Em meio ao apetite mais modesto de investidores em aplicar recursos no Brasil – em especial os estrangeiros –, a linha que separa os aportes em empresas mais maduras das que estão em fase inicial de desenvolvimento, como startups, tem ficado mais tênue. A avaliação é de que os aportes do venture capital (VC) vêm ocupando espaço que antes era exclusivo do private equity (PE).
Dados do Banco Central mostram queda de quase 40% nos aportes externos diretos (IED) no país no acumulado dos 10 primeiros meses do ano, para US$ 45 bilhões. A leitura da própria indústria de VC e PE é de que, com o investidor mais seletivo, embora o volume financeiro esteja menor, a expectativa é por um número maior de negócios este ano.
Dados da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) atualizados no ano até o terceiro trimestre deste ano mostram que os investimentos via fundos de private equity (PE) estrangeiros no Brasil somam pouco menos de R$ 9 bilhões, com cerca de 20 operações.
Já os aportes externos via fundos de venture capital (VC) no país entre janeiro e setembro totalizam um volume de R$ 3 bilhões, alocados em 70 projetos. E o Brasil é um dos principais destinos quando se olha para a América Latina: em 2022, o país foi um dos destinos de quase a metade (46%) dos fundos de VC com aportes na região.
“O que se observa é que os investidores estão mais criteriosos na hora de investir e colocando cheques mais altos em bons projetos”.
Pedro Sirotsky Melzer, vice-presidente da ABVCAP.
Para ele, que também é sócio da Igah Ventures e do Pátria Investimentos, o que torna o mercado de ativos alternativos – como de private equity e de venture capital – é a possibilidade de priorizar investimentos de longo prazo em inovação e empresas de tecnologia, fomentando o empreendedorismo para criar oportunidades.
Conforme dados da ABVCAP, os setores de tecnologia de informação e comunicação (TIC) e serviços financeiros (SaaS) despontam entre os preferidos pelos “gringos”, concentrando 39% e 34% dos aportes totais, respectivamente. “Há uma safra de empreendedores mais madura e resiliente, que se dedica a usar a tecnologia para resolver problemas”, afirma Melzer.
Estratégia reversa
Trata-se de aproveitar oportunidades que outros podem perder em meio ao dinâmico universo dos investimentos. Daí porque cresce o interesse em apostar em venture capital. O BTG Pactual, por exemplo, pretende avançar com o boostlab, programa voltado à aceleração de startups, após o sucesso obtido em mais de uma década em private equity.
No terceiro trimestre deste ano foram investidos US$ 883 milhões em startups na América Latina, o que representa uma alta de 22% em relação ao período anterior. Apenas no Brasil, foram alocados US$ 596,7 milhões, um aumento de 18%, de acordo com pesquisa da plataforma de inovação Distrito.
Porém, o período recente de retração da indústria de ativos alternativos levou a uma redução do valor das startups chamadas de “unicórnios”, avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais. Com isso, a recuperação progressiva no volume de investimentos em empresas mais jovens com potencial de crescimento significativo parece promissora.
“Em um mundo no qual muitos buscam os mesmos objetivos, a procura de valor em áreas negligenciadas está alinhada à perspectiva de que o investimento de capital de risco pode operar independentemente de correntes econômicas mais amplas”.
Cristián Hernández, sócio-fundador da Zentynel, fundo de VE focado em biotecnologia na América Latina.
Segundo ele, abraçar a singularidade pode ser um diferencial crucial, em vez de seguir tendências. “Nosso foco em biotecnologia é um testemunho do afastamento das estratégias comuns de mercado e da adoção da diferenciação”, emenda o investidor e empreendedor científico. Atualmente, o fundo da Zentynel investe em três health techs brasileiras.
No entanto, a América Latina como um todo ainda tem um grau baixo de investimento em startups frente a outras partes do mundo. Segundo pesquisa feita pela Emerging VC Fellows em parceria com o Cubo Itaú, menos de 2% do volume total de investimento e de 3% do número de rodadas de investimento no mundo são da região.
Proteção de risco
Porém, a alta capacidade de retorno desses fundos alternativos também acompanha uma classe de ativos de alto risco. Ainda mais em um ambiente de juros altos pelo mundo e do caráter cíclico dos mercados globais, envolto em um cenário geopolítico tenso.
“Os investimentos de VC são realizados em empresas em estágios iniciais, muitas vezes, sem um histórico comprovado de sucesso e, por isso, são classificados como de alto risco. Além disso, mudanças no ambiente regulatório, econômico ou tecnológico podem afetar negativamente esses aportes ao longo da jornada”, explica o vice-presidente da ABVCAP.
Geralmente é mais difícil para as jovens empresas ter acesso ao sistema financeiro para adquirir o capital necessário e desenvolver seus negócios, tornando-as mais dependentes de investidores de risco e dos chamados “investidores-anjos”. Isso porque, o investimento acontece muito cedo, ainda na fase pré-receita.
Para tentar driblar a liquidez limitada e a necessidade de um longo prazo para retornos potenciais, existe a possibilidade de um Corporate Venture Capital (CVC). Trata-se de um “braço” de investimento de empresas em capital de risco, atuando em modelos de negócios e no desenvolvimento corporativo.
No Brasil, o número de CVCs formadas por investidores de origem nacional chegou a 63 até setembro deste ano, representando um aumento de 80% desde 2019, quando os dados da ABVCAP começaram a ser contabilizados. As transações movimentaram quase R$ 2 bilhões no acumulado de 2023.
Veja também
- Após rodada pré-seed, plataforma quer ser a ‘XP’ da arquitetura e design
- Nova dona da Fogo de Chão já acelerou Burger King e Domino’s Pizza
- O plano de Kim Kardashian para levantar US$ 1 bilhão com seu 1º fundo
- Após 2 anos recordes, private equity passa por busca por eficiência em 2023
- Selic esfria procura por private equity, mas especialistas ressaltam longo prazo