Uma seca histórica deteriorou a situação econômica da Argentina – que já era difícil -, acelerou a inflação e deve levar o país à recessão neste e no próximo ano. Com uma menor produção agrícola, a arrecadação pública diminui. Economistas apontam que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 deverá ficar entre 2,5% e 3%, enquanto a inflação poderá chegar a 110%. Eles também afirmam que o déficit fiscal voltará a crescer, fazendo com que o país quebre o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
“Estamos prevendo uma queda de 3% no PIB neste ano e, se tudo for bem, uma inflação de 110%”
Lorenzo Sigaut Gravina, economista e diretor da consultoria Equilibra
O Itaú Unibanco também projeta recuo de 3% em 2023 e de 2% em 2024, além de inflação de 100% neste ano. Economistas do banco projetam que o déficit também será pressionado por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral – a eleição presidencial será em outubro.
A inflação tem batido recordes mesmo com o governo controlando preços de produtos essenciais. Quase 2 mil produtos estão com o preço congelado, e outros 49,8 mil não podem ter reajuste superior a 3,2% por mês.
Reservas argentinas ‘evaporam’
Estimativas de economistas indicam que o Banco Central (BC) argentino tem hoje cerca de US$ 2 bilhões em reservas líquidas – o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.
Na primeira quinzena de março, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta. Em documento divulgado à imprensa, disse que a medida “acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca”. Segundo o Ministério da Economia argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.
As reservas da Argentina evaporaram porque o BC vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é de que a inflação ganhe mais velocidade.
Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez desde outubro de 1991. Chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses – um ano antes, estava em 52,3%.
Mudança de padrão
Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, de 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou no ano passado.
“Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.”
Laura Reschigna, 52 anos
Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de lácteos, como queijo e iogurte.
O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho passado, recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenas correções.
“Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor do que muita gente.”
Segundo o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%. Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% a fatia da população abaixo do nível de pobreza.
Perdas do agro
A seca reduzirá a produção de soja em 45% em relação ao esperado, resultando na pior colheita das últimas 15 safras. A de trigo deverá cair em 50%, na pior safra desde 2010, e a de milho, em 35%, segundo dados da Bolsa de Comércio de Rosário.
A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é de que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação pública diminua.
Nadin Argañaraz, diretor Instituto Argentino de Análisis Fiscal, diz acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação.
“Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.”
Nadin Argañaraz
Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, empresas não podem importar algumas matérias-primas e cortam produção.
O economista Juan Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso.
O problema se torna ainda mais delicado porque o setor agroindustrial responde por cerca de 65% das exportações da Argentina, que vive uma escassez de dólares. Com a queda da produção agrícola, US$ 20 bilhões (o equivalente a 23% das vendas ao exterior em 2022) deixarão de ingressar no país.
*Com informações de Estadão
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