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A função da empresa em lucrar: os contrapontos em relação à política ESG

A partir de valores, a licença social, seja qual for o viés, emerge como um paradigma que não derruba o lucro, mas desestabiliza seu papel de fundamento da atuação corporativa.

No mundo dos negócios, a função primordial de uma empresa sempre foi vista como a busca pelo lucro. A maximização dos ganhos financeiros tem sido considerada uma métrica fundamental para avaliar o sucesso e a sustentabilidade de uma organização. No entanto, nas últimas décadas, surgiram críticas a essa visão unicamente centrada no lucro, argumentando que as empresas podem e devem assumir uma postura mais responsável em relação aos impactos sociais e ambientais que suas atividades podem gerar.

Esse debate ganha força com o crescimento das políticas de ESG (Environmental, Social and Governance), que defendem a incorporação de critérios ambientais, sociais e de governança nas práticas empresariais. Neste artigo, vamos tratar tanto do que justifica a função da empresa em lucrar, quanto de contrapontos em relação às políticas de ESG.

A teoria predominante, conhecida como o paradigma da maximização do lucro, argumenta que a principal responsabilidade de uma empresa é gerar retornos financeiros para seus proprietários e/ou acionistas. Essa visão tem suas raízes na teoria econômica tradicional, que enfatiza a busca pela eficiência econômica e a alocação de recursos escassos. Nessa perspectiva, as empresas devem focar em suas operações e estratégias com o objetivo de maximizar os lucros, o que por sua vez beneficia a economia como um todo.

Foto conceitual ESG
Crédito Oleksandrsh

Quem critica essa visão argumenta que a busca cega pelo lucro pode levar a externalidades negativas significativas para a economia, para a sociedade e, em alguns casos, para a própria empresa, como danos ambientais, desigualdade social e más práticas de governança corporativa. É nesse contexto que surgem as políticas de ESG, que propõem uma abordagem mais holística para as empresas, incorporando preocupações ambientais, sociais e de governança em suas estratégias de negócios.

As políticas de ESG defendem, por exemplo, que as empresas devem assumir a responsabilidade de minimizar seus impactos negativos no meio ambiente. Isso envolve a adoção de práticas sustentáveis, redução de emissões de carbono, conservação de recursos naturais e promoção de energia limpa. O argumento é que se as empresas ignorarem essas questões, elas podem contribuir para a degradação ambiental, uma realidade que afeta todas as pessoas.

As políticas de ESG também enfatizam a responsabilidade das empresas em relação aos impactos sociais de suas operações. Isso inclui relações trabalhistas justas, respeito aos direitos humanos, práticas de promoção da diversidade e inclusão, bem como contribuições para o desenvolvimento das comunidades onde atuam. Ou seja, nessa perspectiva as empresas têm o dever de agir de forma ética e responsável, sem abrir mão de lucros, mas indo além deles. 

A governança corporativa é outra área-chave abordada pelas políticas de ESG e que têm resultados práticos, pois destina-se a aumentar a confiança e a credibilidade de uma organização, a partir de princípios que precisam ser praticados: transparência, prestação de contas, responsabilidade, ética, equidade.

Todas essas diretrizes parecem ter lógica, fazem sentido, mas se a lucratividade das empresas não se mantiver, está ferido o princípio primordial de sua existência – de acordo com a teoria tradicional – da função de gerar lucro, por mais que a agenda ESG esteja cumprida. No entanto, números recentes do mercado financeiro sobre fundos de investimentos alinhados a essa agenda demonstram que essa incompatibilidade com os lucros não é real.

Valores em jogo

Para além da lucratividade, outros valores estão postos em jogo. No artigo “Será que ESG realmente importa? Por quê?” , publicado pela McKinsey em agosto de 2022, há uma análise das principais críticas ao ESG . A conclusão é que – no atual contexto – é imprescindível que as empresas entendam e lidem com suas externalidades – ocorrências coletivas e/ou consequências, impactos, desdobramentos de suas ações – ou perdem sua “licença social”.

Em outras palavras, é preciso que as organizações se alinhem com determinados espectros da opinião pública, parcelas da sociedade, um nicho de stakeholders, ou não irão manter o necessário para que continuem em condições de realizar suas atividades, não por questões financeiras ou operacionais, mas pela função social. A partir dessa perspectiva, uma empresa precisa estar alinhada com um conjunto de ideais e práticas para que ela tenha autorização da sociedade para tentar lucrar ou não.

A emergência de movimentações anti-ESG é um dado relativamente novo nesse cenário e, embora pareça contraditório, se integra bem a ele, como uma narrativa que vai na contramão do que avançava para a unanimidade. O movimento anti-ESG começa nos Estados Unidos – tem seus representantes no Brasil – e é formado por políticos, gestores e investidores que se contrapõem à ideia de priorizar critérios de proteção ao meio-ambiente, sociedade e governança corporativa (fundamentos do ESG) na hora de escolher os investimentos. 

Um exemplo dessa contramão da onda ESG está na ação do megainvestidor – também influenciador nessa área – Warren Buffett, que neste ano dobra a aposta em petróleo e gás.

A Berkshire Hathaway (BERK34) tem aproveitado a queda das commodities para aumentar investimentos em papéis de petróleo e gás favoritos do bilionário. Nesse caso, fatores como preocupações persistentes com o desempenho ambiental, social e de governança do setor, baixos retornos antes da pandemia e o risco de uma queda na demanda por combustíveis fósseis nas próximas décadas não os afastou desse tipo de investimento.

A Morningstar verificou, em março deste ano, que os fundos anti-ESG somavam US$ 2,1 bilhões de ativos sob gestão, enquanto os fundos sustentáveis têm ativos mais de mil vezes maiores, o que é um montante é sete vezes superior ao de um ano atrás. Dos 27 ETFs que investem em produtos controversos – armas, tabaco e bebidas – 20 surgiram só em 2022.

São os valores em cena para dar ou retirar “licença social”. Em 1992, o economista e marqueteiro James Carville criou o slogan “É a economia, estúpido!”, que vamos parafrasear, questionando: “São os valores, estúpido!”.

Em vez de escolhas meramente monetárias, emergem selos e licenças sociais para organizações serem identificadas como progressistas ou conservadoras, dando lucro ou não. É um momento de valores.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade do autor e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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