quando a economia tivesse problemas, o banco central teria uma margem maior para cortar os juros antes que chegassem a zero. Olivier Blanchard, então economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, sugeriu em 2010 que uma meta de 4% daria conta do recado. Outro defensor de uma meta mais alta, o economista Laurence Ball, da Johns Hopkins, também acha que 4% seria o número certo.

Antes da pandemia, Jón Steinsson, economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, era simpático à ideia de elevar a meta de inflação. Agora já não é mais, e a razão é simples: ele percebeu que os americanos detestam o que os economistas como ele consideravam valores relativamente modestos de inflação.

Os consumidores continuam bem descontentes, apesar dos baixos níveis de desemprego e do crescimento contínuo dos salários, e a experiência de inflação dos últimos anos parece ser uma das principais razões. Mesmo que a medida de inflação preferida do Fed tenha baixado em relação aos 7,1% em junho de 2022, os preços estão muito mais altos do que eram antes da pandemia. E, embora os modelos econômicos possam sugerir que as pessoas realmente não deveriam odiar a inflação tanto quanto odeiam, esse não é um bom motivo para desconsiderar seus sentimentos.

“Acho que devemos ser humildes”, disse Steinsson. “Pode ser que as pessoas odeiem a inflação por algum motivo bom e válido. É bem plausível que nós, enquanto um setor, não tenhamos tido muito sucesso na modelagem e articulação desses custos.”

Um trabalho de pesquisa recente conduzido pela economista Stefanie Stantcheva, da Universidade de Harvard, e outros pesquisadores ressaltou o quanto as pessoas detestam a inflação. Eles mostraram, por exemplo, que a população, em média, vê um aumento de um ponto percentual na taxa de inflação como algo duas vezes pior do que o aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego. (O Departamento do Trabalho informou na sexta-feira que a taxa de desemprego de maio foi de 4%. Se ela subisse para 5%, haveria mais 1,7 milhão de desempregados.)

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As razões dos entrevistados para não gostar da inflação não se basearam apenas em preocupações com o aumento dos preços corroendo seu poder de compra, mas por uma visão de que a inflação é mentalmente desgastante. Lidar com um orçamento apertado impõe um custo psicológico, além de financeiro.

“É também uma questão de complexidade”, disse Stantcheva. “Mesmo que você não diminua os padrões orçamentários, a inflação ainda exige que repense as coisas o tempo todo, refaça seu orçamento, o que é basicamente um grande peso cognitivo.”

Apesar da experiência recente, Blanchard, agora no Instituto Peterson para a Economia Internacional, acha que o Fed deveria aumentar a meta de inflação para ajudar a evitar futuros problemas do limite zero. Porém, em prol da credibilidade do banco central, ele avalia que a inflação precisa chegar a 2% antes que isso possa acontecer.

Por sua vez, as autoridades do Fed, incluindo seu presidente, Jerome Powell, foram taxativos ao dizer que não podem considerar mudar a meta com a inflação nos níveis atuais. “Este não é um momento em que podemos começar a falar em mudança. Nosso instinto não é esse”, afirmou Powell aos legisladores no ano passado.

Laurence Ball, da Johns Hopkins, continua defendendo uma meta de inflação mais alta. Ele acha que o que realmente deixou as pessoas chateadas com a experiência recente foi a velocidade, com a inflação saindo de menos de 2% pouco antes da pandemia para seu nível mais alto desde 1981 em pouco tempo. Ele observa que o Fed sob Paul Volcker no início dos anos 1980 é visto como tendo vencido a inflação, mas que, no final dos anos 1980, ela estava em torno de 4%. 

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“Acho que, se as pessoas estivessem acostumadas com um mundo de inflação de 4%, e esse fosse o normal, elas não ficariam especialmente descontentes com a situação”, disse ele.

Na visão dele, o Fed não precisa que a inflação chegue a 2% apenas para depois elevar sua meta para 4%. Seria melhor que os formuladores de políticas deixassem formalmente sua meta de 2% em vigor, mas aceitando que houvesse variações. E então, alguns anos depois, poderiam adotar uma meta mais alta.

Steinsson passou a adotar a visão do ex-presidente do Fed, Alan Greenspan, sobre o nível certo de inflação: é quando as pessoas não levam a inflação em consideração em suas decisões. Com isso em mente, ele acha que uma meta de 2% faz sentido.

Escreva para Justin Lahart em [email protected]

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