As restrições de funcionamento do comércio presencial na pandemia de covid-19 intensificaram o forte crescimento que já vinha acontecendo no mercado de brechós online. Dados do GlobalData mostram que quatro em cada cinco pessoas têm ou estão abertas a comprar itens de segunda mão quando o bolso aperta. Entre os que nunca haviam vendido suas roupas, dois a cada três afirmam estarem dispostos à prática agora.
Além disso, uma rápida pesquisa no Google Trends revela que a busca por “consumo consciente de roupas” cresceu mais de 600% nos últimos cinco anos, provando que os hábitos de compra estão mudando. A moda circular tem se tornado uma tendência global, capaz de movimentar bilhões em negócios, desde as pequenas lojas on-line até as gigantes do varejo.
Negócio bilionário
Em junho de 2019, o The RealReal, maior e-commerce de artigos fashion de luxo usados, abriu seu capital na bolsa de valores americana e hoje vale US$ 1,2 bilhão. Em seguida, foi a vez da gigante Nordstrom, avaliada em US$ 5,9 bilhões, assumir seu mais novo projeto de segunda-mão: o See You Tomorrow.
Ainda nos EUA, a plataforma de roupas usadas ThredU, que possui mais de 600 mil seguidores no Instagram e 100 milhões de peças à venda em seu site, está de olho na geração acima dos 40 anos de idade e, como estratégia de crescimento, pediu a seus consumidores que enviem peças usadas que não querem mais para a plataforma em troca de créditos para compras futuras.
Aqui no Brasil, o Enjoei (ENJU3) estreou na bolsa de valores brasileira (B3) em novembro de 2020, com uma oferta pública inicial de ações de R$ 1,13 bilhão e valendo cerca de R$ 2 bilhões na Bolsa. Desde a estreia na bolsa, os papéis já acumulam alta perto de 19%.
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No mesmo mês, a Arezzo&Co, controladora das marcas como Arezzo, Schutz e Anacapri, fechou a compra de 75% do brechó on-line de luxo Troc. O valor da transação foi mantido em sigilo.
Em 2018, o segmento de brechós movimentou US$ 24 bilhões em todo o mundo. A estimativa é que até 2028 a revenda de roupas deva movimentar US$ 64 bilhões, segundo a pesquisa do GlobalData.
Estilo consciente
Os jovens estão adotando a moda de segunda mão mais rapidamente do que qualquer outra faixa etária. De acordo com levantamento realizado pela GlobalData em 2019, pessoas entre 24 e 37 anos representam 70% dos consumidores da moda dos semi-novos.
A pesquisa também aponta que, até 2028, 13% dos armários femininos serão provenientes de mercados de segunda mão.
Para a social media Amanda Borges, de 28 anos, o número já é bem mais expressivo: 40% do guarda-roupa dela veio de brechós, bazares e até feiras de ruas.
“São peças que têm uma qualidade diferente, muitas vezes superior à qualidade dos produtos que a gente tem agora nas (lojas de) fast-fashion, então são peças que têm uma durabilidade maior, uma história, além de muitas vezes serem peças icônicas, únicas”, defende.
A acreana também cita o menor impacto ambiental como um dos principais motivos para a compra de segunda-mão. “Você está comprando uma peça que já foi produzida, que já saiu da cadeia de produção, poluiu durante a confecção e já rodou na mão das pessoas. Não vejo muita necessidade de nenhuma roupa nova, quando já há muita no mundo”, argumenta Amanda.
O excesso de roupas no planeta é fato: atualmente, mais de 100 bilhões de roupas são produzidas a cada ano, o que é 2 vezes mais do que 15 anos atrás, sendo que a maioria das pessoas usa apenas 30% delas, revelam as pesquisas do GlobalData e Green Story Inc.
Vale a pena investir no setor?
De acordo com o estrategista de renda variável da Ouro Preto Investimentos, Bruno Komura, o segmento de vestuário vai continuar sofrendo os impactos da pandemia. Porém, negócios do segmento da Enjoei, por exemplo, conseguem ter vantagem em relação aos concorrentes por serem puramente online.
“Pensando como um investimento de longo prazo, pode ser uma boa aposta, por ser um case único na bolsa e não ter nenhum player parecido”, diz o analista.
O analista explica que, neste momento, o setor deve focar em crescimento e não somente em valor. “Ganhar escala nesse segmento é bastante importante. Se seguirmos o que vemos no resto do mundo, como nos EUA, China e Japão, o primeiro a começar nesse business, e conseguir manter a liderança, ganha boa parte do mercado, como aconteceu com o Ebay no passado e está acontecendo agora com a Poshmark”.
De acordo com o especialista, os e-commerces têm focado bastante no volume de transações, que têm sido altos no setor. Porém, os investidores também devem olhar para a quantidade de vezes que os consumidores compram das marcas. “Um bom indicador de qualidade pode ser a recorrência que o consumidor compra dessa plataforma, e a do Enjoei, por exemplo, é bastante expressivo, chegando a 7 vezes por ano”, completa.