No aniversário de 1 ano da tragédia de Brumadinho (MG), a mineradora Vale recuperou todo o valor de mercado que havia perdido após o rompimento da barragem que matou centenas de pessoas. Mas a “volta por cima” tem mais a ver com o avanço do minério de ferro — seu principal produto de exportação —, do que com a recuperação de sua imagem, dizem especialistas.
A Vale perdeu R$ 60 bilhões em valor de mercado no primeiro pregão após o desastre, ocorrido em 25 de janeiro de 2019. Neste dia, as ações ordinárias (VALE3) derreteram 24%, levando a empresa de um valor de R$ 296 bilhões para R$ 226 bilhões.
Quase um ano depois, a companhia fechou o pregão desta quinta-feira (23) com valor de mercado de R$ 293 bilhões, enquanto suas ações têm variação quase nula em relação aos últimos 12 meses. Um dia antes do rompimento da barragem em Brumadinho, a ação fechou negociada em R$ 54,91.
A saúde financeira da Vale também melhorou. Ela registrou um lucro líquido de R$ 6,461 bilhões no terceiro trimestre de 2019, revetendo o prejuízo de R$ 519 milhões de três meses anteriores. Em relação ao mesmo período de 2018, a alta no lucro foi de 17,47%.
Longe de ser uma página virada
“A tragédia vai marcar para sempre a história da Vale”, aponta o analista de siderurgia e mineração da Eleven Financial, Tasso Vasconcellos. Em sua visão, pesou muito não apenas o dano sócio-ambiental, mas também a declaração do ex-CEO da companhia, Fabio Schvartsman, de que a tragédia de Mariana, ocorrida em 2015, não se repetiria.
Talvez por essa motivo, reforça o analista, 2019 tenha sido o ano mais difícil em gerenciamento de risco para a empresa. Não se pode negar, contudo, que a Vale se empenhou para reparar os estragos do acidente. Ao olhar os números de forma isolada, é notável que a mineradora conseguiu reverter o efeito negativo do acidente sobre a sua saúde financeira.
Para Luiz Marcatti, especialista em governança corporativa da Mesa Corporate, é preciso separar a visão do investidor e a visão da sociedade em relação à Vale. “O mercado aprovou os números da empresa, mas pelo aspecto social, não há dúvidas de que sua reputação continua bem manchada no Brasil e fora dele”, afirma.
O olhar mais crítico, segundo Marcatti, é o do investidor estrangeiro. Diferentemente do brasileiro, ele está mais atento às melhores práticas ambientais, sociais e de governança das grandes empresas, o chamado“ESG”. A sigla ganhou tamanha importância que vários fundos passaram a retirar dinheiro de empresas que não cumprem estes requisitos.
Ainda não se sabe como os indiciamentos no Ministério Público vão impactar a companhia daqui para frente. Por enquanto, as consequências do desastre não chegaram a afetar as operações. “Se tivéssemos um judiciário mais efetivo em aplicar punições, talvez essa história seria diferente”, diz o sócio da Mesa Corporate.
Preço do minério de ferro ajudou
Boa parte da recuperação da Vale no período pode ser atribuída ao forte avanço nos preços do minério de ferro no mercado internacional. A commodity chegou a alcançar o pico de US$ 120 dólares por tonelada em meados de 2019.
A crescente demanda pela matéria-prima na China, a principal consumidora no mundo, valorizou o produto extraído no Brasil. Isso teve um impacto direto no preço das ações da mineradora ao longo de 2019, tendo seu auge no mês de julho.
Ficou evidente que essa dinâmica favoreceu o resultado operacional da mineradora, quando se deixa de lado as despesas com o desastre em Brumadinho. “A alta do minério balanceou a queda na produção da Vale”, lembra Vasconcellos, da Eleven.
A empresa estima que terá desembolsado US$ 1,6 bilhão em indenizações às vítimas, reparação e despesas pelo rompimento da barragem no ano passado. Mas os custos do desastre ainda são imensuráveis. A Vale ainda precisa selar acordos com autoridades e terá que enfrentar o indiciamento de seus executivos por dano sócio-ambiental.
Até o começo de dezembro, a mineradora havia fechado mais de 4 mil acordos de indenização com as vítimas e seus familiares. Destes, já foram pagos cerca de R$ 2 bilhões que, com obras e outros pagamentos a famílias, totalizavam um pagamento de R$ 4,5 bilhões.
Após Mariana, Vale multiplicou valor
Logo após a tragédia de Mariana (MG), em 2015, a Vale chegou a perder R$ 45,9 bilhões em valor de mercado em relação a 2014, fechando o ano avaliada em R$ 61,6 bilhões. Foi uma drástica redução de 42%, segundo dados da Economatica.
Mas, assim como em Brumadinho, o desastre de Mariana também não impediu que a companhia multiplicasse seu valor na Bolsa. Pelo contrário, a mineradora mais que triplicou em valor de mercado três anos após o desastre de 2015, fechando 2018 avaliada em R$ 263 bilhões.
Fundada em 1942 e privatizada em 1997, a Vale começou como uma empresa pública denominada “Companhia Vale do Rio Doce”, em Minas Gerais. A companhia atua nos cinco continentes nos setores de mineração, processamento, distribuição e transporte.
Números da Vale após Brumadinho
- R$ 293 bilhões: valor de mercado quase um ano após tragédia (23/01/20);
- R$ 6,45 bilhões: lucro da companhia no terceiro trimestre de 2019;
- US$ 1,6 bilhão (R$ 6,7 bilhões): valor estimado em indenizações, reparação e despesas por Brumadinho em 2019;
- R$ 7,25 bilhões: valor previsto em JCP (Juros sobre Capital Próprio) que será pago a acionistas por 2019;
- US$ 8 bilhões: provisão até 2031 para fazer a descaracterização de 9 barragens da Vale;