Varejistas que passam por períodos turbulentos estão deixando de pagar aluguéis dos imóveis que constam no portfólio de fundos imobiliários – sejam eles de shoppings ou de galpões logísticos. É o caso de Americanas (AMER3), além das varejistas de móveis Tok&Stok e de moda Lojas Marisa (AMAR3). E isso pode afetar o retorno dos cotistas que investem em um dos onze fundos imobiliários expostos às companhias.
Já quem investe nas ações das companhias listadas – caso de Marisa e Americanas -–acumulam perdas, só neste ano até 5 de abril, de 49,6% e 89%, respectivamente. No período, o Ibovespa, índice do qual as companhias não fazem parte, acumula queda de 5%.
Analistas apontam que o movimento não representa uma crise estrutural no setor, mas que investidores precisam ficar alerta, em especial, na diversificação de FIIs que têm na carteira.
Entre as varejistas, a Americanas é a empresa que mais afeta as receitas de fundos imobiliários. Oito fundos têm contratos de locação com a companhia: VIUR11, MAXR11, GGRC11, LVBI11, XPLG11, BRCO11, HGBS11 e PVBI11. Quatro deles são FIIs de logística, dois de renda urbana, um de shopping e um de escritório.
A varejista já devolveu cerca de 20% dos galpões usados para e-commerce este ano, segundo a SDS Properties, especializada em galpões em condomínios logísticos. A Americanas segue em recuperação judicial, diferentemente de Tok&Stok e Lojas Marisa, que não entraram com pedido até então. E isso favorece os fundos imobiliários a entrarem com pedido de despejo ao menor sinal de pagamento, segundo Arthur Viera de Moraes, do Clube FII.
Tok&Stok tenta evitar despejo
A Tok&Stok recebeu em fevereiro uma ordem de despejo em virtude de uma dívida do aluguel do seu principal centro de distribuição locado pelo Vinci Logística FII (VILG11) referente o mês de janeiro (mas com vencimento em fevereiro).
Apesar de a companhia ter pago integralmente o aluguel seguinte (referente fevereiro, com vencimento em março), o fundo informou ao mercado que o aluguel anterior a esta data seguia inadimplente.
“A ação de despejo comunicada no fato relevante de 15 de fevereiro de 2023 ainda segue em andamento. O contrato de locação vigente ainda possui garantia através de seguro fiança com cobertura equivalente a 12 (doze) aluguéis vigentes, cuja execução está sujeita a condições comumente aplicáveis a tais garantias”, informou em fato relevante.
A Tok&Stok conseguiu evitar o despejo do galpão logístico Extrema Business Park I, detido pelo Vinci Logística e, com isso, o fundo decidiu retirar a ação de despejo movida contra a varejista, menos de duas semanas depois de o aluguel com vencimento no dia 6 de fevereiro não ter sido pago.
A companhia, que não é listada em bolsa, passa por dificuldades financeiras. A empresa contratou recentemente a consultoria Alvarez & Marsal pare renegociar dívidas cujos valores não foram divulgados. A Etna também é um exemplo de empresa do setor de móveis e decorações em dificuldades, já que fechou as portas em meados do ano passado.
Lojas Marisa
A Marisa é outra varejista que não pagou o aluguel do imóvel locado junto ao fundo imobiliário Brasil Varejo (BVAR11), administrado pela Rio Bravo. A dívida é referente ao mês de janeiro com vencimento em fevereiro.
O FII tem um portfólio formado por mais de 60 lojas e um contrato com a varejista cuja receita abocanha 81,47% da receita total da carteira, segundo fato relevante. O BVAR é o fundo mais exposto à Lojas Marisa. No entanto, ele tem poucos cotistas, são 69, sendo estes formados em sua maioria por investidores institucionais.
“Vemos neste FII um impacto maior pelas operações da Lojas Marisa. O fundo tem um histórico de distribuição de rendimentos oscilante, o que impacta pouco a indústria por ter pouca exposição em investidores de varejo.
Gabriel Barbosa, gestor da TRX
No entanto, o fundo não divulga relatório gerencial, o que dificulta o acesso a mais informações. Em fato relevante divulgado em 17 de fevereiro, a administradora disse estar estudando as medidas cabíveis para a cobrança do recurso e regularização do atraso.
A inadimplência representa um impacto negativo no resultado do fundo de aproximadamente R$ 5,95 por cota, segundo o FII.
Mas outro fundo imobiliário está exposto à varejista. É o Kinea Renda Imobiliária (KNRI11), considerado o maior FII de tijolo da B3. Este é um fundo de galpão logístico e o aluguel pago pela Marisa corresponde a 4% da receita total pelo imóvel locado na região metropolitana de São Paulo.
Segundo Barbosa, o KNRI11 é diversificado, tem vários imóveis e inquilinos, o que não impacta de forma relevante os seus mais de 246 mil cotistas. O KNRI11 e o BVAR11 são os únicos fundos imobiliários expostos a Lojas Marisa.
Em relatório gerencial relativo a março, o KNRI11 informou que, ao longo do mês, efetivou a locação de aproximadamente 4.600 m² no portfólio de escritório de São Paulo.
Com isso, a vacância física do fundo imobiliário passou a ser de 2,99% (ante 3,09% em fevereiro), a vacância financeira de 8,76% (ante 8,72% em fevereiro) e a vacância financeira ajustada pelas carências de 10,90% (ante 9,40% em fevereiro).
Na carta do gestor de março, o fundo citou que, após negociações com a Lojas Marisa, formalizou acordo com a inquilina para o pagamento de todo o valor em aberto, acompanhado das devidas correções previstas no contrato. Segundo o relatório, o acordo não acarretará em qualquer tipo de prejuízo aos cotistas e ao patrimônio do FII.
A carteira do fundo de tijolo é composta por 20 propriedades, sendo 12 edifícios comerciais e oito centros logísticos. Embora com mais ativos, a receita dos escritórios equivale a 47,29% do total do fundo, enquanto os galpões contribuem com 52,71%.
A maior parte dos ativos estão em São Paulo (64,43%) e os contratos são reajustados majoritariamente pelo IPCA (63,76%).
Em 31 de março, a gestão anunciou o pagamento de dividendos no montante de R$ 0,95 por cota referente ao mês de março. Eles serão pagos no dia 17 de abril aos investidores detentores das cotas até a data do anúncio.
Segundo Arthur Viera de Moraes, do Clube FII, pelo fato de a Marisa não estar em recuperação judicial, os fundos expostos à varejista podem iniciar uma ação de despejo e/ou executar garantias, quando houver fiança – o que é mais comum.
“Foi o que o VISC11 fez quando a Tok&Stok atrasou um aluguel apenas. Se a empresa em dificuldade quer evitar uma falência, ela precisa continuar vendendo. Então manter-se nos imóveis que garantem bons pontos de venda e de logística é vital”, disse.
Arthur Viera de Moraes, do Clube FII
O especialista apontou que basta ver como a Americanas segue pagando normalmente os seus alugueis. “Na pior das hipóteses, o fundo precisaria despejar o inquilino, o que pode demorar alguns meses. Mas em seguida tem seu bem desocupado para buscar novos inquilinos. E imóveis bem localizados vão sempre encontrar interessados.”
Moraes reitera que o investidor de fundos de tijolo precisa entender que compra o imóvel – não o contrato de locação nem o inquilino. “Todo imóvel vai ficar vazio de tempo em tempo. Se os imóveis forem bons, vão ter novos inquilinos”.
Logo, diversificar é o melhor remédio contra esses eventos como os que vem acontecendo com aa varejistas para assim não gerar uma diminuição muito grande da renda de quem investe.
Entenda o caso da Lojas Marisa
Desde 2017, a Marisa passa por um processo de reestruturação, o que fez cair o número de funcionários e tem afastado executivos e conselheiros durante o processo. Consultorias foram contratadas para reorganizar as operações e aportes milionários de capital foram feitos.
Há anos, a varejista de moda vem passando por um problema estrutural na tentativa de ampliar seu público alvo. Parou de focar em roupa íntima feminina para uma solução de moda para toda a família. No entanto, acabou encolhendo diante das lojas de departamento concorrentes listadas, que conseguiram se posicionar em patamares de preço mais altos.
Somado a isso, o uso de dados para tornar as coleções mais bem sucedidas, de forma que não precisam entrar em constantes liquidação para vender, foi um trunfo da concorrência, segundo analistas.
Varejo pressionado
O setor de varejo vem lutando contra os juros altos e inflação que pressiona o poder de compra dos consumidores. As empresas mais capitalizadas do setor conseguem sobreviver melhor a tormenta – o que não é o caso da Marisa.
Em anúncio dos resultados de 2022 não auditados, o prejuízo líquido da companhia em 2022 foi de R$ 391 milhões; em 2021 o montante no vermelho foi menor: R$ 93 milhões. Já a receita líquida de todo ano passado foi de R$ 2,78 bilhões, alta anual de 10,2%.
A companhia apontou ter identificado falhas em seus processos e controles sistêmicos – em especial no negócio de cartões – o que resultou em ajustes contábeis após trabalho com auditoria e comissão externa.
As ações incluem baixa de R$ 50 milhões em receita registrada de forma equivocada, reclassificação de 48 milhões de reais de despesas operacionais (opex) para investimentos (capex) e revisão de provisão para contingências no valor aproximado de R$ 34 milhões.
Em fevereiro, a varejista começou a renegociar dívidas de cerca de R$ 600 milhões e reestruturar operações. Foi neste período que a nova equipe financeira junto de auditorias contratadas encontraram erros nos balanços de anos anteriores.
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