Eles só estavam esperando pela regulamentação. Agora que o país deixou de ser uma terra sem lei para as bets, empresas de comunicação e até times de futebol decidiram, enfim, avançar sobre essa montanha de dinheiro – a despeito da crescente má fama do negócio.
Nas últimas semanas, Grupo Globo, Grupo Silvio Santos e até o Flamengo mostraram acalentar o sonho da bet própria.
O hiato de cinco anos entre a legalização das bets (2018) e a regulamentação do setor (2023) fez do Brasil um terreno fértil para a multiplicação de empresas obscuras – sem CNPJ no país e acusadas de fraude, por exemplo.
Mas a partir de janeiro de 2025, valerão novas regras para o setor, determinadas por 21 portarias do Ministério da Fazenda que foram publicadas entre outubro do ano passado e o fim de julho de 2024. Elas regulamentam das propagandas à fiscalização – a pasta criou a Secretaria de Prêmios e Apostas especialmente para monitorar essa área.
O regramento vai encarecer as operações das bets. Será obrigatório, por exemplo, pagar R$ 30 milhões ao governo para conseguir a autorização, comprovar patrimônio de pelo menos outros R$ 30 milhões e ainda contar com uma reserva financeira imediata de R$ 5 milhões. Isso fora a grana necessária para tocar a operação, manter a sede em território nacional, pagar funcionários etc.
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“Quem não conhece o mercado e tenta entrar agora achando que vai ganhar dinheiro fácil pode ter uma surpresa. A gestão será muito importante para que o negócio dê certo”, pontua Plínio Lemos Jorge, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), que reúne empresas que atuam no ecossistema das bets, além das próprias casas de apostas.
Bet na TV
Mais de 100 empresas correram para apresentar à Fazenda os documentos necessários para começar a operar já na abertura do mercado regulado, em 1º de janeiro de 2025. Como cada empresa pode registrar até três marcas, a pasta projeta que 220 sites diferentes serão autorizados só nessa primeira leva.
Entre as candidatas estão a BetMGM, parceria entre a empresa de cassinos e hoteis MGM Resorts e o Grupo Globo, que é o maior grupo de comunicação do Brasil. No comunicado em que anunciaram a sociedade, MGM e Globo disseram que o objetivo é trazer a BetMGM, que já atua nos EUA e no Reino Unido, a um mercado regulado que está entre “um dos mais recentes e de rápido crescimento do mundo”.
“O Brasil tem mais de 20 milhões de apostadores ativos, que representam um mercado estimado em mais de US$ 3 bilhões [R$ 17 bilhões] – e com crescimento de dois dígitos todos os anos”, diz a nota.
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A ideia aqui é juntar a experiência da MGM no mundo dos jogos com a audiência das empresas da Globo, que alcançam diariamente 70 milhões de pessoas no Brasil.
Outro player tradicional que está de olho no mercado das bets é o Grupo Silvio Santos (GSS), que tenta colocar de pé a Todos Querem Jogar (TQJ). A expectativa é que o GSS repita no mundo das bets o modelo que construiu o patrimônio bilionário da família Abravanel: utilizar suas empresas de comunicação, como o SBT, para converter em consumidores – ou apostadores – quem assiste a programação de sua emissora de TV.
Em nota, o GSS disse que a TQJ terá “a expertise de 65 anos com Baú da Felicidade e Tele Sena para dar um novo passo no mercado regulamentado de apostas no Brasil”.
Para Plínio Jorge, da ANJL, a aproximação entre grandes grupos de comunicação e o mercado de apostas chega a ser óbvia. “O que faz o impulsionamento da indústria das bets é a visibilidade; é a propaganda massiva”, afirma. Para pontuar, Plínio lembra que profissionais de marketing compõem a maior parte dos quadros de funcionários dessas empresas. Ter “dentro de casa” ferramentas de distribuição de conteúdo que atingem milhões de brasileiros representaria uma grande vantagem frente à concorrência.
Já se fala também em “consolidação das bets”, como no jargão do mercado financeiro para fusões e aquisições. Para a ANJL, esse processo deve ganhar velocidade em breve.
Assim, a multiplicação das bets num primeiro momento deve levar a uma “seleção natural” num segundo momento. Nesse ambiente de lei do mais forte, as casas de apostas controladas por grandes grupos empresarias levarão vantagem. Melhor ainda se esses proprietários forem também donos de veículos de comunicação e tiverem estruturas financeiras e modelos de negócios robustos, diversificados.
O caso Flabet
Neste mês, o Conselho Deliberativo do Flamengo aprovou a criação da Flabet. A decisão gerou polêmica: as regras da Fazenda impedem que clubes de futebol atuem no mercado de apostas esportivas.
A legislação tenta evitar conflitos de interesse e blindar os esportes dos já conhecidos escândalos de manipulação de resultados, que no Brasil já deram origem até uma investigação no Congresso Nacional, a CPI das Apostas.
Nota: a lei (em seu artigo 18) também proíbe que empresas detentoras de direitos de transmissão de jogos tenham suas próprias bets, mas não deixa claro o que acontece no caso de uma sociedade, como a da Globo com a MGM. Para isso que existem advogados.
O Flamengo, por exemplo, pretende driblar a restrição licenciando a marca Flabet para a Pixbet, que é patrocinadora do clube e uma das maiores casas de apostas do Brasil. Seria um jeito de ser a bet do Flamengo sem ser a bet do Flamengo.
Se não for barrada pelo governo ou pela Justiça e a Flabet prosperar, pode servir de incentivo para que outros clubes de futebol sigam pelo mesmo caminho.
E nem seria preciso se associar a uma grande casa de apostas que já opere no mercado. A parte técnica já vem pronta, como vamos ver abaixo.
Uma bet para chamar de sua
Há grandes plataformas internacionais que oferecem bets “white label”, isto é, estruturas digitais praticamente prontas para entrar em funcionamento. Basta comprar uma delas, escolher os jogos que farão parte do catálogo, associar a um domínio, escolher os meios de pagamento e voilà, nasce uma bet.
Empresas como a PlayTech desenvolvem as plataformas, que podem ser compradas com poucos cliques. Outras companhias, como a PGSoft, criam os joguinhos. É possível até já contratar um combo (plataforma + jogos).
De certa forma, toda esta cadeia industrial de produção de bets se torna sócia das próprias casas de aposta: elas são remuneradas com uma parte do faturamento. Todo mundo ganha um pedacinho.
O último passo é escolher o meio de pagamento, empresas que precisam estar autorizadas pelo Banco Central. São elas que fazem a administração das contas dos usuários e reportam as movimentações ao BC. Também é a partir delas que são cobrados os impostos.
Há players menos conhecidos nesse mercado, como a WePayment, a Paag e o Zro Bank. Com a regulamentação, instituições financeiras tradicionais também estão entrando. Plínio Jorge, da ANJL, cita o BTG Pactual como uma dessas empresas – o banco de investimentos não quis falar sobre o assunto com o InvestNews.
Este novo momento do mercado das bets terá uma marca mais visível. Só as bets devidamente autorizadas – as que cumprirem todos os requisitos estabelecidos, incluindo o pagamento dos R$ 30 milhões ao governo – poderão operar com o domínio .bet. Ele vai distinguir as autorizadas das que, por qualquer motivo, ainda não estiverem 100% alinhadas à regulamentação. O objetivo do governo é criar uma espécie de “selo de qualidade”, o que pode até acelerar a consolidação.
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