O Itaú decidiu criar um imenso túnel do tempo na praia de Copacabana neste sábado (5). Aos 65 anos, Madonna é a plataforma usada pelo maior banco privado do Brasil para, na memória da multidão, trazer ao presente as glórias do passado – no ano em que completa 100 anos de existência.
O filão da saudade já foi identificado por publicitários faz tempo: tentar colar em um produto ou serviço uma memória idílica, cara a um público consumidor bem definido. Encontrar um artista-símbolo da sua infância ou adolescência em um comercial de TV é sinal de que a sua geração é agora o alvo prioritário da publicidade.
Este repórter, aos 31 anos, por exemplo, sentiu que a juventude lhe escapava pelos dedos quando Sandy & Junior retornaram aos palcos para uma turnê especial em 2019.
Também é comum encontrar séries, novelas e filmes cujas tramas se passam 30 ou 40 anos antes da época em que são lançados. Isso serve como reflexo de que uma nova geração de criadores chegou ao poder no showbiz – e agora usam o mundo da época em que cresceram como cenário de sua obras.
Nos anos 1980, boa parte dos filmes se passava nos anos 1950 (de De Volta para o Futuro a Porky’s). Nos 2020, não faltam produções que se passam nos 1980 (Stranger Things). Nem comerciais com ícones de décadas atrás – Sidney Magal agora canta “Completa pra mim/ Quero ver completar” para os postos Ipiranga).
É a “regra de ouro dos 40 anos”, conceito popular na cultura americana – ou o “comichão dos 40”, como escreveu Adam Gopnik na The New Yorker um tempo atrás.
Faz 41 anos que Madonna chegou ao Hot 100 da Billboard pela primeira vez, com “Holiday”. Deve ficar por aí a média de idade do público que vai assistir pessoalmente ao encontro da princesinha do mar com a rainha do pop: a maior parte de quem reservou Airbnb no Rio para este final de semana tem entre 30 e 40 anos, segundo o aplicativo.
E eita periodozinho complicado de viver. “Os 40 são quando você começa a rememorar coisas que você já fez e a ressignificar essas memórias para dar conta de continuar a viver”, diz Michel Alcoforado, consultor especializado na antropologia do consumo.
“É uma crise”, resume. “É olhar em volta e pensar ‘cheguei no meio do caminho, o que eu vou fazer com a outra metade que vem pela frente?'”.
Aí, para enfrentar o medo do futuro, o melhor é voltar ao quentinho do passado. Ainda mais tentador fazer isso quando zapear a TV ou rolar o feed e ser bombardeado com dúvidas existenciais: sobre o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho ou a respeito da viabilidade da espécie humana em meio às turbulências do clima…
Irmanados pelas angústias dos 40, 50 e poucos, os fãs da Madonna estão acostumados a encontrar nas canções da diva os dilemas da maturidade. Nada mais adulto – e solitário – do que a independência e a autonomia.
Talvez por isso ela cante:
Life is a mystery/ Everyone must stand alone / I hear you call my name/ And it feels like home.
[A vida é um mistério / Todos devem ficar sozinhos / Eu ouço você chamar meu nome / E parece como lar.]
“LIKE A PRAYER”, CANÇÃO DE MADONNA LANÇADA EM 1989
O conforto, afinal, vem daquilo que é familiar. O Itaú sabe disso, e aposta na memória como forma de construir sentido para o presente e planos para o futuro – ressoando o slogan da campanha do centenário (“Feito de futuro”).
“Boa parte do charme de um banco está ligado à ideia de que ele te proporcionou coisas que ninguém mais te proporciona, sobretudo quando a gente está pensando em um público de alta renda”, pontua Alcoforado.
A estratégia da nostalgia tem seus riscos. “Pode envelhecer a marca”, diz o antropólogo, fundador da Consumoteca. A mensagem pode acabar diluída em um conceito mais rasteiro, algo como ‘tô velho, mas não tô morto'”.
O big deal aqui foi ter sequestrado a pauta de entretenimento do país. Mesmo que você, leitor, deteste a Madonna, a música pop ou até a praia de Copacabana –, vai ser praticamente impossível não ser exposto a nenhum conteúdo sobre a apresentação de sábado.
Madonna rende. Independentemente da idade, soube manter sua imagem de transgressora eternamente à frente de seu tempo. A cantora já provocou a ira do Vaticano, já namorou um rapaz 41 anos mais novo, escreveu livro infantil, estrelou filmes, casou e foi viver como dona de casa. Fez de tudo, e agora deve protagonizar uma das maiores apresentações da carreira. Aos 65 anos, lembra?
A publicidade contemporânea, explica Alcoforado, vai além de promover na clientela um senso de exclusividade ou de pertencimento. “O que importa agora nas formas de consumo é como as marcas me possibilitam participar das rodas de conversa. Se você não fala, você não é, você não existe”.
“O que a Madonna entrega para o Itaú é valor de conversa. Hoje, o papel de uma marca é possibilitar que nós tenhamos o que falar. Nas redes sociais, a gente só é aquilo o que a gente fala”. Let the choir sing.
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