Sabotagem de GPS confunde pilotos de avião e assusta companhias aéreas
Centenas de voos diários em todo o mundo estão se deparando com o spoofing de GPS
Dan Carey, comandante da American Airlines, sabia que seu equipamento de cabine estava mentindo quando um alerta começou a soar “para cima!” enquanto seu Boeing 777 sobrevoava o Paquistão em março — a uma altitude de 32 mil pés, muito acima do solo.
O aviso era o resultado de um tipo de guerra eletrônica com a qual centenas de pilotos civis se deparam todos os dias: o spoofing de GPS. De fato, o alerta não era verdadeiro mesmo, mas mostra como os sinais falsos que os militares usam para afastar drones e mísseis também estão afetando um número cada vez maior de aeronaves comerciais, incluindo voos internacionais de companhias aéreas americanas.
“Foi preocupante, mas não surpreendente, porque estávamos em altitude de cruzeiro”, explicou Carey. Mas se uma falha no motor ou outra emergência de voo ocorresse ao mesmo tempo, a situação “poderia ser extremamente perigosa”.
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Pilotos, autoridades da indústria da aviação e reguladores disseram que os falsos sinais do Global Positioning System (em português, Sistema de Posicionamento Global) estão se espalhando para além das zonas de conflito ativas perto da Ucrânia e do Oriente Médio, confundindo os sistemas de navegação e de segurança da cabine e afetando a atenção dos pilotos de jatos comerciais que transportam passageiros e carga.
Os ataques começaram a afetar um grande número de voos comerciais há cerca de um ano, afirmaram pilotos e especialistas em aviação. O número de voos afetados diariamente aumentou de algumas dezenas em fevereiro para mais de 1.100 em agosto, de acordo com análises da SkAI Data Services e da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique.
A forte dependência do GPS dos aviões modernos significa que dados falsos podem se espalhar pelos sistemas da cabine, criando falhas que duram alguns minutos ou um voo inteiro. Os pilotos relataram relógios alterando horários, avisos falsos e rotas de voo mal direcionadas, de acordo com relatórios anônimos compartilhados com grupos governamentais e industriais.
Autoridades de segurança da aviação disseram que o spoofing interrompeu alguns voos, mas não representou grandes riscos de segurança. Embora os pilotos sejam treinados sobre como usar sistemas de navegação que não o GPS como backup, gerenciar os sinais e alertas falsos deste sistema pode dividir a atenção dos pilotos no caso da ocorrência de uma questão mais séria.
“Se perdermos um avião por causa de problemas de excesso de trabalho gerados pelas ocorrências que estamos vendo, agravados por uma emergência, pode acontecer algo horrível”, disse Ken Alexander, cientista-chefe de navegação por satélite da Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês), durante um fórum do sindicato dos pilotos este mês em Washington, D.C.
As companhias aéreas estão se reunindo com fabricantes de aeronaves, fornecedores e reguladores de segurança aérea para encontrar soluções alternativas de curto prazo e correções de longo prazo. Os padrões de equipamentos projetados para proteger aeronaves civis contra o spoofing só serão publicados no ano que vem, no mínimo, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.
Enquanto isso, os pilotos vão recebendo instruções pré-voo sobre como identificar possíveis falsificações e e como responder a elas — o que às vezes pode incluir o desligamento de certos recursos ou ignorar o falso “para cima!” vindo de um sistema de segurança conhecido por reduzir drasticamente os acidentes.
Em alguns casos, os pilotos voaram mais alto desnecessariamente, segundo autoridades do setor. Outros sistemas de aeronaves, incluindo serviços de mensagens para pilotos, foram desativados quando o cockpit exibe dados falsos de horário e posição.
Os pesquisadores disseram que o volume de falsos sinais de GPS aumentou nos últimos seis meses. A maioria dos ataques de spoofing vem de poderosos transmissores da guerra eletrônica na Rússia, na Ucrânia e em Israel, disse Todd Humphreys, professor de engenharia aeroespacial da Universidade do Texas em Austin. Dispositivos portáteis também podem falsificar sinais de GPS em uma área menor.
Os voos civis aparentemente não foram alvos, embora isso seja pouco reconfortante para os pilotos comerciais que utilizam alguns dos corredores aéreos mais movimentados do mundo.
“Esses pilotos estão desempenhando dupla função na cabine”, disse Humphreys, referindo-se a relatórios dos pilotos. E acrescentou que a indústria e os reguladores devem acelerar o trabalho para proteger os aviões contra o spoofing antes que haja um acidente. “Isso é embaraçoso para o setor aéreo, para as transportadoras e para a FAA”, completou ele.
A variedade de ataques em diferentes locais causou uma série de problemas, de acordo com relatórios anônimos coletados pelo OpsGroup, uma organização de segurança da aviação que inclui pilotos e outros funcionários de companhias aéreas.
Um falso sinal de GPS em setembro de 2023 quase fez um jato particular da Embraer entrar no hostil espaço aéreo do Irã sem autorização. A tripulação de um Airbus A320 que partiu de Chipre em julho relatou uma “mudança severa de mapa” na cabine e a falha de outro sistema de navegação. Um Boeing 787 no mesmo mês abortou dois pousos, um deles 50 pés acima do solo, depois que a perda de um sinal de GPS deu início a uma série de problemas de instrumentos.
A FAA declarou que não tinha conhecimento de eventos de spoofing nos EUA, embora funcionários da indústria e do governo tenham dito que houve relatos esporádicos nos últimos anos de possíveis falsificações ou outros tipos de interferência no GPS que podem causar situações semelhantes.
Em outubro de 2022, a interferência do GPS interrompeu o tráfego aéreo no Aeroporto Internacional de Dallas Fort Worth. Alguns aviões saíram do curso e um chegou muito perto de outra aeronave na aproximação final, em uma pequena violação das regras federais que mantêm os aviões separados com segurança, de acordo com uma autoridade do governo. Os pilotos tiveram que confiar em sistemas de navegação convencionais para as aproximações por cerca de dois dias.
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A FAA no início deste ano disse não ter encontrado provas de interferência intencional e continua a analisar a causa.
O spoofing de GPS interrompeu as operações na Europa, mas não colocou em risco os voos, afirmou Florian Guillermet, diretor executivo da Agência de Segurança da Aviação da União Europeia. Os pilotos tiveram que desviar para aeroportos em que não iriam pousar e, no início deste ano, uma companhia aérea interrompeu temporariamente as operações com destino a um aeroporto da Estônia, que não estava equipado com navegação terrestre como backup para o GPS.
“O risco está crescendo em termos do número de ocorrências”, disse Guillermet em junho.
Funcionários da indústria e do governo estão avaliando como lidar com os riscos imediatos.
Companhias aéreas, incluindo a United Airlines e a American Airlines, têm discutido novos procedimentos que permitiriam aos pilotos redefinir os disjuntores da cabine quando confrontados com dados falsos de GPS.
As companhias aéreas e os reguladores geralmente relutam em permitir que os pilotos reinicializem os sistemas usando disjuntores, uma medida que pode exigir que eles se levantem ou propiciem outros riscos, como problemas elétricos. A Boeing não endossou o procedimento em suas aeronaves 777, disseram pessoas familiarizadas com o assunto. A FAA não quis comentar sobre os procedimentos.
A Boeing declarou que fabricantes, companhias aéreas e reguladores em todo o mundo estão contribuindo com sua experiência em GPS visando elaborar soluções para garantir a segurança. A Boeing e a Airbus estão trabalhando com as companhias aéreas para ajudar a desenvolver procedimentos para ajudar os pilotos, declararam as empresas.
A United e a American disseram que seus pilotos possuem várias maneiras de navegar com precisão, mesmo com interferência no GPS. A American disse que não sofreu interrupções ou preocupações significativas de segurança devido à interferência no GPS.
Autoridades do setor estão pedindo aos pilotos que sigam os procedimentos dos fabricantes e de reguladores, dada a ausência de orientação uniforme. “Não queremos uma abordagem do tipo ‘faça você mesmo’”, disse Andy Uribe, especialista em segurança da aviação do sindicato Associação de Pilotos de Linhas Aéreas, durante um painel de discussão na semana passada.
Christopher Behnam, que se aposentou em agosto como capitão de um Boeing 777 da United, afirmou que, com frequência, encontrava interferência de GPS quando voava para o Oriente Médio.
“Somos treinados para essas coisas, então você fica calmo e apenas segue o procedimento”, garantiu Behnam. Mesmo assim, disse ele, quando os pilotos confiam no GPS para pousar em condições de baixa visibilidade, o spoofing “pode ser muito, muito, muito alarmante”.
Escreva para Andrew Tangel em [email protected] e para Drew FitzGerald em [email protected].
traduzido do inglês por investnews