Por que a promessa de Trump de taxar as importações deve ser levada a sério
Plano do republicano é criar uma tarifa “automática” de 10% a 20% para todos os produtos
Donald Trump disse recentemente que “tarifa” é a palavra mais bonita do dicionário, exceto por “fé” ou “amor”, e ele parece coerente com essa crença. Por isso, vale a pena levar a sério a sua promessa de campanha de impor uma tarifa “automática” de 10% ou 20% sobre todas as importações para os EUA, além dos 60% sobre a China.
A principal pergunta é se Trump, de fato, elevaria as taxas de importação, uma vez que no seu governo sua tarifas foram muito menores. Hoje, a média sobre todas as importações dos EUA é de cerca de 2%, segundo a Tax Foundation, e o plano de Trump poderia elevá-la a “níveis nunca vistos desde a Grande Depressão”. A última vez que isso ocorreu foi em 1930 com a infame tarifa Smoot-Hawley.
Trump começou seu primeiro mandato com medidas de desregulamentação pró-crescimento e uma reforma tributária. Ele iniciou sua onda de tarifas em 2018, com taxas específicas sobre aço, alumínio, máquinas de lavar, placas solares e uma variedade de produtos importados da China. Ele deixou de adicionar um imposto sobre automóveis estrangeiros que chegaria a 35% do valor, mesmo quando seu Departamento de Comércio escreveu um relatório chamando-os de “ameaça à segurança nacional”.
As evidências mostram que as tarifas tiveram custos reais e reduziram o crescimento que outras políticas econômicas poderiam ter gerado. Os países atingidos retaliaram os Estados Unidos, atingindo produtores americanos das maçãs até o uísque. O governo pagou bilhões em subsídios e compensações aos agricultores. Para se manter competitiva, a Harley-Davidson transferiu para a Tailândia a produção aos clientes estrangeiros.
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Não houve um grande boom de empregos no setor industrial. Existem mais empregos que envolvem a aplicação do aço do que empregos na sua fabricação, e um estudo afirmou que a elevação dos preços da matéria-prima levou à perda de 75 mil empregos na indústria. E já que as empresas repassaram adiante os custos dos impostos, os consumidores pagaram mais caro por muitos produtos. Os estudos econômicos sobre esses pontos são abundantes, e é preocupante que o Trump e seus assessores os ignorem.
A próxima pergunta é se o Trump tem o poder de impor uma tarifa automática. A Constituição concede ao Congresso, e não à Presidência, autoridade sobre o comércio. Muito embora o protecionismo esteja ganhando apoio na era Trump, é improvável que o Congresso aprove com ampla base uma nova tarifa sobre todas as importações.
Entretanto, o Congresso já cedeu poderes consideráveis ao Presidente, especialmente disposições contra práticas comerciais “injustas” e ameaças à “segurança nacional”. Trump usou esses poderes em seu primeiro mandato e, em particular, foi agressivo em explorar os argumentos de segurança nacional – como sem dúvida será novamente.
O maior perigo é a possibilidade de Trump usar a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). Essa lei dá ao presidente ampla autoridade, após declarar uma emergência, “para lidar com qualquer ameaça incomum e extraordinária” vinda do exterior. A IEEPA foi usada para congelar os ativos da Venezuela e interromper as exportações para o Irã. Ela nunca foi usada para impor tarifas. Trump ameaçou o México com ela em 2019, mas desistiu em meio a um acordo para expandir a política migratória chamada de “permaneça no México”.
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No entanto, é difícil acreditar que Trump poderia se safar legalmente declarando que todas as importações de todos os lugares são uma emergência para impor tarifas. Isso transformaria a IEEPA de uma lei de sanções em uma concessão de poder presidencial ilimitado sobre o comércio. Os progressistas adoram a ideia de uma tarifa de carbono. Poderia o presidente Biden impor uma tarifa unilateral ao declarar as emissões estrangeiras de poluentes como uma emergência?
Se Trump tentar isso, ele poderá se ver em um tribunal, talvez na Suprema Corte. Os atuais juízes derrubaram esforços semelhantes de abuso do poder presidencial – como o perdão do empréstimo estudantil de US$ 400 bilhões, determinado por Biden.
Trump às vezes diz que vê as tarifas apenas como um meio de obter reciprocidade comercial: se o Japão tivesse tarifas zero sobre os produtos americanos, os EUA fariam o mesmo. Mas o processo para chegar a zero seria, provavelmente, complicado, se é que será possível. Uma vez impostas, as tarifas criam círculos eleitorais de empresas e sindicatos que não desistiriam facilmente delas. A atual tarifa de 25% dos EUA sobre caminhões estrangeiros foi imposta em 1964 e permanece até agora.
No entanto, em outros momentos, Trump soa como alguém que realmente acredita em muros tarifários por si só – como a maneira de trazer a indústria de volta para os EUA e protegê-la da concorrência estrangeira. Essa parece ser a opinião de seu principal assessor comercial, Robert Lighthizer, e talvez de seu companheiro de chapa, JD Vance.
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Conhecido como “substituição de importações”, esse modelo de crescimento econômico manteve a Índia não competitiva globalmente por décadas. É um projeto que garante preços mais altos ao consumidor e a lenta erosão da competitividade das empresas dos EUA. Os mercados financeiros poderiam sinalizar sua desaprovação se Trump acabar indo tão longe.
Outro risco, e um caso especial, é o comércio com a China. As tarifas do primeiro mandato de Trump não mudaram o comportamento chinês, mas ainda assim ele parece mais determinado do que nunca em dobrar a aposta. O mercantilismo e o roubo de propriedade intelectual da China fizeram com que as empresas estrangeiras reduzissem seus investimentos no país, o que é uma atitude prudente. A dissociação econômica estratégica é justificada. Mas uma guerra comercial total com a China também teria custos significativos para os Estados Unidos.
Em geral, a agenda econômica de Trump é superior ao modelo de Kamala Harris de taxar, gastar, impor e regulamentar. Mas sua agenda tarifária é um coringa anticrescimento que representa um risco econômico considerável em um segundo mandato. Teríamos que torcer para que os mercados financeiros e o Congresso evitem o pior.
traduzido do inglês por investnews