A mineradora Vale (VALE3) informou que a Controladoria Geral da União (CGU) manteve a multa de mais de R$ 86 milhões do processo administrativo de responsabilização sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais.
Especialistas apontam que a empresa pode ter sua reputação afetada em meio aos desdobramentos do caso, que já se prolongam por mais de 4 anos. Em 2019, 272 pessoas morreram soterradas por dejetos da Mina Córrego do Feijão e mais de 10 mil pessoas foram atingidas.
Apesar da legalidade da Vale em recorrer contra a decisão judicial, o recurso pode ter efeitos negativos para a imagem da empresa por discordar da condenação, além do efeito do valor da multa, que deve afetar o caixa da mineradora e desagradar os investidores.
A CGU concluiu que a Vale deixou de apresentar informações fidedignas no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM) em relação à barragem de Brumadinho e que emitiu declaração de condição de estabilidade positiva para a estrutura, no período de junho a setembro de 2018, quando, no entendimento do órgão de controle, deveria ter sido negativa.
Para Arthur Longo Ferreira, especialista em Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados, “a alegação da CGU de que a Vale não forneceu informações precisas sobre a barragem em questão pode prejudicar a reputação da empresa”.
“Como o pedido de reconsideração foi rejeitado, pode agravar a percepção negativa sobre a empresa em relação à conformidade regulatória e à responsabilidade social corporativa.”
Arthur Longo Ferreira, especialista em Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais
Mas o especialista aponta que a interpretação dos investidores pode variar. Enquanto alguns podem ver a adoção de medidas judiciais como uma disponibilidade legítima da empresa para contestar uma decisão que consideram injusta, outros podem interpretar isso como um sinal de problemas regulatórios e de conformidade na companhia.
“O impacto para os investidores dependerá da percepção geral do mercado, considerando claro, a sensibilidade e dramaticidade do ocorrido. Se o mercado acreditar que a judicialização é válida e tem chances razoáveis de sucesso, as ações da Vale podem se beneficiar. Por outro lado, se o mercado acreditar que a empresa está lutando contra uma decisão justa, as ações podem ser afetadas negativamente”, diz Ferreira.
O analista da Ouro Preto Investimentos, Sidney Lima, concorda que a decisão pode ter implicações negativas para a Vale em termos de reputação, além de consequências financeiras e operacionais.
“A multa de R$ 86,3 milhões é significativa e pode afetar os resultados financeiros da empresa, consequentemente a percepção de lucratividade e afastar investidores. Além disso, a empresa pode enfrentar outras penalidades ou ações judiciais relacionadas ao caso, já que tal decisão se não derrubada abre margem para novos questionamentos contra a empresa.”
sidney lima, analista da Ouro Preto Investimentos
Lima ressalta que, no geral, os investidores são avessos aos riscos adicionais, o que pode afetar o preço das ações devido à percepção de lucro e à confiança dos investidores – e justo em um momento que a demanda chinesa já não tem beneficiado os negócios.
“A resposta da empresa, incluindo o pedido de reconsideração e qualquer medida corretiva que ela tome, também será crucial na percepção dos investidores, que ainda não precificaram negativamente tal decisão”, conclui.
Já para Celso Grisi, professor da FIA Business School, a desaceleração da economia chinesa e as cotações do minério de ferro são muito mais preocupantes do que a infração que a empresa sofreu com o desastre.
“Brumadinho foi um episódio terrível na história da companhia. Sua reputação sofreu um desgaste enorme, mas o tempo ajuda na cicatrização dessas feridas. A decisão da CGU sempre pode ter algum efeito sobre a cotação desses papéis. Entretanto, os investidores estão olhando muito mais para o desaquecimento da economia da China do que para a multa de R$ 86 milhões. O desempenho sofrível da China tem impactado o setor de mineração como um todo e não apenas a Vale, porque a China é o principal comprador mundial da commodity”
Já para Celso Grisi, professor da FIA Business School
Tragédia
A tragédia ocorreu em 25 de janeiro de 2019, com o rompimento de uma barragem da Vale situada na Mina Córrego do Feijão, e causou devastação ambiental, destruição de comunidades e 270 mortos. A maioria das vítimas eram trabalhadores da própria mineradora ou de empresas terceirizadas contratadas para prestação de serviço.
Em 2022, a Vale depositou, em juízo, o valor de R$ 1,2 bilhão referente ao Acordo Judicial de Reparação Integral (AJRI) fechado no âmbito das compensações ao estado de Minas Gerais devido ao rompimento da barragem de Brumadinho.
Os recursos foram transferidos ao estado de Minas Gerais e revertidos em projetos para melhorias na mobilidade urbana e no fortalecimento de serviços públicos, como pavimentação de estradas e reforma de hospitais.
O acordo foi firmado em fevereiro de 2021 entre a empresa, o governo de Minas Gerais e instituições de Justiça.
O que diz a Vale
Veja abaixo o comunicado na íntegra da empresa sobre a decisão final em processo administrativo da CGU:
A Vale S.A., inscrita no CNPJ sob o nº 33.592.510/0001-54, informa que foi publicada em 11 de agosto de 2023 a decisão proferida pelo Sr. Secretário-Executivo Adjunto da Controladoria-Geral da União (CGU), na qualidade de Ministro de Estado da CGU, nos autos do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) nº 00190.104883/2020-98, a qual indeferiu o pedido de reconsideração apresentado pela Vale S.A em face da decisão condenatória publicada em 15 de agosto de 2022, proferida pelo Sr. Ministro de Estado da CGU.
Esclarece-se que o PAR foi instaurado pela CGU com base na Lei nº 12.846/2013, tendo o órgão de controle federal concluído – mesmo reconhecendo a inexistência da prática de atos de corrupção – que a Vale S.A violou o artigo 5º, inciso V, da Lei nº 12.846/2013 por ter deixado de apresentar informações fidedignas no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM) em relação à Barragem I de Brumadinho/MG e por ter emitido Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) positiva para essa estrutura, no período de junho a setembro de 2018, quando, no entendimento da CGU, a DCE deveria ser negativa, circunstâncias essas que consistiram em ato lesivo à Administração Pública por dificultar a fiscalização da autarquia minerária.
Por essa razão, a Vale S.A foi condenada ao pagamento de multa no valor de R$ 86.282.265,68 (oitenta e seis milhões, duzentos e oitenta e dois mil, duzentos e sessenta e cinco reais e sessenta e oito centavos) – correspondente à aplicação da alíquota mínima prevista em lei de 0,1% do faturamento bruto do ano-base 2019 (apurado em R$ 86.282.265.678,09), nos termos do artigo 6º, inciso I, da Lei nº 12.846/2013, sendo expressamente reconhecido pela CGU o não envolvimento ou tolerância da alta direção da Vale S.A nos fatos apurados no PAR.
A CGU ainda determinou a publicação extraordinária da sua decisão, nos termos do art. 6º, inciso II, §5º. da Lei nº 12.846/2013.
Veja também
- CBA vende participação na Alunorte para a Glencore por R$ 236,8 milhões
- Vale e BHP fecham acordo de R$ 170 bilhões por desastre de Mariana
- Supremo assume as rédeas da conciliação entre Vale e vítimas do desastre de Mariana
- Ação em foco: sob nova direção, Vale reage a pacote da China e acordo sobre Mariana em outubro
- Novo CEO da Vale faz primeira mudança no alto escalão da mineradora