Airbnb, Uber, Spotify, Netflix e WeWork. Todas essas empresas têm algo em comum: a economia de compartilhamento. Com exceção da startup fundada por Adam Neumann – que pediu proteção contra falência na semana passada – o modelo de negócio destas companhias, até então, é bem-sucedido. Mas a derrocada daquela que consagrou o coworking pelo mundo levanta a dúvida se o grupo pode ter o mesmo fim.
Ou seja, o risco de um “efeito Orloff”. Para quem não se lembra – ou não tem idade para lembrar – a expressão ficou famosa nos anos de 1980, inspirada em uma propaganda de bebida alcoólica. Nela, o protagonista acordava de ressaca porque tomou vodca ruim e dizia: “Eu sou você, amanhã”.
Porém, assim como no mundo da televisão, qualquer semelhança entre o destino da WeWork e as demais empresas de economia compartilhada pode ser apenas coincidência. Isso porque a startup do setor imobiliário se transvestiu em um perfil moderno para disfarçar fragilidades operacionais, de governança e, principalmente, de modelo de negócio.
“A WeWork surge com uma cara de negócio extremamente inovadora, de tecnologia, de senso de comunidade, com uma ‘cara’ descolada e tudo mais. Mas a verdade é que era um modelo de negócio bem tradicional”.
William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue.
Segundo ele, o que a empresa fazia era um negócio típico do mercado imobiliário, que não tinha nada de tecnológico nem de inovação. “Basicamente, a WeWork pegava uma grande sala, um grande espaço e sub alocava para outros escritórios de forma menor, em um negócio essencialmente real estate”, emenda.
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P2P
Ainda assim, investidores estão mais atentos às prováveis próximas vítimas nesse modelo econômico baseado em atividades definidas como peer-to-peer (P2P) – ou ponto a ponto – que ocorre por meio da partilha de acesso a bens e serviços, muitas vezes facilitada por uma plataforma online.
“A WeWork, assim como outras empresas, nasce de uma economia que fala muito sobre compartilhamento, o chamado sharing economy, que é derivado daquilo que aconteceu em 2008”, lembra Castro Alves.
O estrategista-chefe da Avenue explica que, após a crise das hipotecas subprime, ganhou força a discussão de que, em uma sociedade na qual os recursos são escassos, é preciso otimizar a utilização dos mesmos. “E a sharing economy surge dessa ideia de compartilhar coisas para alocar melhor”, emenda.
Qualquer bem ou serviço pode se tornar um recurso compartilhável, indo desde carros para viagens rápidas ou longas e imóveis para alugar por temporadas até músicas para ouvir e vídeos para assistir. Em todos os casos, o acesso real se dá de forma virtual.
Com isso, Uber, Airbnb, Spotify e Netflix são exemplos de plataformas de economia de compartilhamento, já que o modelo de negócios adota métodos operacionais de partilha, encapsulando o acesso a recursos compartilhados em vez de possuir cópias físicas.
“Será que tem carros disponíveis que possam ser usados? Surge o Uber. Será que existem apartamentos vagos para otimizar a utilização disso? Surge o Airbnb”, exemplifica Castro Alves. Assim, até mesmo Youtube, Vimeo e Soundcloud fazem parte dessa lista.
Em meio a isso, destaca o estrategista da Avenue, tem a revolução causada pela internet na vida das pessoas nos últimos 20, 30 anos. Aliás, o impacto do modelo de negócios de compartilhamento se dá justamente pela experimentação prática de experiências virtuais.
Hora de se reinventar
Para entender o futuro da economia de compartilhamento, não basta apenas olhar a WeWork e citar o tal “efeito Orloff”. Segundo especialistas, até dá para evitar uma ressaca, porém é preciso uma dose cavalar de investimentos em tecnologia para driblar o mal-estar do dia seguinte.
“O canal de vendas mudou, os hábitos de consumo mudaram e as fontes de informação mudaram”, resume o especialista em “turnaround”, Estevão Seccatto.
Por isso, essas startups de negócios por aplicativos podem até fazer sucesso, mas seguem sob o crivo exigente dos investidores. Afinal, andar de Uber, assistir a um filme pela Netflix ou ouvir um podcast no Spotify pode até fazer parte do dia a dia dos consumidores, mas isso não é garantia que essas empresas vão sempre navegar por rios de dinheiro.
Por ora, a plataforma de transporte urbano Uber respira aliviada, após ter registrado o primeiro lucro operacional desde sua fundação, em 2009. Ainda assim, o desempenho não convenceu Wall Street, que questiona se a empresa pode manter o ritmo de crescimento em seu negócio de transporte e entregas.
O mesmo ar de desconfiança reveste a Netflix. Apesar da gigante de streaming gerar lucro, os gastos com a produção própria de novos filmes e séries, bem como pagamento de direitos de exibição, demandam, em troca, a adição de milhões de assinantes por trimestre para cobrir esses custos.
Ou seja, quando a estratégia de ganhar mercado dá sinais de esgotamento, essas empresas podem passar por problemas. Aliás, analistas e investidores fizeram várias perguntas sobre novas oportunidades de monetização durante a teleconferência de resultados da plataforma de locação de imóveis Airbnb na semana passada.
Na ocasião, o CEO da empresa, Brian Chesky, reconheceu que a empresa decidiu abrir mão da visão de possuir mais partes do processo de planejamento de viagens e irá investir em abordagens diferentes. Entre elas, a integração de terceiros dentro do aplicativo para a inclusão de novos serviços e recursos, além de aplicações práticas de inteligência artificial (IA), como correspondência personalizada de viajantes e fechaduras inteligentes.
“Estamos prontos para entrar em novos empreendimentos e lançar coisas novas”, disse Chesky, durante evento em Nova York. Para ele, “o melhor momento para criar algo é quando há uma nova tecnologia, como a internet. E a IA vai ser de magnitude maior”, disse o executivo da Airbnb.
A ver, então, se essas startup inovadoras serão capazes de continuar se reinventando. Só assim, segundo especialistas, investidores devem enxergar nestas empresas potenciais ganhos futuros e não sinais de um modelo de negócio falido, como o que acabou levando à ruína a WeWork.
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