Quem lacra, não lucra? Não é por aí, dizem Ben & Jerry
Ainda melhores amigos, os fundadores da Ben & Jerry’s falam sobre misturar política com negócios, o futuro da marca de sorvetes e por que o Ozempic não os preocupa
Ben Cohen e Jerry Greenfield são tão conhecidos por suas políticas progressistas quanto por sabores peculiares de sorvete, como Chunky Monkey e Phish Food.
Sua experiência em fundir negócios com justiça social há anos parecia um modelo que muitos no mundo corporativo queriam adotar. Mas aí, a atitude mudou.
Algumas empresas começaram a colocar menos ênfase no tipo de questões sociais e políticas que a Ben & Jerry’s defendia. Alguns investidores pediram às corporações para se aterem ao que sabem fazer melhor.
Por sua vez, os amigos de longa data, ambos hoje com 73 anos, dizem que seu estilo de ativismo corporativo não é ruim para os negócios — muito pelo contrário.
A maioria das empresas não se sente confortável em se envolver com questões sociais porque “não quer a possibilidade de alienar clientes”, diz Greenfield. “A ironia é que, para a Ben & Jerry’s, é isso que faz dela uma empresa bem-sucedida.”
Cohen e Greenfield dizem que a marca está agora em uma encruzilhada, depois que sua empresa mãe, a Unilever, disse em março que iria desmembrar ou vender sua divisão de sorvetes, decisão interpretada por alguns como o culminar de um experimento fracassado de misturar política progressista com grandes empresas.
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Embora a Ben & Jerry’s tenha sempre jogado aberto, alguns dos pronunciamentos políticos da marca nos últimos anos irritaram certos consumidores e investidores. Cohen acredita que essa é, pelo menos em parte, a razão para a decisão de seu proprietário de se separar. Para a Unilever, a “Ben & Jerry’s causa muitos problemas”, diz ele.
Cohen e Greenfield, que ainda atuam como funcionários da Unilever, dizem que a tensão vale a pena.
Os fundadores compartilharam dados de vendas internas com o Wall Street Journal, que mostraram que a marca registrou um crescimento de vendas mais forte do que o total do negócio de sorvetes de sua controladora em três dos últimos cinco anos. Nenhum dos lados divulgou seu lucro.
O líder de sorvetes da Unilever, Peter ter Kulve, diz que, “embora nem sempre concordemos” com a Ben & Jerry’s, a combinação da liderança da empresa, do conselho da marca e do envolvimento dos fundadores sempre foi bem-sucedida.
Cohen e Greenfield acham que a marca poderia estar melhor com um novo dono? “Ter um dono alinhado a valores da Ben & Jerry’s seria uma coisa linda”, diz Cohen.
De todas as multinacionais que poderiam ter comprado a Ben & Jerry’s, a Unilever — dado seu foco histórico em sustentabilidade — foi vista como talvez a melhor opção. Mas, nos últimos anos, uma estratégia de marketing que visava imbuir todas as marcas da Unilever de um propósito social ou ambiental fracassou. Desde então, ela restringiu a estratégia a algumas grandes marcas.
Os dois fundadores ganharam milhões com a compra de sua marca de sorvetes pela Unilever por US$ 326 milhões e dizem que o negócio não foi de todo ruim. A Unilever ajudou a Ben & Jerry’s a se expandir internacionalmente — seus sorvetes agora são vendidos em 43 países — e a descobrir as manhas da construção de novas fábricas. Também deu à marca uma plataforma maior para impulsionar sua missão social, embora de forma menos agressiva do que gostariam os dois amigos.
Nos últimos anos, algumas marcas famosas foram atingidas por boicotes de consumidores depois de entrarem em guerras culturais. As empresas também estão recebendo mais propostas de investidores contrárias a iniciativas ambientais e sociais, enquanto alguns ativistas levam empresas à Justiça por suas promessas de diversidade e inclusão. O resultado é que as empresas, especialmente nos EUA, acabam falando menos sobre seus esforços de ESG.
Cohen e Greenfield dizem entender a pressão que as empresas públicas — incluindo a Unilever — estão sofrendo para evitar questões espinhosas, mas acham que isso limita suas perspectivas de crescimento. Os consumidores, especialmente os mais jovens, esperam que as marcas falem sobre questões como guerra, racismo e mudanças climáticas, dizem.
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Relações geladas
A Ben & Jerry’s começou em 1978, com Cohen e Greenfield vendendo sorvete em um posto de gasolina em Burlington, em Vermont. Eles adicionaram pedaços de doces e nozes em sorvetes parcialmente congelados, porque o resultado fortemente texturizado atraia Cohen, cujo paladar é prejudicado por seu mau olfato.
Ao lado de sabores com nomes caprichados, o ativismo social se tornou parte da identidade da marca desde o início. Em 1988, Cohen e Greenfield lançaram o Peace Pops, sorvete no palito coberto de chocolate que defendia cortes nos gastos militares dos EUA.
Nos anos 1990, a marca se tornou uma das mais reconhecidas dos Estados Unidos, atraindo o interesse de aquisições mais para o fim da década. Cohen e Greenfield dizem que não queriam vender, mas, como empresa pública, tiveram que apresentar a oferta da Unilever aos acionistas.
Para deixar os fundadores felizes, a Unilever concordou em manter um conselho independente que ditaria a missão social da Ben & Jerry’s.
Apesar disso, “os primeiros anos foram difíceis”, lembra Cohen.
A Unilever cortou custos, fazendo o produto com menos gordura e usando pedaços menores e mais baratos. Uma proposta de novo sabor destinada a celebrar a lei de Vermont que legaliza a união civil para casais do mesmo sexo foi descartada.
Ao longo dos anos, “a missão social crescia ou diminuía com base em quem era o CEO”, diz Cohen. “Se o CEO concordava, a ideia prosperava; se não, não prosperava.”
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A Unilever preferiu associar suas marcas a causas mais neutras, como reduzir o desperdício de alimentos ou melhorar o saneamento. A Ben & Jerry’s, por outro lado, se opôs publicamente ao que descreveu como “agenda regressiva” de Donald Trump, lançando um sabor chamado Pecan Resist. Acusou o presidente Biden nas redes sociais de incentivar a guerra ao enviar tropas para a Europa após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
As tensões entre a marca e sua controladora vieram a público logo depois que a Ben & Jerry’s disse que suspenderia as vendas em assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada por Israel e em Jerusalém Oriental em julho de 2021. Disse que a venda nesses assentamentos, considerados ilegais por grande parte da comunidade internacional, era inconsistente com seus valores.
A medida levou alguns consumidores a boicotar as marcas da Unilever, e fundos de pensão dos EUA a vender ações da empresa.
A Unilever tentou conter o furor vendendo produtos da Ben & Jerry’s em Israel sem sua permissão. A marca então processou a controladora, dizendo que havia violado o acordo de aquisição. Os dois lados acabaram se acomodando, mas as tensões persistem.
“Não há outra entidade como a Ben & Jerry’s na Unilever”, diz Cohen. “Eles não entendem isso, não sabem como lidar com isso e querem administrá-la como qualquer outra marca que possuem.”
Em janeiro, a Unilever impediu que a Ben & Jerry’s pedisse um cessar-fogo em Gaza, dizem os fundadores. A marca contornou sua controladora emitindo um comunicado por meio de seu conselho independente.
O quão envolvidos Cohen e Greenfield continuam depende de até que ponto qualquer novo proprietário permita que o conselho da marca persiga sua missão social.
Se for comprada por uma entidade focada em finanças, a Ben & Jerry’s sofrerá, diz Cohen. “Eles não percebem o intangível por trás dos números.”
Ainda comendo sorvete
Nascidos com quatro dias de diferença, Cohen e Greenfield são melhores amigos desde o sétimo ano escolar.
Eles vivem a cerca de três quilômetros um do outro, perto da sede da Ben & Jerry’s, em Vermont, e se encontram regularmente. “É mais divertido fazer coisas juntos”, diz Greenfield.
Os dois se envolveram em vários projetos, construindo um gazebo, uma cabana e um banco em seu tempo livre. “É muito mais bonito do que o banco de parque usual”, qualifica Cohen. “Não compramos madeira, só cortamos árvores.”
Eles também se reúnem para fazer fisioterapia para dores nas costas, mas não gostam do exercício que envolve deitar de costas e levantar e abaixar braços e pernas opostos.
Ambos permaneceram envolvidos com a Ben & Jerry’s e recebem um salário da Unilever, embora não tenham nenhum cargo gerencial ou operacional na empresa. Aparecem em reuniões de franqueados, em inaugurações de lojas e em sessões de treinamento de funcionários para oferecer incentivo.
Para eles, seu principal papel é trazer visibilidade para causas que a marca Ben & Jerry’s apoia. Atualmente, estão fazendo lobby para acabar com a imunidade qualificada, a controversa doutrina que diz que policiais e outras autoridades não podem ser processados por má conduta, a menos que tenham violado direitos “claramente estabelecidos”.
Recentemente, o novo presidente-executivo da Unilever, Hein Schumacher, visitou Vermont, onde conheceu os fundadores. Cohen o descreve como um “cara legal”, mas diz que não passaram muito tempo juntos. “Acredito que ele seja um executivo muito bom”, diz. “Executivo de negócios.”
Os sabores favoritos da dupla — Coconut Almond Fudge Chip para Greenfield e Mocha Walnut para Cohen — já estão há tempos no “cemitério de sabores”. O sabor do coco não estava vendendo bem o suficiente, enquanto o mocha atraiu muitas reclamações dos consumidores. “Metade deles dizia que tinha muito chocolate, e a outra metade dizia que tinha muito café”, explicou Cohen.
Quão preocupados estão os fundadores com o fato de que, em uma era de drogas para emagrecer, as pessoas pudessem comer menos sorvete?
Não estão, responderam. Greenfield diz que a relação das pessoas com o sorvete tem a ver com prazer ou comemoração, não nutrição. Ainda assim, todos devem comer sorvete com moderação. “Você não deve comer um balde inteiro de uma vez”, diz ele.
“Acho que você pode comer um balde inteiro de uma vez”, replica Cohen. “Só não deve fazer isso todos os dias.”
traduzido do inglês por investnews