A primeira versão do plano de recuperação judicial da Americanas (AMER3) traz pontos negativos e positivos, mas em linhas gerais beneficia muito mais a empresa do que seus credores. Essa é a análise de especialistas ouvidos pelo InvestNews após a empresa informar, na segunda-feira (20), que entregou o documento na 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.
A companhia entrou com o pedido em janeiro, após revelar um escândalo contábil de pelo menos R$ 20 bilhões, e informar uma dívida junto aos credores que soma R$ 43 bilhões.
O plano prevê, dentre outras propostas, a obtenção de novos recursos através de um aumento de capital no valor de R$ 10 bilhões, assegurado pelos acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira).
Além da capitalização, a Americanas considera a venda de diversos ativos, que, segundo projeção da empresa, podem gerar R$ 2,9 bilhões de caixa em 2023. Dentre eles, estão uma aeronave, participação societária de 70% na Uni.Co (Imaginarium, Puket, Lovebrands, MinD) e a plataforma de varejo e Hortifruti Natural da Terra (HNT), adquirida em novembro de 2021.
O objetivo é assegurar os recursos mínimos necessários para a implementação dos termos e condições de reestruturação dos créditos contemplados no plano, segundo a empresa.
Avaliação é positiva (para a empresa)
Filipe Denki, advogado especializado em direito empresarial e sócio do escritório Lara Martins Advogados, considerou positiva a injeção do dinheiro, principalmente por se tratar de uma fase inicial de proposta.
“Uma das maiores dificuldades em uma recuperação judicial é o que a gente chama de dinheiro novo, já que ninguém quer emprestar para uma empresa em recuperação judicial. Esse aumento, portanto, vai ajudar na restruturação da Americanas”
Filipe Denki, do Lara Martins Advogados
Felipe Pontes, CEO da Economatica, considera que, embora talvez não seja suficiente, trata-se de um bom montante inicial. “Num primeiro momento dará um bom alívio para a empresa manter sua atividade operacional”, diz.
Iago Souza, Vinicius Esteves e Nina Mirazon, analistas da Genial, corretora que atua na cobertura de análises da companhia, explicaram que o valor do aporte é um dos principais desafios para o sucesso do plano. Isso porque, ao longo das últimas semanas, a varejista e seus credores tinham travado um impasse sobre a quantia.
“A proposta anterior dos bancos, que era de capitalização de cerca de R$ 15 bilhões pelos acionistas de referência, deve ser revisada para cerca de R$ 12 bilhões – um meio-termo que ‘pode’ agradar a todos”.
Pagamento dos credores
Além do aumento de capital, o advogado Filipe Denki também considerou favorável a condição para pagamento de créditos trabalhistas, microempresários (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), que será de até 30 dias contados da data da homologação do plano.
Ao mesmo tempo, o especialista avaliou como “ruim” a condição para os credores da Classe 3 (financeiros ou fornecedores que não têm garantia real para receber). Para esse público, o plano diz que os pagamentos poderão ser feitos sob a modalidade “leilão reverso”.
“Ao contrário do leilão comum onde quem leva um produto é quem dá o lance menor, no lance reverso leva quem está disposto a receber a dívida com desconto”.
Na prática, o credor aceita receber alguma quantia, mesmo que seja bem menor do que o valor de direito. No plano da Americanas, o deságio proposto é de, no mínimo, 70% no valor da dívida.
O documento diz ainda que os credores que não optarem pelo leilão vão receber 80% do valor somente em 20 anos, o que torna a opção de leilão reverso a “menos pior” na análise do advogado.
Para Felipe Pontes, da Economatica, o plano, de forma geral, parece ser muito bom para a empresa, mas não muito bom para os credores.
O que esperar
Segundo Denki, é comum uma empresa em recuperação judicial apresentar o pior cenário possível para ter margens de negociação junto aos credores.
Vale dizer que a empresa informou que o plano “ainda segue em discussão e está sujeito a revisões e ajustes”.
Pontes, da Economatica, aponta as possibilidades de disputa, especialmente pelas condições propostas aos credores. “Em especial àqueles que quiserem disputas judiciais (deságio de 80% no valor a receber) e os fornecedores que não quiserem colaborar (deságio entre 50% e 80% dos valores a receber). Deve haver muita disputa em torno da recuperação judicial”, reitera.
Próximos passos
O plano será submetido pelo juiz aos credores, que têm um prazo de 30 dias para se reunirem em uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE), ainda sem data definida, e votarem a proposta.
Se aprovada pela maioria dos credores – que deve ser de 50% mais 1 – , as dívidas da empresa serão substituídas pelas novas condições acordadas. Depois disso, a Justiça acompanha o plano de recuperação pelos próximos dois anos.
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