O jogo dos estímulos da China mal começou, mas o Brasil já pode ser considerado como um dos participantes em campo mais beneficiados. Mesmo se os pacotes monetário e fiscal do governo asiático não conseguirem resolver as questões estruturais deles, o dinheiro injetado na economia lá do outro lado do mundo deve ser sentido na veia por aqui.
A China anunciou recentemente uma série de medidas para atacar problemas crônicos, como a crise imobiliária, a fraqueza do consumo interno e a pressão deflacionária. Esse cenário, por sua vez, leva à queda de investimentos e à desaceleração do ritmo de crescimento.
Preocupado com a possibilidade de não atingir a meta oficial de expansão econômica de 5% ao ano em 2024, o Banco Popular da China, que é BC de lá, lançou no fim de setembro um primeiro pacote de estímulos focado em incentivo ao crédito, redução do endividamento do setor imobiliário e cortes de juros.
As medidas devem ainda se juntar a um esperado pacote fiscal que pode alcançar US$ 284 bilhões. Se oficializado, o estímulo tem potencial para elevar a produção em 0,4 ponto percentual do PIB, pelos cálculos da consultoria Capital Economics. E se tornaria o maior conjunto de ajuda à economia chinesa desde a crise financeira de 2008.
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Mais da metade do superávit comercial
Especialistas ouvidos pelo InvestNews afirmam que, diante do tamanho dos laços comerciais e de interesses chineses em setores estratégicos no Brasil, um estímulo para a atividade de tal tamanho tende a ecoar positivamente aqui. Isso independentemente de a China ter sucesso nos objetivos originais.
Os números dos nossos negócios com o país oriental são para lá de superlativos. As operações com o gigante asiático representaram mais da metade do saldo positivo da balança comercial brasileira em 2023. As trocas comerciais deixaram um superávit de US$ 51,2 bilhões, ou seja, 52,2% do resultado geral do ano passado.
O volume em dólares do que o Brasil vendeu para a China representou mais de 30% de tudo o que o país arrecadou com exportações em 2023. No ano passado, pela primeira vez na história uma nação adquiriu sozinha mais de US$ 100 bilhões em produtos daqui.
As empresas brasileiras exportaram US$ 104,3 bilhões ao gigante asiático no ano passado. Já em termos de importação, o país comprou US$ 53,1 bilhões da China, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
“Com mais dinheiro fluindo, vão se intensificar os investimentos chineses em setores estratégicos no nosso país, como energia e infraestrutura”, diz o analista do Andbank, Fernando Bresciani. Um apoio ao crescimento na China pode representar uma retomada do fluxo de capital ao Brasil, que andou em baixa nos últimos anos.
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Os investimentos diretos do país asiático por aqui em 2023 foram a segunda pior cifra em 15 anos. Alcançaram US$ 1,73 bilhão, conforme dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). O melhor ano foi 2010, com um volume de US$ 13 bilhões. Reacelerar a economia pode significar uma pressão também no pedal desse fluxo financeiro para fora da China. Empresas de lá que investem aqui ganhariam um reforço no caixa, que pode respingar no Brasil.
Bresciani explica, porém, que qualquer efeito benéfico dos pacotes de estímulo só vai começar a fazer efeito a partir do fim do primeiro trimestre de 2025. “Só vamos ver os estímulos atuando com mais intensidade de março para a frente. Isso porque, historicamente, a economia deles começa a desacelerar no fim do ano e retoma o ritmo a partir de fevereiro, após o ano novo chinês.”
O pesquisador associado do FGV/IBRE e sócio da BRCG, Lívio Ribeiro, enxerga grande probabilidade de o governo chinês lançar novos pacotes de estímulo voltados à expansão de infraestrutura e aumento de gastos públicos. “É a velha receita da China, mas isso seria tratar de um problema de demanda [consumidores que não consomem] com incentivo de oferta [fazer empresas produzirem mais]”, afirma.
“A euforia com a China tende a continuar até o fim do ano, enquanto os estímulos continuarem a ser anunciados”, diz Ribeiro. “Mas, conforme as pessoas comecem a coçar o queixo e perceber que as medidas que trariam mudanças estruturais não estão sendo implementadas, o mercado tende a voltar a um modo de cautela.”
Soja, petróleo, minério
De qualquer modo, um suporte às empresas, como tem sido aguardado pelos investidores globais, potencialmente traz um aumento de consumo de commodities, que é, justamente, a praia das exportações brasileiras ao gigante asiático. No comércio com a China, soja, petróleo e minério de ferro representam 74% das vendas de empresas nacionais.
O especialista em infraestrutura e energia do escritório Machado Meyer, José Virgílio Lopes, reforça a ideia de que os estímulos tendem a turbinar uma parceria que já atingiu números estratosféricos. “Independentemente dos pacotes, a relação Brasil e China se mantém bastante forte em várias perspetivas”, diz.
Lopes acompanha o desenvolvimento de projetos entre China e Brasil há duas décadas. O especialista afirma que, “nos últimos anos, temos visto diversificação desse interesse chinês em tecnologia e no mercado automobilístico, além de manter a busca por infraestrutura, energia e commodities.
“Aqui no escritório”, segue o especialista do Machado Meyer, “temos atendido vários novos investidores chineses com intenção de fazer negócios no Brasil pela primeira vez”.
Bresciani, do Andbank, ressalta que um aumento do consumo das empresas chinesas ajuda a sustentar os preços internacionais das commodities. “Se a China consumir mais aço, por exemplo, as siderúrgicas do Brasil conseguem recuperar preço.”
Logo que as primeiras medidas foram anunciadas o mercado de commodities viveu, de fato, dias de euforia. Os preços do minério de ferro chegaram a subir mais de 11% em apenas um pregão, no dia 30 de setembro. Em outubro, até o dia 7, a alta acumulada já era de 19,8%.
“A tendencia é de os pacotes terem vários efeitos positivos, como a ampliação do investimento direto, o crescimento do fluxo de comércio e a sustentação de preços de commodities no mercado internacional, com aumento de demanda chinesa”, diz Lopes. Isso mesmo se os efeitos dos pacotes forem temporários. Se funcionar, no longo prazo pode significar um bilhete econômico premiado para o Brasil.
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